Doente
A lua veio… foi-se… e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja, a minha boa fada.Ela há de vir, Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando à flor de um rio que não finda.Ela há de vir, sem que eu a veja… Entanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vão…Ó lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!
Passagens sobre Céu
1151 resultadosA umas Lágrimas de uma Despedida
Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
Não seja paga igual de meu tormento.
Essa Aritmética
Antes, eu era apenas metade
de um Ser, a pervagar sem rumo certo,
à procura ideal dessa unidade
que é como um novo mundo descoberto.Enquanto sós, que somos? Um deserto
a nos pesar com sua imensidade,
existir só começa, a céu aberto,
quando dois são um só – eis a verdade!Eu vinha por aí, aos solavancos,
como se diz: aos trancos e barrancos,
um pedaço a rolar, uma metadede um Ser, mas quis a sorte, nos achamos,
e ao nos somarmos, nos multiplicamos
nessa aritmética da felicidade.
O céu estrelado por sobre mim e a lei moral dentro de mim
Fruto Envelhecido
Do coração no envelhecido fruto
É só desolação e é só tortura.
O frio soluçante da amargura
Envolve o coração num fundo luto.O fantasma da Dor pérfido e astuto
Caminha junto a toda a criatura.
A alma por mais feliz e por mais pura
Tem de sofrer o esmagamento bruto.É preciso humildade, é necessário
Fazer do coração branco sacrário
E a hóstia elevar do Sentimento eterno.Em tudo derramar o amor profundo,
Derramar o perdão no caos do mundo,
Sorrir ao céu e bendizer o Inferno!
Elevação
Por cima dos paúes, das montanhas agrestes,
Dos rudes alcantis, das nuvens e do mar,
Muito acima do sol, muito acima do ar,
Para além do confim dos páramos celestes,Paira o espírito meu com toda a agilidade,
Como um bom nadador, que na água sente gozo,
As penas a agitar, gazil, voluptuoso,
Através das regiões da etérea imensidade.Eleva o vôo teu longe das montureiras,
Vai-te purificar no éter superior,
E bebe, como um puro e sagrado licor,
A alvinitente luz das límpidas clareiras!Neste bisonho dai’ de mágoas horrorosas,
Em que o fastio e a dor perseguem o mortal,
Feliz de quem puder, numa ascensão ideal,
Atingir as mansões ridentes, luminosas!De quem, pela manhã, andorinha veloz,
Aos domínios do céu o pensamento erguer,
— Que paire sobre a vida, e saiba compreender
A linguagem da flor e das coisas sem voz!Tradução de Delfim Guimarães
Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda
Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro…
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiroE o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geralPorque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tão fermosos!Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?Mas o mundo não era dino dela,
por isso mais na terra não esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.
Escrevo como quem Quer Ser Escrito
escrevo como quem quer ser escrito
uma árvore ou uma pena no centro da frase
um espelho branco onde observo a palavrae dos seus troncos brotam folhas, letras
inundações de verde no lago azul do céu
que caem, voando, asas de papelcomo tu, também eu sussurro
lentas sílabas à leve melancolia que nos abraça
Ela passaria a noite a rezar, a olhar para o céu escuro, a velar por alguém.
Símbolos
Símbolos? Estou farto de símbolos…
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem…
Que a lua seja um símbolo, está bem…
Que a terra seja um símbolo, está bem…
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra…
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo…
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
Carta
Aqui, tudo é bonito e quieto, a gente
vai vivendo uma vida sempre igual…
– Há um dia que o regato de cristal
de águas turvas ficou devido à enchente…Os dias têm passado, lentamente,
e um tédio sinto em mim, de um modo tal,
que às vezes, fico até sentimental,
lembrando-me de ti, saudosamente…Quando estavas aqui, – tudo era lindo…
Como um doce casal de beija-flores,
vivíamos os dois sempre sorrindo…Por que não voltas?… Vem!… – Se tu voltares
o céu há de cobrir-se de outras cores…
– as flores voltarão pelos pomares!..
Correm Turvas As Águas Deste Rio
Correm turvas as águas deste rio,
que as do Céu e as do monte as enturbaram;
os campos florecidos se secaram,
intratável se fez o vale, e frio.Passou o Verão, passou o ardente Estio,
üas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso,
que parece que dele Deus se esquece.Casos, opiniões, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.
O convívio com um único homem inteligente é suficientemente recompensador, mas, se o que se encontra são apenas tipos ordinários, então faz bem ter uma profusão deles, para que a variedade e a actuação em conjunto produzam algum efeito: e que o céu lhe conceda paciência!
Disputa em Família
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:« — Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinível…Já provámos os frutos da verdade…
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d’uma vã banalidade! — »II
Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,
Soneto I
Ao Duque
A glória do edifício, o louvor alto
Do que a última mão lhe põe, se dobra
Em desgraça daquele, e mágoa da obra,
Que no melhor lhe foi escasso e falto.Este de letras, com que ao Céu me exalto
E que em mim vossa mão levanta e obra,
Se sua perfeição por vós não cobra,
A todos causa mágoa e sobressalto.Já que os andames da esperança minha
Não há quem desarmá-los hoje possa,
Fazei com que este meu trabalho monte.Vós sereis minha glória, eu glória vossa,
Ficando à vista as que eu já n’alma tinha,
Vossas armas reais em minha fronte.
Fé na língua do céu é amor na língua dos homens.
O céu é apenas um disfarce azul do inferno.
Aqui o céu é a roupa que compras, os cremes de maquilhagem, o frigorífico e as coisas que tem lá dentro, o carro para ir para o trabalho ou para levar os miúdos a passear ao domingo à tarde.
Labirinto ou não Foi Nada
Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua …
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.