Sonetos sobre Iguais

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Sonetos de iguais escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Corrupião

Escaveirado corrupião idiota,
Olha a atmosfera livre, o amplo éter belo,
E a alga criptógama e a úsnea e o cogumelo,
Que do fundo do chão todo o ano brota!

Mas a ânsia de alto voar, de à antiga rota
Voar, não tens mais! E pois, preto e amarelo,
Pões-te a assobiar, bruto, sem cerebelo
A gargalhada da última derrota!

A gaiola aboliu tua vontade.
Tu nunca mais verás a liberdade! …
Ah! Tu somente ainda és igual a mim.

Continua a comer teu milho alpiste.
Foi este mundo que me fez tão triste,
Foi a gaiola que te pôs assim!

Noite De Saudade

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra , que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem…
Talvez de ti, ó Noite!…Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que eu tenho!!

Obrei quanto o Discurso me Guiava

Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.

Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.

Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:

Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.

Grande Amor

Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.

Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.

Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…

Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.

Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro

Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.

Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.

E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.

LXXXI

Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.

Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras hamadríades o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estão chorando.

Mas que peito há de haver tão desabrido,
Que fuja à minha dor! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!

Igual caso não temo, que se conte;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.

Árvores Do Alentejo

Ao Prof. Guido Batelli

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol pospoente
A oiro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Barrow-On-Furness I

Sou vil, sou reles, como toda a gente
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.

É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.

Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo c leio.

Justificar-me? Sou quem todos são…
Modificar-me? Para meu igual?…
– Acaba lá com isso, ó coração!

Não Diga o Meu Espelho que Envelheço

Não diga o meu espelho que envelheço,
se a juventude e tu têm igual data,
mas se os sulcos do tempo em ti conheço
então devo expiar no que me mata.

Tanta beleza te recobre e deu
tais galas a vestir a meu coração,
que vive no teu peito e o teu no meu.
Mais velho do que tu serei então?

Portanto, meu amor, cuida de ti
como eu, não por mim, por ti somente
te cuido o coração, que guardo aqui

como à criança a ama diligente.
Não contes com o teu se o meu morrer.
Deste-me o teu e o não vou devolver.

Soneto XXVIII

Dizeis que alcançastes e perdestes
Um bem, que muito tempo procurastes,
Se entre todos os males, mal achastes,
Que comparação possa ter com estes?

Dizeis que entre outros males que tivestes,
Nenhum mal tão cruel experimentastes
Como perder um bem, que já lograstes,
Pois então mais que nunca lhe quisestes.

E se é mais grave o mal, quanto é mais raro
O bem, que se perdeu; julgai qual seja
Meu mal, pois que meu bem não teve igual.

Isto faz que duvide o que deseja
Alcançar, pois enfim custa tão caro,
Inda que é certo o bem, e incerto o mal.

Náiades, Vós que os Rios Habitais

Náiades, vós que os rios habitais
Que os saudosos campos vão regando,
De meus olhos vereis estar manando
Outros que quase aos vossos são iguais.

Dríades, que com seta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando
Derribam corações, que valem mais.

Deixai logo as aljavas e águas frias,
E vinde, Ninfas belas, se quereis,
A ver como de uns olhos nascem mágoas.

Notareis como em vão passam os dias;
Mas em vão não vireis, porque achareis
Nos seus as setas, e nos meus as águas.

Na Capela

Na capela, perdida entre a folhagem,
O Cristo, lá no fundo, agonisava…
Oh! como intimamente se casava
Com minha dor a dor d’aquela imagem!

Filhos ambos do amor, igual miragem
Nos roçou pela fronte, que escaldava…
Igual traição, que o afecto mascarava,
Nos deu suplício ás mãos da vilanagem…

E agora, ali, em quanto da floresta
A sombra se infiltrava lenta e mesta,
Vencidos ambos, mártires do Fado,

Fitavamo-nos mudos — dor igual! —
Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual
Mais palido, mais triste e mais cansado…

A Redenção

A divina emoção que tu me deste,
Já m´a deu uma árvore ao poente…
Não é só teu encanto que te veste:
A seiva e o sangue rezam irmãmente.

Às vezes nuvens, mares, areais,
Dão-me mais sonho do que os olhos teus…
É como se eles fossem meus iguais,
Tendo nós todos fé no mesmo Deus…

Não será isto o instinto, a profecia,
De que desfeitos e transfigurados
Viveremos num só, numa harmonia?…

Sim, deve ser: amor, sonho, emoção,
São esforços febris d´encarcerados
Para quem a Unidade é a redenção.

Vós Outros, Que Buscais Repouso Certo

Vós outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercícios;
a quem, vendo do mundo os benefícios,
o regimento seu está encoberto;

dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifícios;
que, por castigo igual de antigos vícios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.

Não caiu neste modo de castigo
quem pôs culpa à Fortuna, quem sòmente
crê que acontecimentos há no mundo.

A grande experiência é grão perigo;
mas o que a Deus é justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.

Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;

Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e não em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso só de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continência,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura

O Morcego

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Agonia De Um Filósofo

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nêle tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!

Assisto agora à morte de um inseto!…
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierático areopago heterogêneo
Das idéas, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!

Linhas Paralelas

Compreendemo-nos sempre incompreendidos,
como dois orgulhosos, sempre assim,
-não gostava de ti… nem tu de mim…
afirmávamos ambos convencidos…

Isso dava-se outrora, em tempos idos,
antes do nosso amor chegar ao fim…
-hoje, depois de tanto orgulho, enfim,
nem somos vencedores nem vencidos…

Foi pouco tempo de namoro o nosso,
-não me esqueces no entanto totalmente,
como de todo te esquecer não posso…

Linhas iguais… Nascemos como um par
que, em paralelas, orgulhosamente
há de seguir sem nunca se encontrar!…

Há em Toda a Beleza uma Amargura

Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura

Não fica igual aos vivos no que dura
e a não pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfigura

Ficando como Helena à luz do ocaso
a língua dos dois reinos não lhe é azo
senão de apartar tranças ofuscante

Mas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?

Tradução de Vasco Graça Moura

LXIII

Já me enfado de ouvir este alarido,
Com que se engana o mundo em seu cuidado;
Quero ver entre as peles, e o cajado,
Se melhora a fortuna de partido.

Canse embora a lisonja ao que ferido
Da enganosa esperança anda magoado;
Que eu tenho de acolher-me sempre ao lado
Do velho desengano apercebido.

Aquele adore as roupas de alto preço,
Um siga a ostentação, outro a vaidade;
Todos se enganam com igual excesso.

Eu não chamo a isto já felicidade:

Ao campo me recolho, e reconheço,
Que não há maior bem, que a soledade.