25 De Março
25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o CearáBem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada — de fogo dos obuses.Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciência — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis — presentes pelo dorso
À rubra luz da glória — enquanto voa e zumbe.O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.
Passagens sobre Sol
1157 resultadosO amor, para ser perfeito, devia ser como o rotífero: morrer num raio de sol, renascer numa gota de orvalho.
A gargalhada é o sol que varre o inverno do rosto humano.
Pinheiro Manso
Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
Já gozei, já gozei mais que descanso…Quando para onde estás os olhos lanço,
Tantos gostos ao pé de ti passados
Vejo na fantasia retratados,
Tão vivos, que jàmais de ver-te canso!Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro
te hei-de cobrir, terás cópia crescida
De flores, serás honra dêste outeiro.E para te dar glória mais subida,
No meu tronco feliz, alto Pinheiro,
O teu nome escreverei de Margarida.
Uva, Pedra, Cavalo, Sol e Pensamento
O rio continua a passar na minha ausência.
Eu não sei o que o pássaro pensa da chuva.A terra tem o gosto agridoce de uma uva.
Tudo em que ponho o olhar tem mágica inocência.Magra como uma vara de anzol pode ser a mulher.
Gorda como a cara do sol pode ser a laranja.Ligeiro, o cavalinho. Trem-de-ferro qualquer,
apitando, tudo é bondade que a vida arranja.Os anos que a pedra vive no seio das águas.
Os anos que o coração bate no peito do homem.Os pés e as pernas unidos na mesma faina.
As mágoas que se consomem iguais aos ventos.Uva, pedra, cavalo, sol e pensamento.
A Lua de Londres
É noite; o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu:
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala d’amor às belas,
Não fala aos homens d’amor.Meiga lua! os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d’além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração?Oh! que foi!… deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de Primavera
Se escutasse o rouxinol.Tu vens, ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país,
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,
Em Ramos Tufados, Cheios…
Eram ramos tufados, cheios,
Olha, minha Amada, vê!
Deixa que te mostre os frutos
Dentro dos ouriços verdes.Redondos, há muito pendem,
Calmos, fechados em si,
E um ramo a baloiçar
Os embala paciente.Mas de dentro amadurece
E incha o fruto castanho;
Gostava de vir pra o ar
E de poder ver o sol.A casca rebenta, e cai
Alegre pra o chão o fruto;
Tais minhas canções aos montes
Te vão cair no regaço.Tradução de Paulo Quintela
Impassível
Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.
Perto do Sol há incontáveis corpos escuros a serem deduzidos, tais que nunca chegaremos a ver.
O velho e o peixe ao sol aparecem.
A mulher que nasceu boa do coração e cresceu com as suas ilusões innocentes, quando o homem lhe aparece por detrás dos seus sonhos, exala, como a flor de abril, os perfumes da sua candura, abre-se ao sol do amor com todo o viço da sua generosa afeição, e, como a flor de abril, morre na manhã dos seus amores, queimada por um raio desse sol que lhe fecundara no seio a esperança florida dos afectos puros.
O Nascimento
Aí vem a estrela! Aí vem, sobre a montanha,
Rompendo a sombra etérea do crepúsculo!
A paisagem tornou-se mais estranha,
Mais cheia de silêncio e de mistério!
Dormem ainda as árvores e os homens,
E dorme, em alto ramo, a cotovia…
E, se ergue já seu canto, é porque sonha
julga ver, sonhando, a luz do dia!E, pelos negros píncaros, a estrela
É divino sorriso alumiante.
Oh, que esplendor! Que formosura aquela!
É lírio de oiro aberto! É rosa a arder!Aí vem a estrela! Aí vem, sobre a montanha,
Tão virginal, tão nova, que parece
Sair das mãos de Deus, a vez primeira!E como, sobre os montes, resplandece!
Persegue-a o sol amado… No oriente,
Alastra um nimbo anímico de luz.
E a antiga dor das trevas, suavemente,
Ondula, em transparência e palidez.Aí vem a estrela, alumiando a serra!
