Passagens sobre Estranhos

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Frases sobre estranhos, poemas sobre estranhos e outras passagens sobre estranhos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Enclausurada

Ă“ Monja dos estranhos sacrifĂ­cios,
Meu amor imortal, Ave de garras
E asas gloriosas, triunfais, bizarras,
Alquebradas ao peso dos cilĂ­cios.

Reclusa flor que os mais revéis flagícios
Abalaram com as trágicas fanfarras,
Quando em formas exĂłticas de jarras
Teu corpo tinha a embriaguez dos vĂ­cios.

Para onde foste, ó graça das mulheres,
Graça viçosa dos vergéis de Ceres
Sem que o meu pensamento te persiga?!

Por onde eternamente enclausuraste
Aquela ideal delicadeza de haste,
De esbelta e fina ateniense antiga?!

Temo, LĂ­dia, o Destino. Nada Ă© Certo

Temo, LĂ­dia, o destino. Nada Ă© certo.
Em qualquer hora pode suceder-nos
O que nos tudo mude.

Fora do conhecido Ă© estranho o passo
Que prĂłprio damos. Graves numes guardam
As lindas do que Ă© uso.

NĂŁo somos deuses; cegos, receemos,
E a parca dada vida anteponhamos
Ă€ novidade, abismo.

A um Mosquito

InvencĂ­vel mosquito,
Émulo do mais livre pensamento,
Sem corpo, e de todo espĂ­rito,
Que deste fim a um tĂŁo alto intento,
Quando precipitado
O céu de Délia acometeste ousado.

As portas de diamante
Cerradas ao clamor de tanta gente
Abriste triunfante,
Zombando da esperança impertinente,
Que entre temor, e espanto
Nunca acabou comigo esperar tanto.

Cupido, que inquieta
Délia sentiu ferida,
Espera, que o sinta,
A lança, que tiraste em sangue tinta,
Que o peito endurecido
É prova das setas de Cupido.

Porém de nada disto
Te mostres tĂŁo soberbo, e presumido,
Que podes sem ser visto
Passar a mais ferir, sem ser sentido,
E para castigar-te,
NĂŁo ocupas lugar nalguma parte.

Foras de amor ferido,
Se tivera o teu erro algum desconto,
Ou se achara Cupido
Aonde a ponta da seta pĂ´r o ponto.
Condolação bastante;
Pois não picaste a Délia como amante.

Buscaste a noite escura
Por cometer a Délia mais oculto;
Quem medo te afigura,
Se nĂŁo faz o teu corpo nenhum vulto,

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Canto

… e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mĂŁos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.

Cinco vidas, nada menos,
cinco vidas querias ter.
Cinco vidas…
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma sĂł nĂŁo te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado…
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
É primavera! saíu-me da boca.
E tu sorriste.
Sorriste, creio.
Primavera e todas as estações…
Chuva e sol, tempo sem idade.

Aqueles suaves, langues verdes, tĂŁo cariciosos;
os redondos troncos
e os musgos fofos;
os melros agrestes
e as campainhas roxas daquelas flores da minha infância,
de que me ensinaste o nome tão doce, tão estranho…
E as loucas nuvens corredias
e as pedras hieráticas
e as veredas amáveis,
como se os ofereciam!
Amavam-nos,
NĂŁo o viste?
No passo certo em que ambos Ă­amos
tudo,

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Se Eu Pudesse Trincar a Terra Toda

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento …
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo Ă© dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem nĂŁo estranha
Que haja montanhas e planĂ­cies
E que haja rochedos e erva …
O que Ă© preciso Ă© ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente Ă© belo e Ă© bela a noite que fica…
Assim Ă© e assim seja …

O Supremo Instinto do Asseio

O que separa mais profundamente duas pessoas Ă© um sentido e grau diferentes de asseio. Para que serve toda a honestidade e utilidade mĂştua, para que serve toda a boa vontade de uns para os outros: por fim Ă© sempre o mesmo – “eles nĂŁo se podem cheirar!” O supremo instinto do asseio coloca quem o tiver na solidĂŁo mais estranha e perigosa, como um santo: pois isso precisamente Ă© santidade – a suprema espiritualização desse instinto. Qualquer saber comum de uma indescritĂ­vel felicidade do banho, qualquer ardor e sede que impelem a alma constantemente da noite para a manhĂŁ e do turvo, da «tribulação» para o claro, resplandecente, profundo, subtil: – do mesmo modo que tal tendĂŞncia distingue – pois Ă© uma tendĂŞncia aristocrática -, tambĂ©m separa. A compaixĂŁo do santo Ă© a compaixĂŁo com a sujidade do humano, demasiadamente humano. E há graus e alturas em que a prĂłpria compaixĂŁo Ă© sentida, por ele, como contaminação, como sujidade…

HĂłstias

A EmĂ­lio de Menezes

Nos arminhos das nuvens do infinito
Vamos noivar por entre os esplendores,
Como aves soltas em vergéis de flores,
Ou penitentes de um estranho rito.

Que seja nosso amor — sidĂ©rio mito! —
O lĂ­mpido turĂ­bulo das dores,
Derramando o incenso dos amores
Por sobre o humano coração aflito.

Como num templo, numa clara igreja,
Que o sonho nupcial gozado seja,
Que eu durma e sonhe nos teus nĂ­veos flancos.

Contigo aos astros fĂşlgidos alado,
Que sejam hĂłstias para o meu noivado
As flores virgens dos teus seios brancos!

