Never More – II
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso Ă hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.Talvez o riso me voltasse Ă boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca…E, entĂŁo, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem…
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!
Passagens sobre Céu
1151 resultadosCântico da Noite
Sumiu-se o sol esplĂŞndido
Nas vagas rumorosas!
Em trevas o crepĂşsculo
Foi desfolhando as rosas!
Pela ampla terra alargar-se
Calada solidĂŁo!
Parece o mundo um tĂşmulo
Sob estrelado manto!
Alabastrina lâmpada,
Lá sobe a lua! Entanto
Gemidos d’aves lúgubres
Soando a espaços vão!
Hora dos melancĂłlicos,
Saudosos devaneios!
Hora que aos gostos Ăntimos
Abres os castos seios!
Infunde em nossos ânimos
Inspiração da fé!
De noite, se um revérbero
De Deus nos alumia,
Destila-se de lágrimas
A prece, a profecia!
A alma elevada em ĂŞxtase
Terrena já não é!
Antes que o sono tácito
Olhos nos cerre, e os sonhos
Nos tomem no seu vĂłrtice,
Já rindo, e já medonhos,
Hora dos céus, conserva-me
No extinto e no porvir.
Onde os que amei? sumiram-se.
Onde o que eu fui? deixou-me.
Deles, sĂł vĂŁs memĂłrias;
De mim, sĂł resta um nome:
No abismo do pretérito
Desfez-se choro e rĂşy
Desfez-se! e quantas lágrimas
Brotaram de alegrias! Desfez-se!
e quantos jĂşbilos
Nasceram de agonias!
Primavera A Fora
Escute, excelentĂssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol Ă© rubro de alegria,
Que tons de luz nas lĂmpidas paisagens.Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce mĂşsica sincera,
Cante a balada eterna dos amores…
O Primeiro Beijo
Durante todas as noites desse verĂŁo, as estrelas foram lĂquidas no cĂ©u. Quando eu as olhava, eram pontos lĂquidos de brilho no cĂ©u. Na primeira vez, encontrámo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou trĂŞs palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caĂa como se flutuasse: cair atravĂ©s do cĂ©u dentro de um sonho.
Naquela noite, fiquei a esperá-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensão. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas de hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram uma única forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro, senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao céu claro da noite. E faltou uma batida ao coração.
O mundo parou. Sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco, arrefecido, moldava-lhe a pele do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer.
As ilusões vem do céu, e os erros de nós mesmos.
Os putos
Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
SĂŁo como Ăndios, capitĂŁes da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
SĂŁo os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.As caricas brilhando na mĂŁo
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que nĂŁo
Se a porrada vier nĂŁo deixoUm berlinde abafado na escola
Um piĂŁo na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.
O sábio teme o céu sereno; em compensação, quando vem a tempestade ele caminha sobre as ondas e desafia o vento.
Toada Para Solo De Ocarina
Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalhacomo tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhadoNesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafinaE colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
Iniciação ao Diálogo
I
De inĂcio bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos sĂŁo mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar prĂłprio nĂŁo rompa
as lajes de Ăłdio com que te muraste.II
O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aà faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul — o azul de todos.III
Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desĂgnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.IV
Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!V
Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens,
Queremos ir ao Céu, mas não queremos ir por onde se vai para o Céu.
Todos NĂłs Hoje Nos Desabituamos do Trabalho de Verificar
Todos nĂłs hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluĂdas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em PolĂtica o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhĂŁ de vento. Para apreciar em Literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou—apenas nos basta folhear aqui e alĂ©m uma página, atravĂ©s do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza Ă© fulminante. Com que soberana facilidade declaramos—«Este Ă© uma besta! Aquele Ă© um maroto!» Para proclamar—«É um gĂ©nio!» ou «É um santo!» of erecemos uma resistĂŞncia mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestĂŁo ou a macia luz dum cĂ©u de Maio nos inclinam Ă benevolĂŞncia, tambĂ©m concedemos bizarramente, e sĂł com lançar um olhar distraĂdo sobre o eleito, a coroa ou a aurĂ©ola, e aĂ empurramos para a popularidade um maganĂŁo enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rĂłtulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. NĂŁo há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que nĂŁo estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opiniĂŁo bojuda E a opiniĂŁo tem sempre,
Os Amantes de Pompeia
Eles conheceram-se neste abraço
em que levam tanto tempo,
embalados na cadência,de uma canção desconhecida
e no mover das mĂŁos que hesitam
entre o animal e a planta.
O tempo privou-os de vida
mas nĂŁo um do outro, tangĂveis
nos membros onde o desejolateja ainda,
gestos como medusas esvaindo-se
no sangue em que se fundiram para sempre.Geraram esta outra placenta
com a urgĂŞncia de quem sabe
que bebe em cada trago despedida:lenta colheita da alma
que palidamente assoma
em cada poro,subtil, alada, como pluma
que sem ser vista
se solta.
Neste abraço que os reteve até à sufocação,
depois que se abateram o céu e o horizonte,
o mundo foi-lhes langore memĂłria acesa;
petrificados, mortos,
estão diante do nosso olhar,na posição aflita em que os une,
mais que o esterno e a pelve,
o duplo receio da imortalidade.
O céu não consente no orgulho de ninguém, salvo no seu próprio.
Não é só o céu. Também chovo vez ou outra.
Sabedoria I, III
Que dizes, viajante, de estações, paĂses?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto Ă© igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insĂpidos recĂ©m-nascidos.Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e tambĂ©m da PolĂtica
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?
O amor verdadeiro é tranquilo como um céu azul, apesar de conter e palpitar trovoadas de esperança.
MĂŁe!
Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da
minha vida. O amarelo do Deserto Ă© mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do EgĂpcio,
como os sinais do FenĂcio. Os sinais destes já tĂŞm antecedentes e eu
ainda vou para a vida.Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega roubado!MĂŁe! As estrelas estĂŁo a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem. EstĂŁo a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!Mãe! a minha estrela é doida!
Talvez seja a espessura desse céu que faz os cacimbeiros sonharem tanto. Sonhar é um modo de mentir à vida, uma vingança contra um destino que é sempre tardio e pouco.
Distância
Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pĂ© de mim…
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que não tinham fim.Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d’antes,
E se nas tuas mĂŁos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.Não vás para tão longe!
Tenho medo
Do silĂŞncio pesado d’esta sala…
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nĂłs dois…
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.Não vás para tão longe!
Fica. Inda Ă© tĂŁo cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!…
Paira nas velhas ruĂnas do conventoQue alĂ©m se avista,
O céu criou a mulher para conter a fermentação da nossa alma, para dulcificar os nossos desgostos e o nosso mau humor, e para nos tomar melhores.