Passagens sobre Horas

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Frases sobre horas, poemas sobre horas e outras passagens sobre horas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A Superficialidade dos Grandes Espíritos

Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua relação com as grandes coisas. Alguém deambula por uma floresta, sobe a um monte e vê o mundo estendido a seus pés, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele próprio certamente pensa que são muitas coisas, profundas e importantes; mas não tem presença de espírito suficiente para, por assim dizer, as tomar à letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espécie de gaiola magnética, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aí uma espécie de grande «O», redondo e vazio. Este estado é o sintoma clássico do contacto com tudo o que é eterno e grande,

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Princesa Desalento

Minh’alma é a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma é a Princesa Desalento…

Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta…

Responso

I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.

Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.

II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.

Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.

III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.

Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.

IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.

Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.

V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,

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Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

O Poema em que te Busco é a Minha Rede

O poema em que te busco é a minha rede,
Bem mais de borboletas que de peixes,
E é o copo em que te bebo: morro à sede
Mas ainda és margarida e não-me-deixes
E muito mais, no enumerar das coisas:
Cordão de laço e corda de violino,
Saliva de verdade nalgum beijo,
E poisas
Como ave de aço em pão se não te vejo.
Mas onde mais real do céu me avisas
É nas tuas camisas,
Calças de cor no catre bem dobradas.
E és os meus pensamentos, se te ausentas,
Meu ciúme escuro como vinho em toalha;
E o branco circular das horas lentas
Que um perfurante amor lembrado espalha.
Põe o penso no velo intercrural
Com um atilho vertical:
Rosa coberta esquiva
Quer a mão do desejo, quer
O conhecido cravo da agressão
Que estendo às tuas formas de mulher,
Com esta soma e verbal percaução
De um fónico doutor de Mompilher.

Entardecer

Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!

Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!

E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
– Cintilações,
Penumbra de segredos!

Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!

E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…

Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…

Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.

Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!

Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.

A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.

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Elegia

Vae em seis mezes que deixei a minha terra
E tu ficaste lá, mettida n’uma serra,
Boa velhinha! que eras mais uma criança…
Mas, tão longe de ti, n’este Payz de França,
Onde mal viste, então, que eu viesse parar,
Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar…
Bates. Entreabres de mansinho a minha porta.
Virás tratar de mim, ainda depois de morta?
Vens de tão longe! E fazes, só, essa jornada!
Ajuda-te o bordão que te empresta uma fada.
Altas horas, emquanto o bom coveiro dorme,
Escapas-teãda cova e vens, Bondade enorme!
Atravez do Marão que a lua-cheia banha,
Atravessas, sorrindo, a mysteriosa Hespanha,
Perguntas ao pastor que anda guardando o gado,
(E as fontes cantam e o céu é todo estrellado…)
Para que banda fica a França, e elle, a apontar,
Diz: «Vá seguindo sempre a minha estrella, no Ar!»
E ha-de ficar scismando, ao ver-te assim, velhinha,
Que és tu a Virgem disfarçada em probrezinha…
Mas tu, sorrindo sempre, olhando sempre os céus,
Deixando atraz de ti, os negros Pyrineus,
Sob os quaes rola a humanidade,

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Hino à Solidão

Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.

Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.

Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!

Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.

Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.

E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,

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Hino à Beleza

Onde quer que o fulgor da tua glória apareça,
— Obra de génio, flor de heroísmo ou santidade, —
Da Gioconda imortal na radiosa cabeça,
Num acto de grandeza augusta ou de bondade,

— Como um pagão subindo à Acrópole sagrada,
Vou de joelhos render-te o meu culto piedoso,
Ou seja o Herói que leva uma aurora na Espada,
Ou o Santo beijando as chagas do Leproso.

Essa luz sem igual com que sempre iluminas
Tudo o que existe em nós de grande e puro, veio
Do mesmo foco em mil parábolas divinas:
— Raios do mesmo olhar, ânsias do mesmo seio.

Alta revelação que, baixando em segredo,
O prisma humano quebra em ângulos dispersos,
Como a água a cair de rochedo em rochedo
Repete o mesmo som, mas em modos diversos.

É audácia no Herói; resignação no Santo;
Som e Cor, ondulando em formas imortais;
No mármore rebelde abre em folhas de acanto,
E esmalta de candura a flora dos vitrais.

Ó Beleza! Ó Beleza! as Horas fugitivas
Passam diante de ti, aladas como sonhos…

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Queixas de um Utente

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.

Livro de Horas

Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
De virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal Céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

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Maldição

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
– Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão…

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!…

Em Tudo o que Fiz Bem Pus um Pouco de Ti

Eis o teu rosto iluminado por esta hora de maio.
Ao filho autêntico, basta fechar os olhos para encontrar o rosto da sua mãe.
A fronteira que separa o dentro do fora é vaga de propósito, mais exata é a fronteira dos meses.
Mãe, as tardes de maio não são um acaso.
Pus um pouco de ti naquilo que fiz de mais importante.
Onde existir terra estás tu, dás força e horizonte.
O ar não permitiria respiração se não te contivesse.
A água não seria capaz de alimentar sem a tua presença líquida.
O fogo não chegaria a acender se não incluísse o teu mistério no seu mistério.
Estavas já no primeiro início do firmamento, nesse rugido que encheu a superfície do céu e da terra, que rasgou as trevas; da mesma maneira, estarás no seu último fim.
Estás antes e depois.
Estás na lenta passagem da eternidade.
Mãe, atravessas a vida e a morte como a verdade atravessa o tempo, como os nomes atravessam aquilo que nomeiam.
Sabes que criei tudo o que há e sabes também que não criei tudo o que poderia haver.
Entre as faltas evidentes,

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A Firmeza é um Atributo Essencial de Morte

Não somos firmes no amor, porque em nada podemos ser constantes: continuamente nos vai mudando o tempo; uma hora de mais é mais em nós uma mudança. A cada passo que damos no decurso da vida, imos nascendo de novo, porque a cada passo imos deixando o que fomos, e começamos a ser outros: cada dia nascemos, porque cada dia mudamos, e quanto mais nascemos desta sorte, tanto mais nos fica perto o fim, que nos espera. A inconstância, que é um acto da alma, ou da vontade, não se faz sem movimento; a natureza não se conserva, e dura, senão porque se muda, e move.
O mundo teve o seu princípio no primeiro impulso, que lhe deu o supremo Artífice; a mesma luz, que é uma bela imagem da Omnipotência, toda se compõe de uma matéria trémula, inconstante, e vária. Tudo vive enfim do movimento; a falta de mudança é o mesmo que falta de vida, e de existência, e assim a firmeza é como um atributo essencial de morte.

O Amor em Portugal

Mesmo que Dom Pedro não tenha arrancado e comido o coração do carrasco de Dona Inês, Júlio Dantas continua a ter razão: é realmente diferente o amor em Portugal. Basta pensar no incómodo fonético de dizer «Eu amo-o» ou «Eu amo-a». Em Portugal aqueles que amam preferem dizer que estão apaixonados, o que não é a mesma coisa, ou então embaraçam seriamente os eleitos com as versões estrangeiras: «I love you» ou «Je t’aime». As perguntas «Amas-me?» ou «Será que me amas?» estão vedadas pelo bom gosto, senão pelo bom senso. Por isso diz-se antes «Gostas mesmo de mim?», o que também não é a mesma coisa.

O mesmo pudor aflige a palavra amante, a qual, ao contrário do que acontece nas demais línguas indo-europeias, não tem em Portugal o sentido simples e bonito de «aquele que ama, ou é amado». Diz-se que não sei-quem é amante de outro, e entende-se logo, maliciosamente, o biscate por fora, o concubinato indecente, a pouca vergonha, o treco-lareco machista da cervejaria, ou o opróbio galináceo das reuniões de «tupperwares» e de costura.
Amoroso não significa cheio de amor, mas sim qualquer vago conceito a leste de levemente simpático, porreiro, ou giríssimo.

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Solidão

Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra… E continuas.
Todo o vento é poeira… E continuas.
A Lua, fria, pesa… E continuas.
Uma hora passa e outra… E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso… E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas… Mas sei por fim que sou do teu tamanho!