Campesinas II
De cabelos desmanchados,
Tu, teus olhos luminosos
Recordam-me uns saborosos
E raros frutos de prados.Assim negros e quebrados,
Profundos, grandes, formosos,
Contêm fluidos vaporosos
São como campos mondados.Quando soltas os cabelos
Repletos de pesadelos
E de perfumes de ervagens;Teus olhos, flor das violetas,
Lembram certas uvas pretas
Metidas entre folhagens.
Sonetos sobre Olhos
454 resultadosEla no meu Olhar
Os meus olhos são Índias de segredos.
É Portugal seu Corpo esguio e brando.
E as cinco quinas, seus compridos dedos
Em suas mãos, bandeiras tremulando.Seus gestos lembram lanças. E ela passa…
Seu perfil de princesa faz lembrar
Batalhas que travaram ao luar,
Epopeia-marfim da minha Raça.O seu olhar é tão doente e triste
Que me parece bem que não existe
Maior mistério do que o de prendê-lo.Nos meus sentidos vive o seu sentir
E, às vezes, quando chora, põe-se a ouvir
Seu coração, velhinho do Restelo.
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento
Ah! imiga cruel, que apartamento
é este que fazeis da pátria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glória dos olhos, bem do pensamento?Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’água, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?Mas já que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o Céu tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.E só nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.
Trágica Recordação
Meu Deus! meu Deus! quando me lembro agora
De o ver brincar, e avisto novamente
Seu pequenino Vulto transcendente,
Mas tão perfeito e vivo como outrora!Julgo que ele ainda vive; e que, lá fóra,
Fala em voz alta e brinca alegremente,
E volve os olhos verdes para a gente,
Dois berços de embalar a luz da aurora!Julgo que ele ainda vive, mas já perto
Da Morte: sombra escura, abysmo aberto…
Pesadêlo de treva e nevoeiro!Ó visão da Creança ao pé da Morte!
E a da Mãe, tendo ao lado a negra sorte
A calcular-lhe o golpe traiçoeiro!
À Luz da Lua!
Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D’uns noivos mortos ao cingir da estola…A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!Que linda eras, o luar que o diga!
E eu compondo estes versos, tu a lel-os,
E ambos scismando na floresta amiga…
Crença
Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidão das cousas,
Nessa mudez castíssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer não ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos ríspidos escolhos;
Tê-los à frente de qualquer farolE conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!
A Vida
“A Vida”
I
“…Mudarás, todos mudam, e os espinhos
com surpresa verás por todo lado,
– são assim nesta vida os seus caminhos
desde que o homem no mundo tem andado…Não hás de ser o eterno namorado
com as mãos e os lábios cheios de carinho,
– hoje, juntos os dois… tudo encantado!
– amanhã, tudo triste… os dois sozinhos!…E sentindo o teu braço então vazio,
abatido verás que não resistes
à inclemência do tempo úmido e frio!Rolarás por escarpas e barrancos:
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes
trazendo a campa dos cabelos brancos!”
Dos Mais Fermosos Olhos
Dos mais fermosos olhos, mais fermoso
Rosto, que entre nós há, do mais divino
Lume, mais branca neve, ouro mais fino,
Mais doce fala, riso mais gracioso:Dum Angélico ar, de um amoroso
Meneio, de um esprito peregrino
Se acendeu em mim o fogo, de que indigno
Me sinto, e tanto mais assi ditoso.Não cabe em mim tal bem-aventurança.
É pouco uma alma só, pouco uma vida,
Quem tivesse que dar mais a tal fogo!Contente a alma dos olhos água lança
Pelo em si mais deter, mas é vencida
Do doce ardor, que não obedece a rogo.
Aos Olhos Dele
Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar. E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor…
E grito então ao ver esses dois céus:Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa
Que criou esse brilho que m’encanta!
Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!
