O vinho e a música sempre foram para mim um magnífico saca-rolhas.
Passagens sobre Música
402 resultadosA música em si vai-se tornar em algo como água corrente ou electricidade. Assim, sendo, aproveita estes últimos anos porque nada disto vai alguma vez acontecer de novo. É melhor estares preparado para fazeres um monte de digressões porque é realmente a única situação que se vai manter.
O Tipo de Homem que Eu Sou
Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo supra-inteligente.
Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, auto-centrado, mudo, não auto-suficiente mas auto-perdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por actos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma auto-determinação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado;
Desenvolva o interesse pela vida, como você a vê, as pessoas, coisas, literatura, música, o mundo é tão rico, simplesmente pulsando com seus tesouros, com as almas das pessoas bonitas e interessantes.
Não Existe Felicidade Desregrada
Uma época em que tudo é permitido sempre tornou infelizes aqueles que nela viveram. Disciplina, abstinência, cortesia, música, moral, poesia, forma, proibição, tudo isso tem como sentido último conferir à vida uma forma bem delimitada e determinada. Não existe felicidade desregrada. Não existe grande felicidade sem grandes tabus. Até no mundo dos negócios não podemos correr atrás de qualquer vantagem, porque nos arriscamos a não chegar a lugar nenhum. O limite é o segredo dos fenómenos, o mistério da força, da felicidade, da fé e da nossa missão, que é a de nos afirmarmos como ínfimos seres humanos num universo.
Não foram homens esmagados de trabalho que compuseram música ou poesia, conceberam e executaram pintura e escultura, ou, num domínio que mais interessa para solução do problema, fantasiaram a ciência que depois, transformada em técnica, contribuiria para progressivamente ir libertando o escravo.
Quando a dor cortante o coração maltrata e tristes gemidos ferem nossa alma, apenas a música e seus sons de prata, rápido nos trazem outra vez a calma!
As Palavras de Adeus
A realidade é maior que a verdade meu amor
somos mais do que o sol e do que o mar e
em nenhuma metáfora cabemos
mesmo quando dizemos eu
sou a música tu és o luarcom cadeias de ferro nos unimos
em nosso nome jurámos
pelas cascas dos frutos bebemos
de mel silvestre nos alimentámosmas de fora sempre ficou
algo que nos próprios sentimentos já não coube
e um gosto que indicou algo
que a boca já dizer não soubeentre as coisas as palavras e a sua mudez
paira a irrealidade de
que nos fizemos
nem uma só vez foram verdade as
palavras de adeus que nos dissemos
Os Justos
Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
… Já coloquei a música que me fazia mal e fechei os olhos, lembrando de tudo que estava me corroendo, só pra chorar, na esperança de tudo aquilo passar…
Velho
Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!
O amor não pode expressar a ideia por trás da música, enquanto a música pode dar uma ideia do amor.
Satanismo
Não me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
Não me deixes a razão vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…Não me olhes, oh! não, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!…
Uma lembrança forte é minha mãe ouvindo rádio, cantando e me ensinando a amar a música brasileira.
O Meu Carácter
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. Não importa o meu nome, nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por de mais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) – por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos,
O Natal de Minha Mãe
A abstracção não precisa de mãe nem pai
nem tão pouco de tão tolo infantemas o natal de minha mãe é ainda o meu natal
com restos de Beira Altaano após ano via surgir figura nova nesse
presépio de vaca burro banda de músicaribeiro com patos farrapos de algodão muito
musgo percorrido por ovelhas e pastoresmultidão de gente judaizante estremenha pela
mão de meu pai descendo de montes contandomoedas azenhas movendo água levada pela estrela
de Belémum galo bate as asas um frade está de acordo
com a nossa circuncisão galinhas debicam milhode mistura com um porco a que minha avó juntava
sempre um gato para dar sorte era pretoassim íamos todos naquela figuração animada
até ao dia de Reis aí estãoum de joelhos outro em pé
e o rei preto vinha sentado nocamelo. Era o mais bonito.
depois eram filhoses o acordar de prenda nosapato tudo tão real como o abrir das lojas no dia
de feirae eu ia ao Sanguinhal visitar a minha prima que
tinha um cavalo debaixo do quartosubindo de vales descendo de montes
acompanhando a banda do carvalhal com ferrinhose roucas trompas o meu Natal é ainda o Natal de
minha mãe com uns restos de canela e Beira Alta.
E os que foram vistos dançando foram julgados insanos pelos que não conseguiam ouvir a música.
Pássaro Marinho
Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!
Carpe Diem
Que faço deste dia, que me adora?
Pegá-lo pela cauda, antes da hora
Vermelha de furtar-se ao meu festim?
Ou colocá-lo em música, em palavra,
Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra?
Força é guardá-lo em mim, que um dia assim
Tremenda noite deixa se ela ao leito
Da noite precedente o leva, feito
Escravo dessa fêmea a quem fugira
Por mim, por minha voz e minha lira.(Mas já se sombras vejo que se cobre
Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.
Já nele a luz da lua – a morte – mora,
De traição foi feito: vai-se embora.)
A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria.