O Prestígio é Sempre Enganador
Tendo a generalidade das opiniões que a educação nos inculca, unicamente a educação por base, facilmente nos habituamos a admitir, com prontidão, um conceito defendido por um personagem aureolado de prestígio.
Sobre os assuntos técnicos da nossa profissão, somos capazes de formular conceitos muito seguros; mas, no tocante ao resto, não procuramos sequer raciocinar, preferindo admitir, com os olhos fechados, as opiniões que nos são impostas por um personagem ou um grupo dotado de prestígio.
De facto, quer se seja estadista, artista, escritor ou sábio, o destino depende, sobretudo, da quantidade de prestígio que se possui e, por conseguinte, do grau de sugestão inconsciente que se pode criar. O que determina o êxito de um homem é a dominação mental que ele exerce. O completo imbecil, entretanto, alcança êxito, algumas vezes, porquanto, não tendo consciência da sua imbecilidade, jamais hesita em afirmar com autoridade. Ora, a afirmação enérgica e repetida possui prestígio. O mais vulgar dos «camelos», quando energicamente afirma a imaginária superioridade de um produto, exerce prestígio na multidão que o circunda.
(…) Mesmo entre sábios eminentes, o prestígio é, muitas vezes, um dos factores mais certos de uma convicção. Para os espíritos ordinários, ele o é sempre.
Passagens sobre Escritores
309 resultadosA profissão de escritor merece toda a piedade. Escrever para ganhar o pão, escrever para viver, é deformar o talento.
A Cozinha do Escritor
Aquilo que eu mais amo na escrita é o devaneio que a precede. A escrita em si, não, não é muito agradável. Deve-se materializar o sonho na página, assim que se saia do devaneio. Às vezes penso, como é que os outros fazem? Como esses outros autores que, como Flaubert o fazia no século XIX, escrevem e reescrevem, reformulam, reconstruem, e vão condensando a partir da primeira versão até que não reste finalmente quase nada na versão final do livro? Isso soa-me muito assustador. Pessoalmente, contento-me em fazer as correcções num primeiro esboço que se assemelha a um desenho que foi feito de uma vez só. Estas correcções são numerosas e ligeiras, como uma acumulação de actos de microcirurgia. Sim, é preciso medidas drásticas como faz um cirurgião, ser frio o suficiente com o seu próprio texto de uma ponta à outra, corrigindo, suprimindo, enfatizando. Às vezes basta riscar algumas palavras numa página para que tudo mude. Mas é essa a cozinha do escritor, que é suficientemente chato para os outros.
Encontro-me em Plena Posse das Leis Fundamentais da Arte Literária
Deixei para trás o hábito de ler. Já nada leio a não ser um ou outro jornal, literatura ligeira e ocasionalmente livros técnicos relacionados com o que porventura estudo e em que o simples raciocínio possa ser insuficiente.
O género definido de literatura quase o abandonei. Poderia lê-lo para aprender ou por gosto. Mas nada tenho a aprender, e o prazer que se obtém dos livros é do género que pode ser substituído com proveito pelo que me pode proporcionar directamente o contacto com a natureza e a observação da vida.
Encontro-me agora em plena posse das leis fundamentais da arte literária. Shakespeare já não me pode ensinar a ser subtil, nem Milton a ser completo. O meu intelecto atingiu uma flexibilidade e um alcance tais que me permitem assumir qualquer emoção que deseje e penetrar à vontade em qualquer estado de espírito. Quanto àquilo por que sempre se luta com esforço e angústia, ser-se completo, não há livro que valha.
Isto não significa que eu tenha sacudido a tirania da arte literária. Aceito-a apenas sujeita a mim próprio.
Há um livro de que ando sempre acompanhado – «As Aventuras de Pickwick». Li várias vezes os livros de Mr.
O Compromisso Estraga o Escritor
Gosto mais dos homens que tomam um partido do que das literaturas que tomam partido. Coragem na vida e talento nas obras já não é nada mau. E, depois, o escritor só é comprometido quando quer. O seu mérito é o movimento. E se isso deve passar a ser uma lei, um ofício ou um terror, onde está então o mérito?
Parece que escrever hoje um poema sobre a Primavera é servir o capitalismo. Não sou poeta, mas fruiria sem rebuço uma semelhante obra se ela fosse bela. E se o homem tem necessidade de pão e de justiça, e se é preciso fazer o necessário para satisfazer essa necessidade, não se deve esquecer que ele precisa também de beleza pura, que é o pão do seu coração. O resto não é sério.
Sim, eu desejá-los-ia menos comprometidos nas suas obras e um pouco mais na sua vida de todos os dias.
Os escritores em Portugal são como as raparigas feias nos bailes: Passam a noite a sonhar com os mil admiradores que poderiam ter, e a contar pelos dedos os heróis que na realidade as tiram para dançar.
A Pedra de Toque de um Livro
A pedra de toque de um livro (para um escritor) é o momento em que o livro oferece enfim um espaço onde, com toda a naturalidade, se pode dizer o que se quer dizer. Como esta manhã, em que pude dizer o que Rhoda disse. Isto vem provar que o livro tem uma vida própria: porque não esmagou o que eu queria dizer, antes me permitiu intrduzi-lo mansamente, sem uma tensão, sem uma alteração.
A imagem de um intelectual, mormente de um escritor, não está bem nos livros que lê mas naqueles que relê. A leitura revela aquele que deseja ser; a releitura, aquele que é.
A Precisão da Escrita não Faz o Bom Escritor
Como escritor, poderá alguém fazer a experiência de que quanto mais precisa, esmerada e adequadamente se expressar, tanto mais difícil de entender será o resultado literário, ao passo que quando o faz de forma laxa e irresponsável se vê recompensado com uma segura inteligibilidade. De nada serve evitar asceticamente todos os elementos da linguagem especializada e todas as alusões a esferas culturais não estabelecidas. O rigor e a pureza da textura verbal, inclusive na extrema simplicidade, criam antes um vazio. O desmazelo, o nadar com a corrente familiar do discurso, é um sinal de vinculação e de contacto: sabe-se o que se quer porque se sabe o que o outro quer. Enfrentar a coisa na expressão, em vez da comunicação, é suspeitoso: o específico, o que não está acolhido no esquematismo, parece uma desconsideração, um sintoma de excentricidade, quase de confusão. A lógica do nosso tempo, que tanto se ufana da sua claridade, acolheu ingenuamente tal perversão na categoria da linguagem quotidiana.
A expressão vaga permite a quem a ouve ter uma ideia aproximada do que é que lhe agrada e do que, de qualquer modo, opina. A rigorosa exige a univocidade da concepção, o esforço do conceito,
A Função do Escritor
O escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.
Um grande escritor sempre traz consigo seu mundo e sua prédica.
Cada escritor tem os leitores que merece.
Quando se vê o estilo natural (do escritor), é-se assombrado e arrebatado, pois esperava-se ver um autor e encontra-se um homem.
O Jorge Amado dizia-me, há tempos, que conhecia muitos editores ricos, mas escritores não. Gastamos muito em impostos e pagamos tudo aquilo que o agente investe em nós.
As portas que conduzem ao êxito literário têm cães de guarda: os editores, que são escritores fracassados.
Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não.
Em Cada Livro Que se Escreve, uma Vida Desconhecida
A parte desconhecida da minha vida é a minha vida escrita. Morrerei sem conhecer essa parte desconhecida. Como foi escrito isto, porquê, como o escrevi, não sei, não sei como isto começou. Não se pode explicar. Donde vêm certos livros? A página está vazia e, de repente, já há trezentas páginas. Donde vem isto? É preciso deixar andar, quando se escreve, não devemos controlar-nos, é preciso deixar andar, porque não sabemos tudo de nós próprios. Não sabemos o que somos capazes de escrever.
Conheci grandes escritores que nunca conseguiram falar disso – conheci Maurice Blanchot e Georges Bataille intimamente, conheci Genet, creio que menos. Eles nunca sabiam, nunca falavam disso. Penso que é errado, aliás. Há trinta anos, era uma espécie de pudor aprendido, em parte, na escola sartriana, não se podia falar daquilo que se escrevia, não era decente – e penso que em Les Parleuses é a primeira vez que alguém fala disso, pelo menos uma das primeiras vezes. É bom falar disso e, ao mesmo tempo, é muito perigoso dar a ler textos antes de estarem terminados.
(…) Após o final de cada livro é o fim do mundo inteiro, é sempre assim, de cada vez.
Imoralidade Fatal
A acusação de imoralidade, que nunca faltou ao escritor corajoso, é aliás a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a dizer a um poeta. Se fordes verdadeiro em vossas pinturas; se, à força de trabalhos diurnos e nocturnos, conseguirdes escrever a língua mais difícil do mundo, atiram-se-vos a palavra imoral ao rosto. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral; ambos foram perseguidos em nome das sociedades que derrubavam ou reformavam. Quando se quer matar alguém, acusam-no de imoralidade.
A Importância de Dostoievski na Literatura
Os dois grandes monumentos do romance que o século passado (XIX) nos legou, ou seja aqueles em que poderemos reconhecer-nos, foram os erguidos por Tolstoi e por Dostoievski. Mas se a lição do primeiro foi facilmente assimilada, a do segundo levou tempo – e tanto, que só hoje acabámos de entendê-la bem. Significa isto que Tolstoi, com incidências menores de moralização, continua um Balzac, é bem do século XIX. E foi por se pretender à força ligar a esse século também um Dostoievski que ele só tarde se nos revelou, para dominar ainda hoje, diga-se o que se disser, todo o romance europeu. Para usar uma expressão que já usei, não com inteira originalidade, e a que a crítica me ligou, direi que Tolstoi continua o romance-espectáculo e que Dostoievski inaugura o romance-problema.
Dir-se-ia, e com razão, que todo o romance é problema e espectáculo, já que o espectáculo resiste num romance de Kafka ou Dostoievski, e o problema implicita-se numa qualquer narrativa, nem que seja o Amadis de Gaula. Mas é tão visível a deslocação do acento na obra de Dostoievski, que ela foi defendida, para existir, pelo que lhe é inessencial (como por um Brunetière e recentemente um Ernst Fischer,
Um escritor deveria enfrentar a vida com coragem sempre, arriscando a morte e a mutilação para derrubar um imperador.