Passagens sobre Soneto

69 resultados
Frases sobre soneto, poemas sobre soneto e outras passagens sobre soneto para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

No Mundo não Tem Boa Sorte Senão quem Tem por Boa a que Tem

Uma cousa sabei de mim: que queria antes o bem do mal, que o mal do bem; porque muito mais se sente o porvir, que o passado; e a morte, até matar, mata. Não sei se sereis marca de voar tão alto; porque, para tomar a palha a esta matéria, são necessárias asas de nebri. Mas vós sois homem de prol, e desculpa-me a conta em que vos tenho. E a que de mim vos sei dar, é que:

Esperança me despede,
tristeza não me falece,
e tudo o mais m’aborrece.
Já que mais não mereceu
minha estrela,
só a tristeza conheço,
pois que para mim nasceu
e eu para ela.

No mundo não tem boa sorte senão quem tem por boa a que tem. E daqui me vem contentar-me, de triste. Mas olhai de que maneira:

Vivo assi ao revés,
tomando por certa vida
certa morte,
com que folgo, em que me pês,
pois minha sorte é servida
de tal sorte.

Uma cousa sabei: que o mal, ainda que às vezes o vejais louvar, não há quem o louve com a boca que o não taxe com o coração:

Ajudai-me a sofrer
vida tão sem sofrimento,

Continue lendo…

Marília De Dirceu

Soneto 6

Quantas vezes Lidora me dizia,
Ao terno peito minha mão levando:
– Conjurem-se em meu mal os astros, quando
Achares no meu peito aleivosia!

Então que não chorasse lhe pedia,
Por firme seu amor acreditando.
Ah! que em movendo os olhos, suspirando,
Ao mais acautelado enganaria!

Um ano assim viveu. Oh! céus, agora
Mostrou que era mulher: a natureza,
Só por não se mudar, a fez traidora.

Não, não darei mais cultos à beleza,
Que depois de faltar à fé Lidora,
Nem creio que nas deusas há firmeza.

Marília De Dirceu

Soneto 3

Enganei-me, enganei-me – paciência!
Acreditei às vezes, cri, Ormia,
Que a tua singeleza igualaria
A tua mais que angélica aparência.

Enganei-me, enganei-me – paciência!
Ao menos conheci que não devia
Pôr nas mãos de uma externa galhardia
O prazer, o sossego e a inocência.

Enganei-me, cruel, com teu semblante,
E nada me admiro de faltares,
Que esse teu sexo nunca foi constante.

Mas tu perdeste mais em me enganares:
Que tu não acharás um firme amante,
E eu posso de traidoras ter milhares.

Autobiografia

De cerúleo gabão não bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;

dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miúde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, é vox clamantis in deserto;

pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vão nele acomodando a mil peixotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – é o Bocage.

Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recônditos, vivazes.

Lembras lírios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olímpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.

Marília De Dirceu

Soneto 9

Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda não deixais tão vil traidora?

Não haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim não sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.

Vingai, ó justos céus…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.

Não, não vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixão do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.

Contra Os Plebeus E Néscios Do Brasil.

Que me quer o Brasil, que me persegue?
Que me querem pasguates, que me invejam?
Não vêem que os entendidos me cortejam?
E que os nobres é gente que me segue?

Com seu ódio a canalha que consegue?
Com sua inveja os néscios que motejam?
Se quando os néscios por meu mal mourejam,
fazem os sábios que a meu mal me entregue?

Isto posto, ignorantes e canalha,
se ficam por canalha, e ignorantes
no rol das bestas a roerem palha.

E se os senhores nobres e elegantes
não querem que o soneto vá de valhas,
não vá, que tem terríveis consoantes.

Setentrional

Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.

Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.

Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.

Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,

Continue lendo…

A Voz da Tília

Diz-me a tília a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mãos as mãos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”

E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
“Já fui um dia poeta como tu…
Ainda hás de ser tília como eu sou…”

Soneto 255 Recordista

Duzentas e cinqüenta e cinco peças
é produção em série, mas apenas
um “quase”, comparado a três centenas,
contanto que em soneto, só, me meças.

Refiro-me ao autor do molde dessas
trezentas dedicadas, não a Helenas,
Marílias, Beatrizes ou morenas
anônimas, amadas meio às pressas;

Porém à tal de Laura! Que feições
seriam tão divinas, se ela abarca
tamanho patrimônio de paixões?

Persigo, só no número, essa marca.
Depois de superar a de Camões,
vou ter que superar a de Petrarca!

Soneto 549 Tematizado

De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no círculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:

de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto só composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.

Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixões
e todos os sonetos tentem lê-las.

Não morre um de Bilac ou de Camões,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visões…

Eu gostava mais de que ficassem as duas quadras de cada soneto dum lado da folha e os dois tercetos do outro lado. Fica o soneto menos duro, lê-se melhor. Assim o soneto todo numa página, dum jacto, não gosto, francamente.

Mancebo Sem Dinheiro, Bom Barrete

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.

O Soneto

Nas formas voluptuosas o soneto
Tem fascinante, cálida fragrância
E as leves, langues curvas de elegância
De extravagante e mórbido esqueleto.

A graça nobre e grave do quarteto
Recebe a original intolerância,
Toda a sutil, secreta extravagância
Que transborda terceto por terceto.

E como um singular polichinelo
Ondula, ondeia, curioso e belo,
O Soneto , nas formas caprichosas.

As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
E nas mais rara procissão augusta
Surge o Sonho das almas dolorosas…

Concordo com a sua ideia: um soneto em cada página. Não tinha pensado na questão do papel. As mulheres, e muito mais as poetisas, têm todas “têtes de linottes”.

Oficina Irritada

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

Natal

Perguntei pelo Natal,
indicaram-me os rochedos.
Subi a altas montanhas,
só trouxe sustos e medos.

Um mendigo, previdente,
avisou-me: o Natal
fica na quilha de um barco
que ainda nem é pinhal.

E minha avó, mondadeira
do trigal que eu nunca tive,
dizia desta maneira:
— É dentro desta ribeira,
tecendo os bunhos da esteira,
que o Natal, em brasas, vive.

O vento nada sabia
e a noite, irada, afirmava
que o Natal é o meio-dia
de uma noite inacabada.

Li poemas, li romances,
mondei sonetos na horta:
Do Natal, só as nuances
da fome a rondar a porta.

Até que um dia, ó milagre,
levado pelo coração,
toquei teus seios redondos
– brancas rolas, róseos pombos –
e tive o Natal na mão!

Soneto 399 Pós-Moderno

Cinema Novo, Bossa Nova, tudo
é novo nesta terra! A velharia
nos vem só do estrangeiro. O que seria
do Chaplin sem o velho cine mudo?

Temos tempos modernos! Também mudo
meu modo de pensar a poesia.
Concreto e verso livre contagia,
mas algo mais à frente aguarda estudo:

É o raio do soneto, que ora volta
liberto das amarras do conceito
e sem as igrejinhas como escolta.

Depois do modernismo, vem refeito.
Até o vocabulário já se solta:
ao puro é duro, e ao sujo está sujeito.

Auto-Retrato

O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.

Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)

No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil

que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…