Eu Ela e a Escrita
Eu ela e a escrita existimos desde o princípio. A escrita forma-se em mim, passa por ela e volta à minha pele num jogo sensual e íntimo. É um ser maleável aos gestos que executamos, vive e morre com os nossos impulsos. Quando se ausenta deixa sinais. Faz-nos confidências da sua vida errante, elabora sentimentos que não esperávamos que tivesse quando junta ao nosso, o seu instinto criativo. Assim, utilizo agora palavras que nunca pensei vir a escrever. Aceito-as porque as sei da espécie da personagem que habita connosco, conivente com os erros que cometemos.
Quando adolescente, passava o tempo a ler o dicionário, apercebendo-me da corrosão de algumas palavras, do seu poder destrutivo. Noutras havia sombra e um peso monstruoso. E as que ao tempo foram luminosas, irradiavam um brilho que se colou aos meus dedos. Eu gastava os dias a limpar-me dessa luz até não haver em mim resíduos de leitura. Descobria o esquecimento, onde o poema veio a ser abismo, outra vida onde o sorriso da morte teve muita importância. Amei a imperfeição do ser humano. Revisitei a infância e aquilo que em nós é real. Não soube prescindir da beleza.
Passagens sobre Poder
1166 resultadosEsta Noite Morrerás
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca
o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo
apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu par-
tiste e no meu leito crescem folhas sangue.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua
e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um
prisma,
A democracia constitui necessariamente um despotismo, porquanto estabelece um poder executivo contrário à vontade geral. Sendo possível que todos decidam contra um cuja opinião possa diferir, a vontade de todos não é por tanto a de todos, o qual é contraditório e oposto à liberdade.
Os depositários do poder têm uma disposição desagradável a considerar tudo o que não é eles como uma facção. Eles chegam a incluir às vezes a própria nação nessa categoria.
O Antagonismo Racial
O elemento puramente instintivo não constitui senão uma pequena parte do ódio racial e não é difícil de vencer. O medo do que é estrangeiro, que é a sua principal essência, desaparece com a familiaridade. Se nenhum outro elemento o formasse, toda a perturbação desapareceria logo que pessoas de raças diferentes se habituassem umas às outras. Mas há sempre pretextos para se odiarem os grupos estrangeiros. Os seus hábitos são diferentes dos nossos e portanto (em nossa opinião) piores. Se triunfam, é porque nos roubam as oportunidades; se não triunfam, é porque são miseráveis vagabundos. A actual população do mundo descende dos sobreviventes de longos séculos de guerras e por instinto está à espreita de ocasiões de hostilidade colectiva.
O desejo de ter um inimigo fixa-se no coração desse instinto racista e constrói à sua volta um edifício monstruoso de crueldade e de loucura. Tais conflitos representam hoje uma catástrofe universal e não já somente, como outrora, um desastre para os vencidos: daí as inquietações do nosso tempo. É por isso que é mais importante do que nunca conseguir um certo grau de domínio racional sobre os nossos sentimentos destruidores.
Em geral o ódio racial tem duas origens,
Fala do Homem Nascido
(Chega à boca da cena, e diz:)
Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença!
Nunca a natureza é tão aviltada como quando a ignorância supersticiosa tem a arma do poder.
Terás alegria ou terás poder, disse Deus; mas não terás ambos.
Não é que eu queira estar pura da vaidade, mas preciso ter o campo ausente de mim para poder andar.
Não é o grau que separa a inteligência do génio, mas a qualidade. O génio não é tanto uma questão de poder intelectivo, mas da forma por que se apresenta essa poder. Pode-se assim ser facilmente mais inteligente que um génio. Mas o génio é ele.
Existe apenas um poder, que é militar. Os outros poderes fazem rir e deixam rir.
Toda a vida do homem sobre a face da terra se resume a buscar o amor. Não importa se ele finge correr atrás de sabedoria, de dinheiro ou de poder.
O Poder está sempre explicando que não pode tanto assim.