Esta vida é uma estranha hospedaria, De onde se parte quase sempre às tontas, Pois nunca as nossas malas estão prontas, E a nossa conta nunca está em dia.

Dona Abastança

«A caridade é amor»
Proclama dona Abastança
Esposa do comendador
Senhor da alta finança.

FamĂ­lia necessitada
A boa senhora acode
Pouco a uns a outros nada
«Dar a todos não se pode.»

Já se deixa ver
Que nĂŁo pode ser
Quem
O que tem
Dá a pedir vem.

O bem da bolsa lhes sai
E sai caro fazer o bem
Ela dá ele subtrai
Fazem como lhes convém
Ela aos pobres dá uns cobres
Ele incansável lá vai
Com o que tira a quem nĂŁo tem
Fazendo mais e mais pobres.

Já se deixa ver
Que nĂŁo pode ser
Dar
Sem ter
E ter sem tirar.

Todo o que milhões furtou
Sempre ao bem-fazer foi dado
Pouco custa a quem roubou
Dar pouco a quem foi roubado.

Oh engano sempre novo
De tĂŁo estranha caridade
Feita com dinheiro do povo
Ao povo desta cidade.

Insatisfeito

Quem ler os versos meus onde há certa tristeza
e certo desencanto suave e contrafeito,
poderá num momento pensar, com certeza,
que trago inutilmente um coração no peito!…

E que vivo afinal inquieto e insatisfeito
de paixĂŁo em paixĂŁo… de surpresa em surpresa,
– como um rio a mudar o curso do seu leito
sem saber aonde o arrasta a prĂłpria correnteza!

E acertará talvez, – pois falta essa mulher
que consiga escrever seu nome em minha vida
sem deixar no passado outro nome qualquer…

Falta-me um grande amor… Falta-me tudo em suma!
E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida
por ter amado tantas sem amar nenhuma!

MĂşsica Da Morte

A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂşpia dolorosa…

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…

E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina…

Passado nĂŁo Ă© Cronologia

O passado é um labirinto e estamos nele, um passado não tem cronologia senão para os outros, os que lhe são estranhos. Mas o nosso passado somos nós integrados nele ou ele em nós. Não há nele antes e depois, mas o mais perto e o mais longe. E o mais perto e o mais longe não se lê no calendário, mas dentro de nós.

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ă­ntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

Em Busca

Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tĂŁo outro, tĂŁo mudado…
Sem desvendar a causa, o Ă­ntimo cuidado
Que sofro do meu mal — o mal de que provenho.

Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
NĂŁo sei do meu amor, saĂşde nĂŁo na tenho,
E a vida sem saĂşde Ă© um sofrer dobrado.

A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, Ă  hora do sol-posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros…

E à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo sĂł, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros…

Olhos de Lobas

Teus olhos lembram cĂ­rios
Acesos n’um cemitĂ©rio…

TĂŞm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…

Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…

— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho MausolĂ©u!…

— MausolĂ©u, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memĂłrias saudosas do Ido ao CĂ©u!…

— Oh PĂ©rpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…

Fábrica

Oh, a poesia de tudo o que é geométrico
e perfeito,
a beleza nova dos maquinismos,
a força secreta das peças
sob o contacto liso e frio dos metais,
a segura confiança

do saber-se que Ă© assim e assim exactamente,
sem lugar a enganos,
tudo matemático e harmónico,
sem nenhum imprevisto, sem nenhuma aventura,
como na cabeça do engenheiro.
Os operários têm nos músculos, de cor,
os movimentos dia a dia repetidos:

Ă© como se fossem da sua natureza,
longe de toda a vontade e de todo o pensamento;

como se os metais fossem carne do corpo
e as veias se abrissem
àquela vida estranha, dura, implacável
das máquinas.

Os motores de tantos mil cavalos
alinhados e seguros de si,
seguros do seu poder;

as articulações subtis das bielas,
o enlace justo das engrenagens:
a fábrica, todo um imenso corpo de movimentos
concordantes, dependentes, necessários.

Protesto

NĂŁo Ă© no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.

Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.

NĂŁo Ă© no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos.

nem nasceram tuas transparĂŞncias
para a cegueira dos meus dedos.

Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.

NĂŁo Ă© no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visĂŁo que me solicita.

Mas é também no teu corpo único
que o amor Ă  forma do Amor reĂşno.

NĂŁo Ă© no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)

Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.

NĂŁo Ă© no teu corpo, mas Ă© tanto
no teu corpo meu Ăşltimo refĂşgio,

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Camões III

Quando, torcendo a chave misteriosa
Que os cancelos fechava do Oriente,
O Gama abriu a nova terra ardente
Aos olhos da companha valorosa,

Talvez uma visĂŁo resplandecente
Lhe amostrou no futuro a sonorosa
Tuba. que cantaria a ação famosa
Aos ouvidos da prĂłpria e estranha gente.

E disse: “Se já noutra, antiga idade,
TrĂłia bastou aos homens, ora quero
Mostrar que Ă© mais humana a humanidade.

Pois não serás herói de um canto fero,
Mas vencerás o tempo e a imensidade
Na voz de outro moderno e brando Homero”.

Supreender-se é Começar a Entender

Surpreender-se, estranhar, é começar a entender. É o desporto e o luxo específico do intelectual. Por isso o seu gesto gremial consiste em olhar o mundo com os olhos dilatados pela estranheza. Tudo no mundo é estranho e é maravilhoso para um par de pupilas bem abertas.