Quanto Mais Pode Amor num Peito Humano
Quanto mais pode amor num peito humano,
Tanto se mostra mais nĂŁo ter firmeza,
Pois quando dá mor gosto e mor alteza,
Então é mais cruel e desumano;Põe debaixo do bem um falso engano,
Promete-vos prazer, dá-vos tristeza,
Seus afagos e gostos sĂŁo crueza,
O mor gosto que tem é ser tirano.Alto me pôs a fé e o pensamento,
Por que mor queda assim fizesse dar-me
Amor, que em ser cruel Ă© tĂŁo isento;Foi-me desenganar por segurar-me;
Assim, quanto me deu, foi tudo vento,
Desenganou-me enfim, para enganar-me!
Sonetos
2370 resultadosMas adonde Irei Eu
Mas adonde irei eu, que este nĂŁo seja,
Se a causa deste ser levo comigo?
E se eu prĂłprio me perco, e me persigo,
Quem será que me poupe ou que me reja?Porque me hei-de queixar do Tempo e Inveja,
Se eu a quis mais fiel ou mais amigo?
Fui deixado em si mesmo por castigo:
Triste serei em quanto em mim me veja.Esta empresa que em mim tanto em vĂŁo tomo,
Esta sorte que em mim seu dano ensaia,
Esta dor que minha Alma em mim cativa.VĂłs sĂł podeis mudar. Mas isto como?
Como? Fazendo que a minha alma saia
De mim, senhora, e dentro de vĂłs viva.
Chuva E Sol
Agrada Ă vista e Ă fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
Do sol pelos venábulos radiantes…Vais e molhas-te, embora os pĂ©s levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos metem nágua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada…Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto,
Rutilam tanto, como as verdadeiras…
Velho Tema II
Eu cantarei de amor tĂŁo fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.Quero que meu amor se te apresente
– NĂŁo andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como Ă©: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
Ă€ galharda conquista do te beijo.
Ideal
Aquela, que eu adoro, nĂŁo Ă© feita
De lĂrios nem de rosas purpurinas,
NĂŁo tem as formas languidas, divinas
Da antiga VĂ©nus de cintura estreita…NĂŁo Ă© a Circe, cuja mĂŁo suspeita
Compõe filtros mortaes entre ruinas,
Nem a Amazona, que se agarra ás crinas
D’um corcel e combate satisfeita…A mim mesmo pergunto, e nĂŁo atino
Com o nome que dĂŞ a essa visĂŁo,
Que ora amostra ora esconde o meu destino…É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidĂŁo,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo…
Ă€ MemĂłria De Uma Ave
Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avesinha querida
Se extingue como um clarĂŁo.Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂssimo inimigo…Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂşl, glauco pascigo…Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente Ă liberdade.
Alma Ferida
Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.Mesmo na Dor espera com clemência
E sobe Ă sideral resplandecĂŞncia,
Longe de um mundo que sĂł tem peçonha.Das ruĂnas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!
PresĂdio
Nem todo o corpo Ă© carne… NĂŁo, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
NĂŁo, meu amor… Nem todo o corpo Ă© carne:
Ă© tambĂ©m água, terra, vento, fogo…É sobretudo sombra Ă despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memĂłria o fugidiovulto da Primavera em pleno Outono…
Nem sĂł de carne Ă© feito este presĂdio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
MarĂlia De Dirceu
Soneto 11
Com pesadas cadeias manietado,
Ă€s vozes da razĂŁo ensurdecido,
Dos céus, de mim, dos homens esquecido,
Me vi de amor nas trevas sepultado.Ali aliviava o meu cuidado
C’o dar de quando em quando algum gemido.
Ah! tempo! Que, somente refletido,
Me fazes entre as ditas desgraçado.Assim vivia, quando a falsidade
De Laura me tornou num breve dia
Quanto a razĂŁo nĂŁo pĂ´de em longa idade:Quebrei o vil grilhĂŁo que me oprimia!
