Sonetos sobre Noite

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Sonetos de noite escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Final Do Guarani

(Santos, 15 jul. 1883)

Ceci — Ă© a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o Ă­ndio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.

Amam-se com o amor indĂ´mito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.

PorĂ©m… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…

Campesinas I

Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.

Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti sĂł cresse
E em nada mais, camponesa.

Quem contigo andasse Ă  toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,

Beijando-te o corpo airoso,
TĂŁo fresco e tĂŁo perfumoso,
Cheirando a figos abertos.

Minha Terra

A. J. EmĂ­dio Amaro

Ă“ minha terra na planĂ­cie rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pĂŁo e a minha casa…

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmĂŁo nasceu…
Aonde a mĂŁe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…

Truz… truz… truz… Eu nĂŁo tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, Ă© quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!

Ambos

VĂŁo pela estrada, Ă  margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂ­mpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.

Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as canções e os tropos singulares
Dos inefáveis, meigos passarinhos.

Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.

E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂŞmulos arpejos,
E as reticĂŞncias que produz o vago.

Onde o Homem nĂŁo Chega

Onde o Homem nĂŁo chega tudo Ă© puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo Ă© claro e auroral: a noite, o escuro.

E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?

Foi o Homem, com suas mĂŁos de barro,
com suas mĂŁos perjuras, fel e sarro
de inĂştil sofrimento e vil prazer.

Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.

Doente

A lua veio… foi-se… e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja, a minha boa fada.

Ela há de vir, Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupĂŁo, noiva gelada,
Boiando Ă  flor de um rio que nĂŁo finda.

Ela há de vir, sem que eu a veja… Entanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vĂŁo…

Ă“ lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha Ă  falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂŞncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

IV – Sempre O Brasil

Nunca noite dormi tĂŁo sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
PorĂ©m, vendo infinito mar d’anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.

Cada dia que passa nĂŁo Ă© nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lá vivo é um ceitil,
Aqui Ă© para mim grande massada.

E a doença porém me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,

E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra sĂł quero eu existir
Quando Ă© para bem dele que eu o sei.

Coração Solitário

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
NĂŁo existe esta rua – Ă© um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que nĂŁo vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua mĂşsica estranha de piano bĂŞbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

MĂşsica indefinida a encher a solidĂŁo:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.

O Lázaro Da Pátria

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de Ăşlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tĂłrax a pressĂŁo medonha
Do bruto embate férreo das tenazes,

Mostra aos montes e aos rĂ­gidos rochedos
A hedionda elefantĂ­asis dos dedos…
Há um cansaço no Cosmos… Anoitece,

Riem as meretrizes no Casino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

Esfinge

Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente sĂŁo a imagem.

Embalo em mim um sonho vĂŁo, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!

E Ă  noite, Ă  hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…

E Ă  tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planĂ­cie enorme…

Choro De Vagas

Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;

Vejo-os na escuridĂŁo da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marĂ©s, em ermas plagas…

Ah! que sĂŁo deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!

Ă‚ngelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂşsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, Ă©bria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

Uma Doença Cúmplice

uma doença cúmplice, marcas púrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂşria

que há no sacrifício
e te põe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistência

do silêncio é como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂşstia.

A Rua Dos Cataventos – XVII

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que nĂŁo tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como Ăşnico bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mĂŁo avaramente adunca
NĂŁo haverĂŁo de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trĂŞmula e triste como um ai,
A luz de um morto nĂŁo se apaga nunca!

Variação Sobre Um Soneto De Shakespeare

És como um dia cálido de estio…
Azul? NĂŁo, Ă©s mais linda e mais amena
O verĂŁo como tudo traz o frio
E o verĂŁo Ă© inconstante, e tu serena.

Tu nĂŁo trazes o frio, nem a pena
Da luz foste – tu vives, como um rio
Que cantasse uma mesma cantilena
Num sempre novo manso desvario.

NĂŁo morre o estio em ti – e no teu rosto
Ele deixou as cores da manhĂŁ
E as tristezas suaves do sol-posto.

Sem as marcas cruéis da noite vã.
E a morte que em ser também se deita
Em tua alma descansa satisfeita.

Toada Para Solo De Ocarina

Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalha

como tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhado

Nesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco Ă©brio que sempre desafina

E colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud

Despede Teu Pudor

Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memĂłria
Uma nudez nascida para a glĂłria
Sofrer de meu olhar que te heroĂ­za

Tudo teu corpo tem, nĂŁo te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
SĂŁo leves teus enredos como a brisa

Constante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonado

Enquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.

O Que Diz A Morte

Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As prĂłprias obras vĂŁs, de que escarnecem…

Em mim, os Sofrimentos que nĂŁo saram,
PaixĂŁo, DĂşvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. –

Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisĂ­veis, muda e fria,

É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Invocação à Noite

Ă“ deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:

Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sĂ´fregos instantes:

TĂ©tis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu nĂ­veo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!

Tarda ao menos o carro Ă  Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.