Sonetos sobre Morte

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Sonetos de morte escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- Não o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– Lusitânia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, não mereci Dona Maria.

Mataste quem a viu?- Já morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar não ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.

Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lá que ver?- Nenhüa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.

Soneto Dos Vinte Anos

Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.

Passem rios, estrelas, que o passar
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.

Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.

Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

A Visita

Hontem dormia à noute – e, eis que desperto
Sacudido d’um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d’um vento do deserto.

Accordei – era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma sceptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!

É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inutil saibro a verde palma,
Verme! filho da Duvida–Eis-me aqui!

Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente!
Crê barro vil! – Mas eu, descortezmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.

À Morte Peço a Paz Farto de Tudo

À morte peço a paz farto de tudo,
de ver talento a mendigar o pão,
e o oco abonitado e farfalhudo,
e a pura fé rasgada na traição,

e galas de ouro es despejados bustos,
e a virgindade à bruta rebentada,
e em justa perfeição tratos injustos,
e o valor da inépcia valer nada,

e autoridade na arte pôr mordaça,
e pedantes a engenho dando lei,
e a verdade por lorpa como passa,

e no cativo bem o mal ser rei.
Farto disto, não deixo o meu caminho,
pois se eu morrer, é o meu amor sozinho.

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Uma memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.

− Quem é que tão gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitão de Cristo, que mais ama.

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tão alta sorte.

− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indício
De vir a merecer tão santa morte.

Quatro Sonetos De Meditação – I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia
E íntimo como a melancolia.

Aqui Morava Um Rei

“Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.”

Lindóia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que o amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
Tanto inda é bela no seu rosto a morte

Não te Arruínes, Alma, Enriquece

Centro da minha terra pecadora,
alma gasta da própria rebeldia,
porque tremes lá dentro se por fora
vais caiando as paredes de alegria?

Para quê tanto luxo na morada
arruinada, arrendada a curto prazo?
Herdam de ti os vermes? Na jornada
do corpo te consomes ao acaso?

Não te arruínes, alma, enriquece:
vende as horas de escória e desperdício
e compra a eternidade que mereces,

sem piedade do servo ao teu serviço.
Devora a Morte e o que de nós terá,
que morta a Morte nada morrerá.

Tradução de Carlos de Oliveira

A Rua Dos Cataventos – XXXV

Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua…
Nada mais quero com nenhum de vós!

Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão…
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!…

Eu lavarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas…

E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios da vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto…

Retrato do Herói

Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar    de morte certa.

Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome    fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.

Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo    nem mártir    nem soldado
Mas apenas    por último    indefeso.

Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.

Quem Quiser Ver D’amor Üa Excelência

Quem quiser ver d’Amor üa excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.

Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.

O Último Número

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idéia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o último número cansado.

Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crânio?
E o último número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogênica Grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!”

Para o Sexo a Expirar

Para o sexo a expirar eu me volto, expirante,
raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor — o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.

Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.

Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sémen aljofrando o irreparável ermo.

No Meu Peito Arde Em Chamas Abrasada

No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingança reprimida,
E em centelhas de raiva ensurdecida
A vingança suprema e concentrada.

E espuma e ruge a cólera entranhada,
Como no mar a vaga embravecida
Vai bater-se na rocha empedernida,
Espumando e rugindo em marulhada.

Mas se das minhas dores ao calvário,
Eu subo na atitude dolorida
De um Cristo a redimir um mundo vário,

Em luta co’a natura sempiterna,
Já que do mundo não vinguei-me em vida,
A morte me será vingança eterna.

De Alma Em Alma

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silêncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silêncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

Aos Mortos

Oh! não é bom rir-se de um morto — brusca
Pois deve ser a sensação que aumenta
Desoladora, vagarosa, lenta
Da negra morte tétrica velhusca…

Tudo que em vida, como um sol, corusca,
Que nos aquece, que nos acalenta,
Tudo que a dor e a lágrima afugenta,
O olhar da morte nos apaga e ofusca…

Nunca se deve desprezar os mortos…
Nos regelados e sombrios portos,
Onde a matéria se transforma e urge

Exuberar na planturosa leiva,
Vivem os mortos no vigor da seiva,
Porque dão vida ao que da vida surge!…

Aspiração

Deve ser bom morrer numa noite como essa!
Beber a luz do luar e sentir-lhe a embriaguez.
Quando se sofre assim, a morte é uma promessa…
Vou tentar ser feliz pela última vez.

Foi diferente a minha vida. Andou depressa.
O que fiz, o destino inclemente desfez.
Quando o amor se dilui e a saudade começa,
Talvez a morte seja um consolo… talvez.

Serei no céu pastor de estrelas… Entre os dedos
Prenderei um punhado delas, uma a uma,
E ao som da avena que um pastor-poeta me deu,

A lua se desmanchará sobre os rochedos,
Para que eu veja nela, em seu vulto de espuma,
A mulher que foi sombra e … desapareceu.