Qualquer que seja a aparência da novidade, eu não mudo facilmente, com medo de perder com a troca.
Passagens sobre Mudos
369 resultadosRebelado
Ri tua face um riso acerbo e doente,
Que fere, ao mesmo tempo que contrista…
Riso de ateu e riso de budista
Gelado no Nirvana impenitente.Flor de sangue, talvez, e flor dolente
De uma paixão espiritual de artista,
Flor de Pecado sentimentalista
Sangrando em riso desdenhosamente.Da alma sombria de tranqüilo asceta
Bebeste, entanto, a morbidez secreta
Que a febre das insânias adormece.Mas no teu lábio convulsivo e mudo
Mesmo até riem, com desdéns de tudo,
As sílabas simbólicas da Prece!
Redenção
I
Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!II
Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.
É Domingo Hoje
É domingo hoje
mas nós não saímosé o único dia
que não repetimose que dura menos
Mas põe o teu rouge
que eu mudo a camisanão como quem
de ilusão
precisaTomaremos chá
leremos um poucoe iremos à varanda
absortos
Eu sei criar silêncio. É assim: ligo o rádio bem alto – então de súbito desligo. E assim capto o silêncio. Silêncio estelar. O silêncio da lua muda. Pára tudo: criei o silêncio. (…) O silêncio não é o vazio, é a plenitude.
Tudo Tem de Ser a Favor da Humanidade
Quando fiz o Cristóvão Colombo, e depois fiz uma apresentação em França, defendi que a hipótese de o navegador ter nascido em Portugal não era uma questão de patriotismo. O mérito está na pessoa, seja ela de que nacionalidade for. E o mérito de qualquer pessoa dá mérito à nação a que pertence, e dá mérito à humanidade. Essas figuras não são cativas delas próprias. É isto o fundo humanista, porque tudo tem de ser a favor da humanidade. Se for contra, é mau. Isso é muito importante. É assim que, quando um realizador português recebe um prémio, está a recebê-lo a cinematografia portuguesa, está a recebê-lo Portugal, a Europa, o mundo cinematográfico. Isto não é assim tão individual como parece. Quando se fala muito de Camões, estamos a falar dos portugueses, mas também do mérito dos humanos. As pessoas estão obcecadas com o patriotismo: “Eu é que sou.” Não é nada disso. O humanismo é que é fundamental e, às vezes, é esquecido. Mesmo nos partidos políticos, que muitas vezes caem no sectarismo. A natureza humana, em qualquer um dos partidos, é sempre a mesma. Não muda. É nela que está o mal e o bem. Mas concordo com a existência dos partidos,
O Que Diz A Morte
Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem…Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. –Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
O dinheiro não muda o homem, apenas o desmascara.
Meu Coração
Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…
Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido
Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
O que é duradouro não é o que resiste ao tempo, mas o que sabiamente muda com ele.
A uma Mulher que Sendo Velha se Enfeitava
Escuta, ó Sara, pois te falta espelho
Para ver tuas faltas,
Não quero que te falte meu conselho
Em presunções tão altas;
Lembro-te agora só, que és terra, e lodo,
E em terra hás de tornar-te deste modo,
Mas não te digo, nem te lembro nada,
Porque há muito, que em terra estás tornada.Que importa, que algum tempo a prata pura
De tuas mãos nascesse,
E que de teus cabelos a espessura
As minas de ouro desse,
Se o tempo vil, que tudo troca, e muda,
Somente de ouro pôs por mais ajuda
Em tuas mãos de prata o amarelo,
E a prata de tuas mãos em teu cabelo.Se um tempo foram de marfim brunido
No século dourado,
Não vês, que o tempo as tem já consumido?
Não vês, que as tem gastado?
Deixa, Senhora, deixa os vãos enredos,
Pois quando toco teus nodosos dedos,
Me parece, que apalpo sem enganos
Cinco cordões de frades Franciscanos.Viciando a natureza com tuas tintas,
Com pincéis delicados
Jasmins, e rosas em teu rosto pintas,
Liberdade, Onde estás? Quem Te Demora?
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha . . . Oh!, venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo.Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do gênio e prazer, ó Liberdade!
Morre lentamente quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
O Valor da Obra de Arte
A fonte imediata da obra de arte é a capacidade humana de pensar, da mesma forma que a «propensão para a troca e o comércio» é a fonte dos objectos de uso. Tratam-se de capacidades do homem, e não de meros atributos do animal humano, como sentimentos, desejos e necessidades, aos quais estão ligados e que muitas vezes constituem o seu conteúdo.
Estes atributos humanos são tão alheios ao mundo que o homem cria como seu lugar na terra, como os atributos correspondentes de outras espécies animais; se tivessem de constituir um ambiente fabricado pelo homem para o animal humano, esse ambiente seria um não mundo, resultado de emanação e não de criação. A capacidade de pensar relaciona-se com o sentimento, transformando a sua dor muda e inarticulada, do mesmo modo que a troca transforma a ganância crua do desejo e o uso transforma o anseio desesperado da necessidade – até que todos se tornem dignos de entrar no mundo transformados em coisas, reificados. Em cada caso, uma capacidade humana que, por sua própria natureza, é comunicativa e voltada para o mundo, transcende e transfere para o mundo algo muito intenso e veemente que estava aprisionado no ser.
Porque, inda que presentes não estejam
As que eles ver desejam,
Mudança do lugar, menos de estado,
Não muda um coração de seu cuidado.
Em Louvor da Miniblusa
Hoje vai a antiga musa
celebrar a nova blusa
que de Norte a Sul se usa
como graça de verão.
Graça que mostra o que esconde
a blusa comum, mas onde
um velho da era do bonde
encontrará mais mensagem
do que na bossa estival
da rola que ao natural
mostra seu colo fatal,
ou quase, pois tanto faz,
se a anatomia me ensina
a tocar a concertina
em busca ao mapa da mina
que ora muda de lugar?
Já nem sei mais o que digo
ao divisar certo umbigo:
penso em flor, cereja, figo,
penso em deixar de pensar,
e em louvar o costureiro
ou costureira — joalheiro
que expõe a qualquer soleiro
esse profundo diamante
exclusivo antes das praias
(Copas, Leblons, Marambaias
e suas areias gaias).
Salve, moda, salve, sol
de sal, de alegre inventiva,
que traz à matéria viva
a prova figurativa!
Pode a indústria de fiação
carpir-se do pouco pano
que o figurino magano
reduz a zero, cada ano.
Que importa?
À Variedade do Mundo
Este nasce, outro morre, acolá soa
Um ribeiro que corre, aqui suave,
Um rouxinol se queixa brando e grave,
Um leão c’o rugido o monte atroa.Aqui corre uma fera, acolá voa
C’o grãozinho na boca ao ninho üa ave,
Um demba o edifício, outro ergue a trave,
Um caça, outro pesca, outro enferoa.Um nas armas se alista, outro as pendura
An soberbo Ministro aquele adora,
Outro segue do Paço a sombra amada,Este muda de amor, aquele atura.
Do bem, de que um se alegra, o outro chora…
Oh mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
A confissão muda fere menos que a falada ou escrita, e permite resolver as coisas em silêncio.
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,