As Estrelas
Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancólico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas não são os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!
Sonetos sobre Alma
647 resultadosNo Meio Do Caminho
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
A Tua Voz de Primavera
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo… olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos…Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!
Pequenina
À Maria Helena Falcão Risques
És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa…
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te fez tão graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!O ver o teu olhar faz bem à gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…
Flor Nirvanizadas
Ó cegos corações, surdos ouvidos,
Bocas inúteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.Consciências hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalísticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!
O que é Viver?
Viver é só sentir como a Morte caminha
E como a Vida a quer e como a vida a chama…
Viver, minha princesa pobrezinha,
É esta morte triste de quem ama…Viver é ter ainda uma quimera erguida
Ou um sonho febril a soluçar de rastos;
É beijar toda a dor humana, toda a Vida,
Como eu beijo a chorar os teus cabelos castos…Viver é esperar a Morte docemente,
Beijando a luz, beijando os cardos, e beijando
Alguém, corpo ou fantasma, que nos venha amando…É sentir a nossa alma presa tristemente
Ao mistério da Vida que nos leva
Perdidos pelo sol, perdidos pela treva…
Soneto
(Oferecido e dedicado ao llmo. Sr. M. Bernardino A. Varela pelo autor.)
Vir bonus dicendi peritus laudandum est.Senhor de nobre alma, tão
D’entre os sábios conhecido,
De pais excelsos nascido,
Aceitai a minha canção.Probo pai, bom cidadão,
Sois dos seres melhor ser
Por saber tão profundo ter,
Sois ilustre qual Catão.Recebei esta prova mesquinha
De penhor e de oração,
Produto da pena minha.Perdoai, mui digno varão,
Se na mente eu pobre tinha
Cometer-vos indiscrição.
Menina Dos Olhos Verdes
Ó! menina dos olhos verdes, que à tardinha
estás sempre à janela à hora de minha volta…
Que cousas pensarás? Que fazes aí sozinha?
Por que regiões de sonho a tua alma se solta?Sempre que dobro a esquina encontro o teu olhar
e o teu claro sorriso adolescente ainda…
Habituei-me a te ver – e és tão criança e tão linda
que sem querer, também sorrio ao te encontrar…Menina dos olhos verdes… A quem esperas
com teus olhos gritando a cor das primaveras?
Queres versos? Pois bem, estes são teus, recolhe-os!Escrevi-os pensando em ti, tímida e bela,
– a menina dos olhos verdes da janela
debruçada à janela verde dos meus olhos!
Panteísmo
Ao Botto de Carvalho
Tarde de brasa a arder, sol de verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte…
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
Dum verso triunfal de Anacreonte!Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo
Nos meus sentidos postos e absortosNas coisas luminosas deste mundo,
A minha alma é o túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!
Caminho
III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!…Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!…Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar – encher a alma.
Feliz Habitação da Minha Amada
Feliz habitação da minha Amada,
Ninho de Amor, albergue da Ternura,
Onde, outro tempo, a próspera Ventura
Dormia nos meus braços, descuidada.Então, minha Alma terna, embriagada,
Gostava do prazer toda a doçura:
Hoje, contrária minha, a Sorte dura
Do teu Éden Amor, m’impede a entrada.Com que mágoa, de longe te diviso!…
Com que pena cruel!…
Com que saudade!
Ah! que não sei como não perco o sizo!…Bárbara Sorte! Ao menos por piedade,
Se me privas da entrada do Paraíso,
Deixa ver me, de Armânia, a divindade!
Junquilhos
Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh’alma apaixonada
Nas folhas perfumadas duma flor.E como a alma, dessa florzita,
Que é minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu’inda existe…Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!
Se Ausente da Alma Estou, que me Dá Vida?
Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte
Se ausente da alma estou, que me dá vida?Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.Ah! suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga querer vir dar-me vida,
Como não ma vem dar a mesma morte?Mas se na alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.
XXIV
Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:Assim na agitação de meu cuidado
De um contínuo delírio esta alma presa,
Quando é tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:Que importa pois, que a idéia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.
Velhas Tristezas
Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!…
A Angústia
Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tão rubro,
A solene dolência dos poentes, além.Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.Não creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
XVI
Toda a mortal fadiga adormecia
No silêncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavíssimo alterava
Na muda confusão da sombra fria:Só Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior não repousava;
Sentindo o mal, com lágrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.Vê Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecê-na é inútil arte;
Fazer o que ela quer, é rigor forte:Mas de modo entre as penas se reparte;
Que à Lise rende a alma, a vida à morte:
Por que uma parte alente a outra parte.
O Lupanar
Ali! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!Este logar, moços do mundo, vêde:
É o grande bebedouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!É o afrodisíaco leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!
Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
Núpcias Pagãs
Braços dados, nós dois, vamos sozinhos…
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaiasHá queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias…
– na minha mão ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mão, desmaias…Andamos sobre painas… entre alfombras…
E à luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chão as nossas sombras– Aqui… Há rosas soltas, desfolhadas…
Nada receies, meu amor – é o vento
em marcha nupcial pelas ramadas!