Sonetos sobre Sagrado

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Sonetos de sagrado escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressĂ”es das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lĂąmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lĂąmpada que pende
Brilham clarĂ”es de amores condenados…

Como que vem do tĂșmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mĂĄrmores sagrados!

As Cathedraes

Como vos amo ver Ăł cathedraes sosinhas,
A recortar o azul das noutes constelladas!
Erguidos corucheus, mysticas andorinhas,
– Ó grandes cathedraes do sol ensanguentadas!

Como vos amo ver, pombas alvoroçadas!
Ogivas ideaes, anjos de puras linhas,
E Ăł criptas sem luz, aonde embalsamadas
Dormem de mĂŁos em cruz as santas e as rainhas!

Em vĂŁo olhaes o Ceu sagradas epopeias!
Flores de renda e luz, d’incenso e aromas cheias,
Aves celestiaes banhadas da manhĂŁ!

Em vĂŁo santos e reis, Ăł monges dos desertos!
Em vĂŁo, em vĂŁo resais, sobre os livros abertos,
– O Ceu por que chorais Ă© uma ficção christĂŁ!

Ecos D’alma

Oh! madrugada de ilusÔes, santíssima,
Sombra perdida lĂĄ do meu Passado,
Vinde entornar a clĂąmide purĂ­ssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a Ășltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer entĂŁo risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-LĂĄctea da IlusĂŁo que passa!

I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trĂȘmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais lĂ­mpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de sĂșplicas, feria…

Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
IlusÔes! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, Ăł meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…

Noites Amadas

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

VĂłs sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mĂĄgoas nua…

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Floripes

Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visÔes abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂȘmulos anelos.

Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiÔes sagradas,
Carinhos, beijos, lĂĄgrimas, desvelos.

Um requinte de graça e fantasia
DĂĄ-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lĂąnguido abandono…

Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂȘncias do teu sono.

Nona Sinfonia

É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glĂłria de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.

Num palĂĄcio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que sĂŁo ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.

Para o alto se voltam as volutas
hieråticas    sagradas    impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.

Mas de baixo Ă© que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.

Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que nĂŁo?…
Se o sonho foi tĂŁo alto e forte
Que pensara vĂȘ-lo atĂ© Ă  morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quĂȘ?… Ah, como Ă© vĂŁo!
Que tudo isso, Amor, nos nĂŁo importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pĂŁo.

Quantas vezes, Amor, jĂĄ te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

Poz-te Deus Sobre a Fronte a MĂŁo Piedosa

Poz-te Deus sobre a fronte a mĂŁo piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sĂȘ formosa!»

E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarĂŁo sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…

Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que Ă© vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo ĂĄ parte.

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!

Feliz!

Ser de beleza, de melamcolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lĂĄgrimas um dia.

Se a tu’alma Ă© d’estrela e d’harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.

Deus a proteja na felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cĂąnticos, de aroma e luz ardente.

E sĂȘ feliz e sĂȘ feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!

Sanhudo, InexorĂĄvel Despotismo

Sanhudo, inexorĂĄvel Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fĂșria cevas,
Que em mil quadros horrĂ­ficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do AteĂ­smo:

Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a RazĂŁo num denso abismo.

Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satĂ©lites vis da prepotĂȘncia
De crimes infernais o plano gizas,

Mas, apesar da bĂĄrbara insolĂȘncia,
Reinas sĂł no ext’rior, nĂŁo tiranizas
Do livre coração a independĂȘncia.

PrincĂ­pio de Amores com MarĂ­lia

Um rĂĄcimo ferral engrinaldado
Com rosas carmesins no seu regaço,
Tinha MarĂ­lia um dia, e o pĂ©, c’um laço,
De fita verde mar lhe tinha atado.

Eu, de seus magos olhos jĂĄ tocado,
Junto dela cheguei com leve passo,
E furtando-lhe o cacho, dele faço
NĂ©ctar que a Jove, igual, nunca foi dado

Em taça de cristal, co’as mesmas rosas,
E do mesmo listĂŁo toda enfeitada,
O licor lhe fui pĂŽr nas mĂŁos mimosas.

MarĂ­lia se sorriu, bebeu, corada,
O sagrado elixir e as deleitosas
PrimĂ­cias deu d’Amor, por Baco instada.

Com Os Mortos

Os que amei, onde estĂŁo? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufÔes,
Levados, como em sonho, entre visÔes,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e Ă  mercĂȘ dos turbilhĂ”es,
Só vejo espuma lívida, em cachÔes,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhĂŁo ideal do eterno Bem.

Ergue, Criança, A Fronte Condorina

Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!

Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂȘncia, o rĂștilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!

E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sincero

Um peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂȘnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!

Buscando A Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por nĂŁo castigar-me, estais cravados.

A vĂłs, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lĂĄgrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por nĂŁo condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vĂłs, sangue vertido, para ungir-me,
A vĂłs, cabeça baixa, p’ra chamar-me

A vĂłs, lado patente, quero unir-me,
A vĂłs, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Primavera

A meu irmĂŁo Odilon dos Anjos

Primavera gentil dos meus amores,
– Arca cerĂșlea de ilusĂ”es etĂ©reas,
Chova-te o Céu cintilaçÔes sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virå, porém, o triste outono,
Os dias voltarĂŁo a ser tristonhos
E tu hĂĄs de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerĂșleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!

Sexta-Feira Santa

Lua absĂ­ntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂ­cio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo estĂĄ morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂȘncias de gangrena!

As Minhas IlusÔes

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă  beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂ­vel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ășltimo suspiro, a estremecer!

O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas IlusÔes, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …

Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças

Negra fera, que a tudo as garras lanças,
JĂĄ murchaste, insensĂ­vel a clamores,
Nas faces de TirsĂĄlia as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.

Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
VĂȘ as trĂȘs Graças, vĂȘ os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!

DomicĂ­lio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruĂ­da a formosura,
Abre-te, då lugar a um desgraçado.

Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, TirsĂĄlia! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, Ăł sepultura!

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pĂĄlido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă  sepultura…

No coração, – um horto de martĂ­rios! –
Brotam sem fim as ilusÔes douradas,
Como nas campas desabrocham lĂ­rios.