Do Medo
1
Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.2
Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poemadesenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.
Passagens sobre Duros
556 resultadosNão Me Aflige Do Potro A Viva Quina;
Não me aflige do potro a viva quina;
Da férrea maça o golpe não me ofende;
Sobre as chamas a mão se não estende;
Não sofro do agulhete a ponta fina.Grilhão pesado os passos não domina;
Cruel arrocho a testa me não fende;
À força perna ou braço se não rende;
Longa cadeia o colo não me inclina.Água e pomo faminto não procuro;
Grossa pedra não cansa a humanidade;
A pássaro voraz eu não aturo.Estes males não sinto, é bem verdade;
Porém sinto outro mal inda mais duro:
Da consorte e dos filhos a saudade!
Marília De Dirceu
Soneto 13
Quando o torcido buço derramava
Terror no aspecto ao português sisudo,
Quando, sem pó nem óleo, o pente agudo,
Duro, intonso, o cabelo em laço atava.Quando contra os irmãos o braço armava
O forte Nuno, apondo escudo a escudo:
Quando a palavra, que prefere a tudo,
Com a barba arrancada João firmava.Quando a mulher à sombra do marido
Tremer se via; quando a lei prudente
Zela o sexo do civil ruído;Feliz então, então só inocente
Era de Luso o reino. Oh! bem perdido!
Ditosa condição, ditosa gente!
XXIX
Ai Nise amada! se este meu tormento,
Se estes meus sentidíssimos gemidos
Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
Achar pudessem brando acolhimento;Como alegre em servir-te, como atento
Meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem sofridos
Trocara todo o meu contentamento.Mas se na incontrastável, pedra dura
De teu rigor não há correspondência,
Para os doces afetos de ternura;Cesse de meus suspiros a veemência;
Que é fazer mais soberba a formosura
Adorar o rigor da resistência.
Mal usada, mesmo a mais dura faca perde o fio.
O brando é muito mais forte que o duro. A água é mais forte que a rocha, o amor é mais forte que a violência.
LIII
Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.Lá te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razão me acuses, mais crimines.Que te fiz eu, pastor ? em que condenas
Minha sincera fé, meu amor puro? A
s provas, que te dei, serão pequenas?Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
A diferença entre a empolgação e o amor eterno é que a empolgação dura mais.
É preciso um trabalho duro e uma grande vontade para transformar a paixão numa virtude.
O Portugal Futuro
O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro
Elegia para Santa Rosa
Aurora chega, e permaneces fria
noite, imobilizado, cego e mudo
às coisas das manhãs que amanhecias:
cavalete, jornal, café no bule.O mundo neutro e nu pede a pintura;
a tela virgem, teu pincel tranquilo,
As cores vêm chorando pela rua,
entram no atelier branco e vazio.Quais os murais que irás compor no muro,
entre o que foste e o que serás, erguido,
o indevassável muro eterno e duro?Ai, Santa, pesam sobre nós os dias
desta sobrevivência que te usurpa
o espaço e o tempo que te pertenciam.
Ser Português, Ainda
Para ser português, ainda, vive-se entre letras de poemas e esperanças, cantigas e promessas, de passados esquecidos e futuros desejados, sem presente, sem pensamento, sem Portugal. Para ser português, ainda, aprende-se a existir no gume da tristeza, como um equilibrista num andaime de navalhas levantadas, numa obra que se vai construindo sob uma arquitectura de demolição. Tínhamos direito a um Portugal inteiro, com povo e com a terra, mas o povo enlouqueceu e a terra foi arrasada e tudo o que era pátria, doce e atrevida, se afasta à medida que olhamos para ela, tal é a ânsia de apagamento e de perdição. Restam-nos sons e riscos. Portugal encolheu-se. Escondeu-se nos poetas e cantores. Recolheu-se nas vozes fundas de onde nasceu. Portugal abrigou-se em portugueses e portuguesas nos quais uma ideia de Portugal nunca se perdeu.
Para se ser português, ainda, é preciso estreitar os olhos e molhar a garganta com vinho tinto para poder gritar que isto assim não é Portugal, não é país, não é nada. Torna-se cada vez mais difícil que o povo e a terra e a ideia se possam alguma vez reunir.
É preciso defender violentamente as instituições: a Universidade, o Parlamento,
Nós aprendemos, Palavras duras, Como dizer perdi, perdi, Palavras tontas, Essas palavras, Quem falou não está mais aqui.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira
Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
É por vezes um espinho oculto e insuportável, que temos cravado na carne, que nos torna difíceis e duros para com toda a gente.
Pouco dura a dor que termina em lágrimas, e muito longo é o período em que o sofrimento permanece no coração.
Que o querer tenha sua origem e seu apoio em coração aberto à nobreza, à beleza e à justiça; de outro modo é apenas gume fino e duro de faca; por isso mesmo frágil, na sua aparente penetração e resistência. Vontade inteligente, e não manhosa, altruísta, e não virada ao sujeito, pedagógica, e não sedenta de domínio; a esta pertencem os séculos por vir: é a voz a que surgem; a outra estabelece os muros que ainda tentam defender o passado.
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
Nao é a linha reta, dura e inflexível, feita pelo homem, que me atrai. O que me chama a atenção é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, nas margens dos seus rios, nas nuvens do céu e nas ondas do mar. O universo está cheio de curvas, um universo de Einstein.