E os olhos encantados dos pastores
Voltam-se para a estrela… E cá na terra
Há mágoas e penumbras, a fugir…Como ela voa, cintilando e rindo
Aos penhascos agrestes e desnudos!
Tu És em Mim Profunda Primavera
O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, fruta minha destes dias velozes,
diz-me, sempre estiveram contigo
por anos e viagens e por luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria,
ou só agora, só agora
brotam das tuas raízes
como a água que à terra seca traz
germinações de mim desconhecidas
ou aos lábios do cântaro esquecido
na água chega o sabor da terra?Não sei, não mo digas, tu não sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido
aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnólia e matagal, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.
Ode
Eis-me nu e singelo!
Areia branca e o meu corpo em cima.
Um puro homem, natural e belo,
De carne que não peca e que não rima.A linha do horizonte é um nível quieto;
As velas, de cansaço, adormeceram;
E penas brancas, que eram luto preto,
Perderam-se no azul de onde vieram.Sol e frescura em toda a grande praia
Onde não pode haver agricultura;
Esterilidade limpa, que não caia
De pão e vinho a cósmica fartura.Dançam toninhas lúdicas no céu
Que visitam ligeiras e felizes;
Uma força sonâmbula as ergueu,
Mas seguras à seiva das raízes.Nem paz, nem guerra, nem desarmonia;
O sexo alegre, mas a repousar;
Um pleno, largo e caudaloso dia,
Sem horas e minutos a passar.Vem até mim, onda que trazes vida!
Soro da redenção!
Vem como o sangue doutra mãe pedida
Na hora de dar mundo ao coração!
Deves saber que só quem luta por dentro da escuridão terá algum dia a sua própria quota de sol.
Surdinas
Às raparigas tristes
Vais partir, vais partir que eu bem te vejo
Na branca face os gélidos suores,
Vais procurar as musicas melhores
Do sol, da glória e do celeste beijo.Dentro de ti harpas do desejo
Não vibram mais — embora que tu chores —
Nem pelas tuas aflições maiores
Se escuta um vago e enfraquecido arpejo…Bem! vais partir, vais demandar esferas
Amplas de luz, feitas de primaveras,
Paisagens novas e amplidão florida…Mas ao chegar-te a lágrima infinita,
Lembra-te ainda, ó pálida bonita
De que houve alguém que te adorou na vida.
Delírio Do Som
O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.Me parecia a música do arminho,
O perfume do lírio que cantava,
A estrela-d’alva que nos céus entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.
Caminho
I
Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!…Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Tristêza
O sol do outomno, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir…Eis como a minha vida vae passando
Em frente ao seu Phantasma… E fico a ouvir
Silencios da minh’alma e o resurgir
De mortos que me fôram sepultando…E fico mudo, extatico, parado
E quasi sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade…Só a longinqua estrela em mim actua…
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esphinge de saudade…
A Minha Educação Prejudicou-me em Vários Aspectos
Dormi, acordei, dormi, acordei, vida miserável. (…) Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em vários aspectos. Não fui, de facto, educado num lugar longe de tudo, como por exemplo entre ruínas, nas montanhas; contra esse facto eu não poderia realmente exprimir a minha censura. Apesar de correr o risco de não poder ser compreendido por todos os meus antigos professores, eu bem preferiria ter sido um habitante dessas pequenas ruínas, queimado pelo sol que por entre os destroços me apareceria de todos os lados sobre a tépida hera, mesmo que eu a princípio houvesse sido fraco sob a pressão das minhas boas qualidades, que com a força da erva teriam crescido dentro de mim.
Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em vários aspectos. Esta censura aplica-se a uma quantidade de pessoas, ou seja, aos meus pais, a algumas pessoas de família, a alguns amigos da casa, a vários escritores, a uma certa cozinheira, que durante todo um ano me levou à escola, a um monte de professores (que nas minhas recordações tenho de comprimir num grupo estreito, que doutra maneira me falha um aqui e outro ali — mas,