Citação de

O Meu PĂșblico

Quando escrevo, o meu Ășnico pĂșblico sou eu. Depois Ă© que me ponho Ă  espera de que sejam tambĂ©m os outros. NĂŁo porque antes os menospreze: simplesmente porque nĂŁo existem. Mas Ă© evidente que me interessa que existam depois como pĂșblico pelo desejo natural de me confirmarem a existĂȘncia como escritor. Porque a existĂȘncia como escritor implica a audiĂȘncia dos outros. NĂŁo escolho porĂ©m o pĂșblico – espero que ele me escolha. Seria duro que me nĂŁo escolhesse, por todas as implicaçÔes que se adivinham. Mas nĂŁo Ă© impeditivo de continuar – excepto se me convencerem (quem se convence?) que nĂŁo tinha nada a dizer. E no entanto, se nĂłs exprimirmos o tempo que nos exprime, hĂĄ um pacto indissolĂșvel entre o tempo e nĂłs. Assim, o nosso pĂșblico estĂĄ aĂ­ sempre, ainda que tenhamos que ser nĂłs a despertĂĄ-lo.

Esse pĂșblico nĂŁo desperta se nĂłs de facto lhe nĂŁo falarmos, ou seja, se realmente nĂŁo houve pacto algum com ele. Todas estas questĂ”es, porĂ©m, sĂŁo supĂ©rfluas para a necessidade de escrever. Cumpre-se um destino de artista como outros o de serem santos ou criminosos…
O resto nĂŁo Ă© connosco – Ă© com os crĂ­ticos, os hagiĂłgrafos e os arquivos da polĂ­cia.

Sim, tenho um pĂșblico restrito. Em todo o caso, hĂĄ excepçÔes. HĂĄ certos livros – a Aparição, por exemplo – que atingem uma camada mais vasta. Outros, nĂŁo. O leitor de Aparição gostou e vai comprar, por exemplo, NĂ­tido Nulo. E sentiu que esse livro nĂŁo era, digamos, tĂŁo digerĂ­vel como o primeiro. E entĂŁo evita decerto comprar outro. NĂŁo sei se Ă© isto mesmo o que acontece. Sei Ă© que nĂŁo tenho um grande pĂșblico, embora nĂŁo me lamente por isso.
NĂŁo vou alterar os meus interesses literĂĄrios em função disso. De resto, nem eu nem, suponho, qualquer escritor escreve seja para quem for: escreve para si. O que acontece Ă© que, depois, o pĂșblico vem ou nĂŁo ter com ele. Reconhece-se ou nĂŁo na obra desse escritor. E passa a ser desse pĂșblico porque se identifica com o escritor.