Tu e Eu Meu Amor
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.
Poemas sobre Mãos
542 resultadosPoema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Evocação
Levanta-te Romeu do túmulo em que dormes
E vem sorrir de novo à boa, à eterna luz!
De noite, ouço dizer que há sombras desconformes
E as noites do passado, oh, devem ser enormes
Na atonia fatal das larvas e da cruz!Conchega gentilmente ao peito carcomido
Os restos do teu manto: — assim, que bem que estás!Na terra hão de julgar-te um grande Aborrecido
Que busca desdenhoso o centro do ruído
Nas horas vis do tedio e das insonias más.O mundo transformou-se; aquele fundo abismo
Do antigo amor fatal, fechou-se d’uma vez,
E tu filho gentil do velho romantismo,
Tu vens achar dormindo o rude prozaismo
No berço onde sonhava a doce candidez!No entanto pódes crer; faz muito menos frio
Á luz do novo sol; do gaz provocador;
E o século apesar de gasto e doentio,
Não pode já escutar o cântico sombrio
Que fala de edeaes e cousas sem valor!Em paz deixa dormir a terna Julieta
Que aos céus ainda por ti levanta as brancas mãos;
E enquanto por mim corre a tétrica ampulheta,
Do Fundo da Mesa
O jantar já tinha sido servido. No fundo da mesa,
os pratos amontoavam-se por entre restos ilesos
de comida. Era para ali que nos retirávamos, para
deixar de sentir por momentos, sobre os ombros,
o peso da literatura. A sua incomodidade. Não
seria possível dela extrair, agora, um novo uso?
Nessas alturas, a filosofia consolava-nos do ruído
das conversas, da própria ênfase a que recorríamos
para que, sobre a mesa, o poema ficasse escrito.
Porque o fazíamos? Tornar-se-ia o mundo
mais limpo depois de escrito? Como as mãos
que no rebordo da toalha, enxugávamos?
E no entanto era esse o melhor argumento
de que dispúnhamos: o das mulheres-escritoras
que, noutro século, fiéis ao desvelo dos armários,
reinventavam o mundo no aconchego das cozinhas.
Gratidão
A minha gratidão te dá meus versos:
Meus versos, da lisonja não tocados,
Satélites de Amor, Amor seguindo
Co’as asas que lhes pôs benigna Fama,
Qual níveo bando de inocentes pombas,
Os lares vão saudar, propícios lares,
Que em doce recepção me contiveram
Incertos passos da Indigência errante;
Dos olhos vão ser lidos, que apiedara
A catástrofe acerba de meus dias,
Dos infortúnios meus o quadro triste;
Vão pousar-te nas mãos, nas mãos que foram
Tão dadivosas para o vate opresso,
Que o peso dos grilhões me aligeiraram,
Que sobre espinhos me esparziram flores,
Enquanto não recentes, vãos amigos,
Inúteis corações, volúvel turba
(A versos mais atenta que a suspiros)
No Letes mergulhou memórias minhas.
Amigos da Ventura e não de Elmano,
Aónio serviçal de vós me vinga;
Ao nome da Virtude o Vício core.Não sei se vens de heróis, se vens de grandes;
Não sei, meu benfeitor, se teus maiores
Foram cobertos, decorados foram
De purpúreos dosséis, de márcios loiros;
Sei que frequentas da Amizade o templo,
Que és grande,
Tu Mandaste-me Dizer
Tu mandaste-me dizer
Que tornavas novamente
Quando viesse a tardinha;
E eu, para mais te prender,
– N’esse dia…Pintei de negro os meus olhos
E de rôxo a minha boca.
As rosas eram aos mólhos
Para a noite rubra e louca!Entornei sobre o meu corpo,
– Que fôra delgado e bello!
O perfume mais extranho e mais subtil;
E um brocado rôxo e verde
Envolveu a minha carne
Macerada e varonil.
Os meus hombros florentinos,
Cobértos de pedraria,
Eram chagas luminosas
Alumiando o meu corpo
Todo em fébre e nostalgia.
Nas minhas mãos de cambraia,
As esmeraldas scintillavam;
E as pérolas nos meus braços,
Murmuravam…
Desmanchado, o meu cabello,
Em ondas largas, cahia,
Na minha fronte
Ligeiramente sombría.Estava pallido e dir-se-hia
Que a pallidez aumentava
A minha grande belleza!Na minha boca ondulava
Um sorriso de tristeza.A noite vinha tombando.
E, como tardasses,
Fiquei-me, sentádo, olhando
O meu vulto reflectido
No espelho de crystal;
Coração Habitado
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Canção do Amor-Perfeito
Eu vi o raio de sol
beijar o outono.
Eu vi na mão dos adeuses
o anel de ouro.
Não quero dizer o dia.
Não posso dizer o dono.Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.
Isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
a impressionante mariposa
a pretendente pesarosa
a tarde morna e vagarosa
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o riso que tudo desvenda
o reverendo e a reverenda
o leão ferido e a sua senda
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começaráQuando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
as artimanhas da saudade
a caravana na cidade
a incorruptibilidade
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o abraço à porta da taberna
a ideológica lanterna
a mão que avança para a perna
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começaráQuando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
a grossa lágrima ao espelho
o grande chefe e o seu grupelho
o azul-turquesa e o vermelho
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Retrato de uma princesa desconhecida
Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentosFoi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino
História Antiga
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Plano
Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos, que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.
Sê Rei de Ti Próprio
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
Nascente
Quando sinto de noite
o teu calor dormente
e devagar
para que não despertes
digo: cedro azul,
terra vegetal,
ou só
amor, amor;
quando te acaricio
e devagar
para que não despertes
tomo na mão direita
as duas fontes, iguais, da vida,
procuro a nascente
e adormeço
nela essa mão depositando.
Caminharemos de Olhos Deslumbrados
Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.
Dorme Meu Filho
Dorme meu filho
dezenas de mãos femininas trabalham
a atmosfera
onde os namorados pensam
cartazes simples
um por exemplo
minúsculo crustáceo denominado ciclope
por baixo da pele ou entre os músculosDorme meu filho
o amor
será
uma arma esquecida
um pano qualquer como um lenço
sobre o gelo das ruas
Farto de voar
Farto de voar
Pouso as palavras no chão
Entro no mar
Sinto o sal de mão em mão
Tenho um barco na vida espetado
Só suspenso por fios dum lado
E do outro a cair
a cair
no arpão
no arpãoLevo a dormir
Sonhos que andei para trás
Ergo o porvir
Trago nos bolsos a paz
Tenho um corpo na morte espetado
Só suspenso por balas de um lado
E do outro a escapar
a escapar
de raspão
de raspãoPonho a girar
Cantos que ninguém encerra
De par em par
Abro as janelas para a terra
Tenho um quarto na fome espetado
Só suspenso por água de um lado
E de outro a cair
a cair
no alçapão
no alçapãoFarto de voar
Pouso as palavras no chão
Entro no mar
Sinto o sal de mão em mão
Tenho um barco na vida espetado
Só suspenso por fios dum lado
E do outro a cair
a cair
no arpão
no arpão
you are welcome to elsinore
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipícioAo longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posiçãoEntre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeitaEntre nós e as palavras,
Sêde de Amor
I
Vi-te uma vez e (novo
Extranho caso foi!)
Por entre tanto povo…
Tanta mulher… SuppõeQue mãe estremecida
Via o seu filho andar
Sobre muralha erguida,
Onde o fizesse ir darAquelle remoinho,
Aquella inquietação
D’um pobre innocentinho
Ainda sem razão!E ora estendendo os braços…
Ora apertando as mãos…
Vendo-lhe o gesto, os passos,
Quantos esforços vãos,O triste na cimalha
Faz por voltar atraz…
Sem vêr como lhe valha!
A vêr o que elle faz!Pallida, exhausta, muda,
Os olhos uns tições,
Com que, a tremer, lhe estuda
As mesmas pulsações…(Porque não é mais fundo
O mar no equador,
Nem é todo este mundo
Maior do que esse amor!Mais vasto, largo e extenso
Todo esse céo tambem
Do que o amor immenso
D’um coração de mãe!)Assim, n’essa agonia…
N’essa intima avidez…
É que entre os mais te eu ia
Seguindo d’essa vez!Porque te adoro!… a ponto,
Os Homens Gloriosos
Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!Reduze a pó
a memória dos homens,