Barco Perdido
Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…
Passagens sobre Velas
148 resultadosHeroísmos
Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.Contudo, num barquinho transparente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n’água quase assente,E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
Falar Sempre, Pensar Nunca
Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. E esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações se torna racionalização. Em vez de realizar o trabalho de autognose, os endoutrinados adquirem a capacidade de subsumir todos os conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência materna, extrovertido e introvertido, que, no fundo, são pouco menos que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do eu é eliminado mediante a consciência de que não se trata mais do que uma artrite ou de sinus troubles.
Os conflitos perdem assim o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação do indivíduo com a instância social;
Solilóquio
Já que o sol pouco a pouco se desmaia
E meu mal cada vez mais se desvela,
Enquanto a pena, a ânsia, a mágoa vela,
Quero aqui estar sozinho nesta praia.Que bravo o mar se vê! Como se ensaia
Na fúria e contra os ares se rebela!
Como se enrola! Como se encapela!
Parece quer sair da sua raia.Mas também que inflexível, que constante
Aquela penha está à força dura
De tanto assalto e horror perseverante!Ó empolado mar, penha segura,
Sois a imagem mais própria e semelhante
De meu fado e da minha desventura.
Como Dormirão Meus Olhos?
Como dormirão meus olhos?
Não sei como dormirão,
pois que vela o coração.Voltas
Toda esta noite passada,
que eu passe em sentir,
nunca a pude dormir,
de ser muito acordada.
Dos meus olhos foi velada;
mas como não velarão,
pois que vela o coração?As horas dela cuidei
dormi-las: foram veladas.
pois tam bem as empreguei,
dou-as por bem empregadas.
Todas as noutes passadas
neste pensamento vão,
pois que vela o coração.Pássaros que namorados
pareceis no que cantais,
não ameis, que, se amais,
de vós sereis desamados.
Em meus olhos agravados
vereis se tenho rezão,
pois que vela o coração.
As Aldeias
Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas –
Mais frescas que as manhãs finas d’Abril.Levanta a alma ás cousas visionarias
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.Pelas tardes das eiras – como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!As creanças do campo, ao amoroso
Calor do dia, folgam seminuas;
E exala-se um sabor mysterioso
D’a agreste solidão das suas ruas!Alegram as paysagens as creanças,
Mais cheias de murmurios do que um ninho,
E elevam-nos ás cousas simples, mansas,
Ao fundo, as brancas velas d’um moinho.Pelas noutes d’estio ouvem-se os rallos
Zunirem suas notas sibilantes,
E mistura-se o uivar dos cães distantes
Com o canto metallico dos gallos…
Agir com raiva é o mesmo que içar a vela na tempestade.
Qual tem a borboleta por costume
Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, Aónia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glória maior, está contente.
Deixa-me em Paz
Nize, deixa-me em paz; porque já agora
No mar de Amor, por mais que á vela saia,
Carcaça velha sou, que junto á praia,
Por não poder surgir se desarvora.Adeus, que quem me vir da barra fora,
É capaz de me dar alguma vaia:
E ao menos quero, antes que ao fundo caia,
Inda salvar-me: adeus; fica-te embora.Bem sei que pouco é já; mas por vanglória
(Porque às vezes se faz do próprio dano)
A mesma falta hei-de fazer notória.E no público altar do Desengano,
Deixarei dos estragos por memória
O destroçado leme, e o roto pano.
Canoa do Tejo
Canoa de vela erguida
Que vens do Cais da Ribeira,
Gaivota que anda perdida
Sem encontrar companheira,
O Vento sopra nas Fragas,
O Sol parece um morango
E o Tejo baila com as vagas
A ensaiar um fandangoEstribilho:
Canoa, conheces bem,
Quando há Norte pela proa,
Quantas docas tem Lisboa
E as muralhas que ela tem!
Canoa, por onde vais,
Se algum barco te abalroa,
Nunca mais voltas ao Cais!
Nunca, nunca, nunca mais!!Canoa de vela panda
Que vens da Boca da Barra
E trazes na aragem branda
Gemidos duma guitarra,
Teu arrais prendeu a vela;
E se adormeceu, deixá-lo!
Agora muita cautelaa
Não vá o Mar acordá-lo!
Lágrimas de Cera
Passou; viu a porta aberta.
Entrou; queria rezar.
A vela ardia no altar.
A igreja estava deserta.Ajoelhou-se defronte
Para fazer a oração;
Curvou a pálida fronte
E pôs os olhos no chão.Vinha trêmula e sentida.
Cometera um erro. A Cruz
É a âncora da vida,
A esperança, a força, a luz.Que rezou? Não sei. Benzeu-se
Rapidamente. Ajustou
O véu de rendas. Ergueu-se
E à pia se encaminhou.Da vela benta que ardera,
Como tranqüilo fanal,
Umas lágrimas de cera
Caíam no castiçal.Ela porém não vertia
Uma lágrima sequer.
Tinha a fé, — a chama a arder, —
Chorar é que não podia.
Um bigode é muito mais do que uma pilosidade: é uma metafísica. Vem acompanhado de conversas sobre a necessidade de estudar para ser alguém na vida, a utilidade de amortizar o crédito à habitação, a urgência de substituir as velas do carro, a saudade de quando o fado era o fado, a rádio era a rádio e a Amália Rodrigues cantava o fado na rádio, tanto na Emissora Nacional como na Voz de Lisboa.
As Tuas Mãos Terminam Em Segredo
As tuas mãos terminam em segredo.
Os teus olhos são negros e macios
Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
E o teu perfil princesas no degredo…Entre buxos e ao pé de bancos frios
Nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.Mas quando o mar subir na praia e for
Arrasar os castelos que na areia
As crianças deixaram, meu amor,Será o haver cais num mar distante…
Pobre do rei pai das princesas feias
No seu castelo à rosa do Levante !
Contentamento por Via da Ambição Moderada
Um sério obstáculo ao contentamento é a nossa falência em moderar a ambição, como um navegante riza as suas velas, de acordo com a energia disponível. As nossas expectativas são exageradas, e quando não alcançamos o esperado, culpamos a fortuna e o destino, em vez de culpar a nossa própria insensatez. Não é a má sorte que impede alguém de flechar com arado ou caçar coelhos com boi; não é uma deidade maligna que nos obsta a que peguemos veados ou ursos com vara de pescar; tentar o impossível é estupidez e tolice. O culpado é o egotismo, que impele os homens a ansiarem pela primazia e pela vitória em todos os campos, e a nutrirem o irreprimível desejo de se apoderar de todas as coisas. Eles não apenas reivindicam o direito de serem, a um tempo, ricos, amigos de reis e governantes de uma cidade, como se sentem frustrados se não possuem cães de raça, cavalos de puro-sangue, codormnizes e galos de escol.
Os Cavalleiros
– Onde vaes tu, cavalleiro,
Pela noite sem luar?
Diz o vento viajeiro,
Ao lado d’elle a ventar…
Não responde o cavalleiro,
Que vae absorto a scismar.
– Onde vaes tu, torna o vento,
N’esse doido galopar?
Vaes bater a algum convento?
Eu ensino-te a rezar.
E a lua surge, um momento,
A lua, convento do Ar.
– Vaes levar uma mensagem?
Dá-m’a que eu vou-t’a entregar:
Irás em meia viagem
E eu já de volta hei-de estar.
E o cavalleiro, á passagem,
Faz as arvores vergar.
– Vaes escalar um mosteiro?
Eu ajudo-t’o a escalar:
Não ha no mundo pedreiro
Que a mim se possa egualar!
Não responde o cavalleiro
E o vento torna a fallar:
– Dize, dize! vaes p’ra guerra?
Monta em mim, vou-te levar:
Não ha cavallo na Terra
Que tenha tão bom andar…
E os trovões rolam na serra
Como vagas a arrolar!
– E as guerras has-de ganhal-as,
Que por ti hei-de velar:
Ponho-me á frente das balas
Para a força lhes tirar!
Quando há vento é que se molha a vela.
Ali não Havia Eletricidade
Ali não havia eletricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler —
A Bíblia, em português (coisa curiosa), feita para protestantes.
E reli a “Primeira Epístola aos Coríntios”.
Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência do choro para a desolação.
A “Primeira Epístola aos Coríntios” …
Relia-a à luz de uma vela subitamente antiqüíssima,
E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim…
Sou nada…
Sou uma ficção…
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
“Se eu não tivesse a caridade.”
E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre…
“Se eu não tivesse a caridade…”
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade
A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras.
Última flor do Lácio, inculta e bela, (…) Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela…
Crê!
Vê como a Dor te transcendentaliza!
Mas no fundo da Dor crê nobremente.
Transfigura o teu ser na força crente
Que tudo torna belo e diviniza.Que seja a Crença uma celeste brisa
Inflando as velas dos batéis do Oriente
Do teu Sonho supremo, onipotente,
Que nos astros do céu se cristaliza.Tua alma e coração fiquem mais graves,
Iluminados por carinhos suaves,
Na doçura imortal sorrindo e crendo…Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
De uma Esfera de cânticos, bendita,
Para andar crendo e para andar gemendo!