A Acção Mais Degradada
A acção mais degradada é a daquele que não age e passa procuração a outrem para agir – a dos frequentadores dos espectáculos de luta e a dos consumidores da literatura de violência. Ser herói e através de outrem, ser corajoso em imaginação, é o limite extremo da acção gratuita, do orgulho ou da vaidade que não ousa. Corre-se o risco sem se correr, experimenta-se como se se experimentasse, colhe-se o prazer do triunfo sem nada arriscar. E é por isso que os fIlmes de guerra, do heroísmo policial, de espionagem, têm de acabar bem. Porque o que aí se procura é justamente o sabor do triunfo e nâo apenas do risco. O gosto do risco procura-o o herói real, o jogador que pode perder. Mas o espectador da sua luta, degradado na sedução da acção, acentua a sua mediocridade no não poder aceitar a derrota, no fingir que corre o risco mesmo em ficção, mas com a certeza prévia de que o risco é vencido. O que ele procura é a pequena lisonja à sua vaidade pequena, a figuração da coragem para a sua cobardia, e só a vitória do herói a quem passou procuração o pode lisonjear.
E se o herói morre em grandeza,
A Felicidade Está Fora da Nossa Realidade
O amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus orgãos, podeis dizer com razão que ele enlouquece. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não está em si… Volta a ti… Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito é o amor, maior a loucura e mais feliz.
Quem será, pois, essa vida no Céu, à qual aspiram tão ardentemente as almas piedosas? O espírito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espírito será absorvido pela suprema Inteligência, cujos poderes são infinitos. Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro e a única razão da sua felicidade será de não mais se pertencer, mas de submeter-se a este soberano inefável, que tudo atrai a si.
Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela,
Todo o grande poder é perigoso para um debutante.
Não És Tu
Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar,
Corava da mesma cor,
Aquela visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.Toda assim; o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ela descia
Como um véu que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a beleza.Era assim; o seu falar,
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume ,
Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.Mas não és tu… ai!, não és:
Toda a ilusão se desfez.
Não és aquela que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lho senti.
Diferentes Caminhos para uma Felicidade Sempre Insuficiente
O objectivo para o qual o princípio do prazer nos impele — o de nos tornarmos felizes — não é atingível; contudo, não podemos — ou melhor, não temos o direito — de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isso; alguns dedicam-se ao aspecto positivo do objectivo, o atingir do prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos. Naquele sentido modificado em que vimos que era atingível, a felicidade é um problema de gestão da libido em cada indivíduo. Não há uma receita soberana nesta matéria que sirva para todos; cada um deve descobrir por si qual o método através do qual poderá alcançar a felicidade. Toda a espécie de factores irá influenciar a sua escolha. Depende da quantidade de satisfação real que ele irá encontrar no mundo externo, e até onde acha necessário tornar-se independente dele. Por fim, na confiança que tem em si próprio do seu poder de modificar conforme os seus desejos. Mesmo nesta fase, a constituição mental do indivíduo tem um papel decisivo, para além de quaisquer considerações externas. O homem que é predominantemente erótico irá escolher em primeiro lugar relações emocionais com os outros;
Teorias Precipitadas
É vulgar uma teoria ser resultado da precipitação de um entendimento impaciente que, desejoso de se ver livre dos fenómenos, os substitui por imagens, conceitos, ou com frequência por meras palavras. Pressente-se, e por vezes vê-se até com clareza, que se trata apenas de expedientes. Mas não é sabido que a paixão e o partidarismo se deixam atrair pelos expedientes? E com toda a razão, porque tanta falta lhes fazem.
(…) Avançar precipitadamente para o fim a alcançar, sem reflectir sobre os meios. Como se, para poder ajudar tão cedo quanto possível uma cirança de berço, lhe quiséssemos matar o pai.
Se atentarmos em certos problemas de Aristóteles ficamos supreendidos com o dom de observação e com a imensidade de coisas que não escapavam ao olhar dos gregos. E contudo cometiam o erro da precipitação, já que saltavam imediatamente dos fenómenos para a explicação, de onde resultaram formulações teoréticas totalmente inadequadas. Trata-se todavia de um erro geral que ainda hoje continua a ser cometido.
A igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra capaz de a tornar um facto.