Oh! feliz de quem goza a liberdade,
Bem que venha por mĂŁos da aleivosia!
Sonhei, Confuso, E O Sono Foi Disperso
Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusĂŁo,
Vi que esta vida aqui e este universo
NĂŁo sĂŁo mais claros do que os sonhos sĂŁoObscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusĂŁo
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.Nada Ă© real, nada em seus vĂŁos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa sĂł ouvida.
Primeiras VigĂlias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂnea da inocĂŞncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
Desengano
A pensionista pálida que gosta
(Fundada pretensĂŁo!) que a digam bela,
E do colégio, à tarde, na janela,
Para dar-me um sorriso se recosta;Que me escreve nas férias, de Bemposta,
Aonde vai visitar a parentela,
Pedindo-me que não me esqueça dela
E dando-me uns beijinhos…, pela posta;Essa ninfa gentil dos olhos pretos,
Essa beleza de anjo… oh, sorte varia;
Vergonha eterna para os meus bisnetos!Com um pançudo burguês, uma alimária
Que nĂŁo a sabe amar, nem faz sonetos,
Vai casar-se amanhã na Candelária.
Celeste
Aos corações ideais
Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasões de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…E o gás que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!
Estranha Encruzilhada
NĂŁo sei por que cruzou com a tua a minha estrada,
o destino Ă© inconsciente e nĂŁo sabe o que faz…
– Encontro-te, e afinal, já sei que tu Ă©s amada,
encontras-me, e afinal, já Ă© bem tarde demais…Já nĂŁo posso esquecer a existĂŞncia passada,
perdi meu coração – o amor nĂŁo tenho mais…
– já nĂŁo tens coração, e a tua alma, coitada,
sofrendo há de ficar sem me esquecer jamais…AtĂ© hoje nesse amor nĂŁo tĂnhamos pensado:
Ă© por isso talvez que em silĂŞncio tu choras,
e em silĂŞncio tambĂ©m meu pranto Ă© derramadoEu cheguei… Tu chegaste… Estranha encruzilhada:
se eu tenho que partir depois que tu me adoras,
se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!…
Canção do Mar Aberto
Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.Caminho por sobre as ondas
NĂŁo paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar
Caput Immortale
Na dinâmica aziaga das descidas,
Aglomeradamente e em turbilhĂŁo
Solucem dentro do Universo anciĂŁo,
Todas as urbes siderais vencidas!Morra o éter. Cesse a luz. Parem as vidas,
Sobre a pancosmolĂłgica exaustĂŁo
Reste apenas o acervo árido e vão
Das muscularidades consumidas!Ainda assim, a animar o cosmos ermo,
Morto o comĂ©rcio fĂsico nefando,
Oh! Nauta aflito do Subliminal,Como a Ăşltima expressĂŁo da Dor sem termo,
Tua cabeça há de ficar vibrando
Na negatividade universal!
Soneto IV – A Uma Senhora
Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade Ămpia,
Tu, amada do Anjo d’Harmonia,
Que te fazes ouvir tĂŁo docemente.Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lá dos mortos na soidão sombria
Operou-se um milagre de repente.A morte sobre a fouce, entristecida,
Amarguradas lágrimas verteu,
Talvez do fero ofĂcio arrependida!Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glĂłria um — bravo — deu.
Desce em Folhedos Tenros a Colina
Desce em folhedos tenros a colina:
Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quais a chama do furor declina…Oh vem, de branco, do imo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mĂŁo aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te,
Refletir virgem a serena imagem.De silva doida uma haste esquiva.
QuĂŁo delicada te osculou num dedo
Com um aljĂ´far cor de rosa viva!…Ligeira a saia… Doce brisa impele-a…
Oh vem! De branco! Do imo do arvoredo!
Alma de silfo, carne de camĂ©lia…
Somente em Ser Mudável Tem Firmeza
Todo animal da calma repousava,
SĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.