A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é; ou, mais corretamente, de ser amado apesar daquilo que você é.
Passagens sobre Amados
506 resultadosA Vida
Ó grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ó olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ó Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz é maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vós que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ó pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ó pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vão na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ó janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ó luas negras,
Existe mais prazer em amar do que em ser amado.
Era uma vez um homem que se chamava Albinus e vivia em Berlim. Era rico, respeitável, feliz; certo dia abandonou a mulher por causa de uma jovem amante; amou, não foi amado; e sua vida acabou em desastre.
A inquietação pela desconfiança de que se não é suficientemente amado – é já uma das mais certas provas de que se ama um pouco, ou de que se começa a amar um pouco.
Há uma idade em que a mulher gosta mais de ser namorada do que amada. Entre um amor recatado e reverente e um galanteio indiscreto e ostensivo, não hesita: prefere o segundo. O que lhe enche o coração não é o amor; é a vaidade.
O amor é a ocasião única de amadurecer, de tomar forma, de nos tornarmos um mundo para o ser amado. É uma alta exigência, uma ambição sem limites, que faz daquele que ama um eleito solicitado pelos mais vastos horizontes.
É melhor ser temido do que amado. (livro_ Príncipe)
Um Amor
Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.
A Amizade Exercita-se
É um erro desejar ser compreendido antes de se ser elucidado por si mesmo a seus próprios olhos. É procurar prazeres na amizade, e não méritos. É qualquer coisa de mais corruptor ainda do que o amor. Venderias a tua alma por amor.
Aprende a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem. É preciso recusá-la para se ser digno de a receber: ela é da categoria da graça («Meu Deus, afastai-vos de mim…»). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Toda a ilusão de amizade merece ser destruída. Não é por acaso que nunca foste amado… Desejar escapar à solidão é uma cobardia. A amizade não se procura, não se imagina, não se deseja; exercita-se (é uma virtude). Abolir toda esta margem de sentimento, impura e enevoada. Schluss!
Ou melhor (pois não é necessário desbastar-se a si mesmo rigorosamente), tudo o que, na amizade, não passe por alterações efectivas deve passar por pensamentos ponderados. É absolutamente inútil privar-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente proibido, é sonhar com os prazeres do sentimento.
Sempre que Lisboa canta
Lisboa cidade amiga
que és meu berço de embalar
ensina-me uma cantiga
das que tu sabes cantarUma cantiga singela
Daquelas de enfeitiçar
P’ra eu cantar à janela
Quando o meu amor passarSempre que Lisboa canta
Não sei se canta
Não sei se reza
A sua voz com carinho
Canta baixinho
Sua tristezaSempre que Lisboa canta
à gente encanta
Sua beleza
Pois quando Lisboa canta
Canta o fado
com certezaEu quero dar-te um castigo
Por tanto te ter amado
Quero que cantes comigo
Os versos do mesmo fadoQuero que Lisboa guarde
Tantos fados que cantei
Para cantar-me mais tarde
Os fados que lhe ensinei
Fremosas, a Deus grado
Fremosas, a Deus grado,
tan bon dia comigo!
Ca novas mi disseron,
ca ven o meu amigo,
ca ven o meu amigo.
Tan bon dia [co]migo!Tan bon dia comigo!
Fremosas, a Deus grado,
ca novas mi disseron,
ca ven o meu amado,
ca ven o meu amado.
Fremosas, a Deus grado!Ca novas mi disseron,
ca ven o meu amigo,
e ando ende eu mui leda,
pois tal mandado ei migo,
pois tal mandado ei migo,
ca ven o meu amigo!Ca novas me disseron
ca ven o meu amado
e ando [ende] eu mui leda,
pois migo ei tal mandado,
pois migo ei tal mandado,
ca ven o meu amado!
A Alma Transforma-se em Sensações
Eis um efeito que me será contestado, e que só apresento aos homens que, digamos, são bastante infelizes para terem amado com paixão durante longos anos, dum amor contrariado por obstáculos invencíveis:
A vista de tudo o que é extremamente belo, tanto na natureza como nas artes, traz-nos a recordação do que amamos, com a rapidez de um relâmpago. É que, pelo processo do ramo de árvore guarnecido de diamantes da mina de Salzburgo, tudo o que no mundo é belo e sublime faz parte da beleza do que amamos, e esta visão imprevista da felicidade enche-nos os olhos de lágrimas num instante. É assim que o amor do belo e o amor se dão vida um ao outro.
Uma das infelicidades da vida é que a ventura de ver a quem amamos e de lhe falar não deixa recordações distintas. Aparentemente, a alma está demasiado perturbada pelas suas emoções para poder prestar atenção ao que as causa ou as acompanha. Transforma-se na própria sensação. É talvez porque estes prazeres não se podem renovar sempre que queremos, por simples força de vontade, que se renovam com tanta força, desde que um objecto qualquer nos venha tirar da meditação consagrada à mulher que amamos,
Ser amado, é receber o maior de todos os elogios.
Estranha Encruzilhada
Não sei por que cruzou com a tua a minha estrada,
o destino é inconsciente e não sabe o que faz…
– Encontro-te, e afinal, já sei que tu és amada,
encontras-me, e afinal, já é bem tarde demais…Já não posso esquecer a existência passada,
perdi meu coração – o amor não tenho mais…
– já não tens coração, e a tua alma, coitada,
sofrendo há de ficar sem me esquecer jamais…Até hoje nesse amor não tínhamos pensado:
é por isso talvez que em silêncio tu choras,
e em silêncio também meu pranto é derramadoEu cheguei… Tu chegaste… Estranha encruzilhada:
se eu tenho que partir depois que tu me adoras,
se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!…
Soneto IV – A Uma Senhora
Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade ímpia,
Tu, amada do Anjo d’Harmonia,
Que te fazes ouvir tão docemente.Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lá dos mortos na soidão sombria
Operou-se um milagre de repente.A morte sobre a fouce, entristecida,
Amarguradas lágrimas verteu,
Talvez do fero ofício arrependida!Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glória um — bravo — deu.
O Amor como Factor Civilizador
As provas da psicanálise demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo — casamento, amizade, as relações entre pais e filhos — contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em consequência da repressão. Isso acha-se menos disfarçado nas altercações comuns entre sócios comerciais ou nos resmungos de um subordinado em relação ao seu superior. A mesma coisa acontece quando os homens se reúnem em unidades maiores. Cada vez que duas famílias se vinculam por matrimónio, cada uma delas se julga superior ou de melhor nascimento do que a outra. De duas cidades vizinhas, cada uma é a mais ciumenta rival da outra; cada pequeno cantão encara os outros com desprezo. Raças estreitamente aparentadas mantêm-se a certa distância uma da outra: o alemão do sul não pode suportar o alemão setentrional, o inglês lança todo tipo de calúnias sobre o escocês, o espanhol despreza o português. Não ficamos mais espantados que diferenças maiores conduzam a uma repugnância quase insuperável, tal como a que o povo gaulês sente pelo alemão, o ariano pelo semita.
Quando essa hostilidade se dirige contra pessoas que de outra maneira são amadas,
Para as mulheres há apenas uma data em que deveriam morrer: aquela em que deixam de ser amadas.
O amor pode ser provocado apenas na base do medo de perder o amado.
Poema de Amor
A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue…
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas…
Lágrimas… nuvens… e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera…