RĂșstica
Da casinha, em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirĂŁo na ĂĄgua clara e sonora.
Este Ă© o ninho feliz e obscuro em que ela mora;
AlĂ©m, o seu quintal, este, o seu aposento.Vem do campo, a correr; e Ășmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora
Que parece trazer consigo, lĂĄ de fora,
Na desordem da roupa e do cabelo, o vento…E senta-se. CompĂ”e as roupas. Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a inocĂȘncia bĂłia;
Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno,Pegando da costura Ă luz da clarabĂłia,
PÔe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensĂŁo de jĂłia.
Passagens sobre InocĂȘncia
134 resultadosA inocĂȘncia mostra-se sempre aureolada do prĂłprio resplendor.
O Livro dos Amantes
I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecĂvel.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinĂvel.Para que desses um nome
Ă exactidĂŁo do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
Ă humidade onde fica.E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.II
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
nĂŁo compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.III
PrĂncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa ĂĄgua tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
PĂĄssaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadĂȘncia e em passagem
a lua que trazia e que apagou.IV
DĂĄ-me a tua mĂŁo por cima das horas.
Quero-te conciso.
AdĂŁo depois do paraĂso
errando mais nĂtido Ă distĂąncia
onde te exalto porque te demoras.
O arrependimento inventa carinhos novos, e a inocĂȘncia parece vingar-se, perdoando, e sorrindo ao algoz, que exora o perdĂŁo com lĂĄgrimas.
A inocĂȘncia ignorante da unidade aparentemente natural entre conhecimento empĂrico e juĂzo de valor Ă© uma falha de tomada de consciĂȘncia, falha, por assim dizer, auto-infligida: podemos dela nos desvencilhar.
O arrependimento Ă© quase inocĂȘncia.
A felicidade Ă© antes de tudo, o sentimento tranquilo, contente e seguro da inocĂȘncia.
O Dinheiro Tem uma Qualidade Detergente
O dinheiro tem, entre outras incontĂĄveis virtudes, uma qualidade detergente. E mĂșltiplas qualidades nutricionais. Alegra-te os belos olhos, engorda-te as bochechas, permite-te esse modo de ocupares uma poltrona, de pernas bem esticadas e jornal nas mĂŁos. DĂĄ-te essas mĂŁos impolutas que emergem dos punhos de algodĂŁo branco da camisa. JĂĄ nĂŁo Ă©s tu quem vagueia Ă noite. Podes contratar quem capture, degole e esfole as presas que constituem os ingredientes indispensĂĄveis do cozido ou da paella dos domingos. Assim se fez sempre nas casas das boas famĂlias.
NĂŁo Ă© o senhor da casa que desfere o golpe fatal ao coelho, nĂŁo Ă© a senhora que crava a faca no pescoço da galinha e a depena, com o pote de barro entre as pernas, cheio de pĂŁo migado que o sangue hĂĄ de empapar como deve ser, para o rico ensopado. Aos senhores os animais chegam sempre jĂĄ cozinhados, servidos numa bandeja coberta por uma reluzente campĂąnula de prata, ou na caçarola, guarnecidos, irreconhecĂveis de tĂŁo desfigurados e, por isso mesmo, apetitosos na sua aparente inocĂȘncia. Assim se fez sempre, assim se continua a fazer; nĂłs prĂłprios adquirimos em poucos anos esse privilegiado estatuto, a ilusĂŁo de sermos todos senhores: em remotos pavilhĂ”es industriais,
NĂŁo hĂĄ inocĂȘncia que esteja segura de um falso testemunho.
SugestĂŁo
Sede assim â qualquer coisa
serena, isenta, fiel.Flor que se cumpre,
sem pergunta.Onda que se esforça,
por exercĂcio desinteressado.Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados jå frios.Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂȘncios,
cheio de nascimentos e pétalas.Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.Ă cigarra, queimando-se em mĂșsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pĂĄssaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂȘncia para a morte.Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.NĂŁo como o resto dos homens.
A justiça deveria tratar de descobrir a inocĂȘncia e nĂŁo a culpa.
No Amor Começa-se Sempre a Zero
Fazer um registo de propriedade Ă© chato e difĂcil mas fazer uma declaração de amor ainda Ă© pior. NinguĂ©m sabe como. NĂŁo hĂĄ minuta. NĂŁo hĂĄ sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declaraçÔes de amor tĂȘm de ser feitas pelo prĂłprio. A experiĂȘncia nĂŁo serve de nada â por muitas declaraçÔes que jĂĄ se tenham feito, cada uma Ă© completamente diferente das anteriores. No amor, aliĂĄs, a experiĂȘncia sĂł demonstra uma coisa: que nĂŁo tem nada que estar a demonstrar coisĂssima nenhuma. Ă verdade â começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa Ă suprema inocĂȘncia, inĂ©pcia e barbĂĄrie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nĂłs estamos de calçÔes. A experiĂȘncia nĂŁo serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incĂȘndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: «Ouve lĂĄ, tu que tens experiĂȘncia de queimaduras do primeiro grau…»
Pode ter-se sessenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurĂculas a brincar aos carrinhos-de-choque com os ventrĂculos,
A inocĂȘncia Ă© uma coisa admirĂĄvel; mas Ă© por outro lado muito triste que ela se possa preservar tĂŁo mal e se deixe tĂŁo facilmente seduzir.
Amor
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e nĂŁo olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.Depois, a vide do desejo enlaça
Numa sĂł volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se Ă verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.à um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condĂŁo vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciĂȘncia.E abraçam-se de novo, jĂĄ sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocĂȘncia.