Não há amante discreto nem louco que saiba aconselhar.
Passagens sobre Loucos
429 resultadosO Auto-Retrato
No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!
O Equilíbrio na Maturidade
Recordo-me que outrora, quando tinha essa idade que se diz ser a idade do entusiasmo e da força da imaginação, como me faltava a experiência para tornar mais fortes essas belas qualidades, interrompia frequentemente o meu trabalho, que muitas vezes me desagradava. Apoisção em que a idade nos coloca é uma ironia da natureza. Quando chegamos à total maturidade, temos uma imaginação mais fesca e viva do que nunca e sobretudo sossegaram as loucas e impetuosas paixões que a idade arrasta consigo, mas faltam-nos já as forças e temos os sentidos gastos – estes pedem mais o descanso do que a agitação. E, no entanto, apesar de todas estas agruras, como é grande a consolação que nos é comunicada pelo trabalho! Como me sinto feliz por não ter de ser feliz como tanto o desejava no passado! De que selvática tirania afinal não me acabou por libertar o enfraquecimento do corpo?!
Então, a pintura era o que menos me preocupava. Temos de nos adaptar às nossas forças: se a partir de certa altura a natureza se recusa a trabalhar, não a devemos violentar mas contentarmo-nos com o que ela nos dá; não nos deixarmos dominar pela sede de elogios,
Não tenteis a louca empresa de aniquilar o sentimento, espíritos áridos que infundadamente o temeis, como coisa desconhecida à vossa alma seca e estéril. Quem deveras confia nos destinos da humanidade não tem medo das lágrimas. Pode-se triunfar, com elas nos olhos.
Os loucos abrem os caminhos que depois emprestam aos sensatos.
Portugal
Maior do que nós, simples mortais, este gigante
foi da glória dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrão dilatou, inóspito montado,
numa pátria… E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinóis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados píncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhês e heróico à beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreão de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,
A subtileza ainda não é inteligência. Às vezes os tolos e os loucos também são extraordinariamente subtis.
Começo então a pensar que entre os loucos há os que não são loucos…
Pior Velhice
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mística de louca
Martírios só poisou a emurchecer!E dizem que sou nova… A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova… outrora…
A imaginação mais louca tem menos recursos que o destino.
A intrepidez é do bravo, a temeridade é do louco.
Ode Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
O fraco treme diante da opinião pública, o louco afronta-a, o sábio julga-a, o homem hábil dirige-a.
Glórias Antigas
Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os músculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.Dentre estandartes, flâmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
Ruídos de alegria estranha e louca.Chegam por fim, à pátria vitoriosa…
E então, da ardente glória belicosa,
Há um grito vermelho em cada boca!
A sociedade tem quatro variedades: os amantes, os ambiciosos, os observadores e os loucos. Estes são os mais felizes.
GRITO
De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.
Cantigas
1
Não há pressas, nem demoras,
No coração das cantigas;
Nem os relógios dão horas
Quando cantam raparigas.2
Como algum dia ando hoje;
Sou o mesmo apaixonado;
Quem disser que o tempo foge
É de nunca ter amado.3
A saudade é queda d’água
Que ao longe quebra, ao bater;
É um compasso de mágoa
Marcado por te não ver.4
Como um adeus de saudade
Não há palavra tão louca:
Dizer adeus, ninguém há-de
Ouvi-lo da minha boca.5
Quem ama liga-se à terra,
Quem canta, ao reino dos céus;
Quem pára que Deus o salve,
Quem anda que vá com Deus.
O Costume Constrange a Natureza
A coisa mais importante de toda a vida é a escolha do ofício: o acaso prepara-a. O costume faz os pedreiros, soldados, empalhadores. «E um excelente empalhado», diz-se; e, falando dos soldados: «Eles são loucos», diz-se; e outros pelo contrário: «Não há nada maior do que a guerra; o resto dos homens são uns cobardes». À força de ouvir louvar na infância estes ofícios e desprezar todos os outros, escolhe-se; pois naturalmente ama-se a virtude, e detesta-se a loucura; estas palavras emocionam-nos: só se peca na aplicação. É tão grande a força do costume que, daqueles que a natureza fez apenas homens, se fazem todas as condições dos homens; pois há regiões onde são todos pedreiros, noutras todos soldados, etc. Certamente que a natureza não é tão uniforme. É portanto o costume que faz isto, porque constrange a natureza; e algumas vezes a natureza supera-o, e conserva o homem no seu instinto, apesar do costume, bom ou mau.
As pessoas ficam muito loucas quando apaixonadas.
Continua sempre insatisfeito, continua sempre louco.