No Meio Do Caminho
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
Por Cima Destas Águas, Forte E Firme
Por cima destas águas, forte e firme,
irei por onde as sortes ordenaram,
pois, por cima de quantas me choraram
aqueles claros olhos, pude vir me.Já chegado era o fim de despedir me,
já mil impedimentos se acabaram,
quando rios de amor se atravessaram
a me impedir o passo de partir me.Passei os eu com ânimo obstinado,
com que a morte forçada e gloriosa
faz o vencido já desesperado.Em que figura, ou gesto desusado,
pode já fazer medo a morte irosa,
a quem tem a seus pés rendido e atado?
Sol E Anarda
O sol ostenta a graça luminosa,
Anarda por luzida se pondera;
o sol é brilhador na quarta esfera,
brilha Anarda na esfera de formosa.Fomenta o sol a chama calorosa,
Artarda ao peito viva chama altera,
o jasmim, cravo e rosa ao sol se esmera,
cria Anarda o jasmim, o cravo e a rosa.O sol à sombra dá belos desmaios,
com os olhos de Anarda a sombra é clara,
pinta maios o sol, Anarda maios.Mas (desiguais só nisto) se repara
o sol liberal sempre de seus raios,
Anarda de seus raios sempre avara.
Fiou Se O Coração, De Muito Isento
Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tão ilícito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.Mas os olhos pintaram tão a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razão, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.Ó Hipólito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que não sabia ter nenhum respeito:em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.
Menina Dos Olhos Verdes
Ó! menina dos olhos verdes, que à tardinha
estás sempre à janela à hora de minha volta…
Que cousas pensarás? Que fazes aí sozinha?
Por que regiões de sonho a tua alma se solta?Sempre que dobro a esquina encontro o teu olhar
e o teu claro sorriso adolescente ainda…
Habituei-me a te ver – e és tão criança e tão linda
que sem querer, também sorrio ao te encontrar…Menina dos olhos verdes… A quem esperas
com teus olhos gritando a cor das primaveras?
Queres versos? Pois bem, estes são teus, recolhe-os!Escrevi-os pensando em ti, tímida e bela,
– a menina dos olhos verdes da janela
debruçada à janela verde dos meus olhos!
Soneto II
Quanto cuido, senhora, quanto escrevo,
Tudo em vossos fermosos olhos leio,
Neles, ante quem tudo é escuro e feio,
Aprendo e vejo como amar-vos devo.Vejo que ao vosso amor todo me devo,
Mas não vos sei amar, e assi me enleio
Que não sei se vos amo ou se o receio,
E a julgar em mim isto não me atrevo.Em vós cuido, em vós falo o dia e ora,
Mouro por ver-vos, ir-vos ver não ouso,
Por não ver quanto mais devo do que amo;Ó sol e ó. sombra o vosso nome chamo,
Fora destes cuidados não repouso;
Se isto é amor, vós o julgai, senhora!
África
Na partilha das sáfaras conquistas
Desta Líbia de mouros rancorosos,
O Deserto foi dado aos Poderosos
E o Oásis, florido e mínimo, aos Artistas.E os felizes, quais são? Os mil sofistas
Da Ventura, a pedir, de olhos gulosos,
Terra e mais terra? Ou o que limita os gozos
E em sete palmos acomoda as vistas?Certo, não sereis vós, ó Donatários
Do alvo Deserto, que velais, em guerra,
A áurea carga dos vossos dromedários.Mas, tu, ó Poeta, que, por onde fores,
Teus sete palmos hás de achar na terra
Abrindo em trigo, rebentado em flores!
Nox
Noite, vão para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inúteis tantos ásperos tormentos…Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…Oh! Antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!
Junquilhos
Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh’alma apaixonada
Nas folhas perfumadas duma flor.E como a alma, dessa florzita,
Que é minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu’inda existe…Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!
Doce Certeza
Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer…Hás de tecer uns sonhos delicados…
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!…Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que são meus versos!…