Textos sobre Bem

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Textos de bem escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Oportunismo

O oportunismo é, porventura, a mais poderosa de todas as tentações; quem reflectiu sobre um problema e lhe encontrou solução é levado a querer realizá-la, mesmo que para isso se tenha de afastar um pouco de mais rígidas regras de moral; e a gravidade do perigo é tanto maior quanto é certo que se não é movido por um lado inferior do espírito, mas quase sempre pelo amor das grandes ideias, pela generosidade, pelo desejo de um grupo humano mais culto e mais feliz.
Por outra parte, é muito difícil lutar contra uma tendência que anda inerente ao homem, à sua pequenez, à sua fragilidade ante o universo e que rompe através dos raciocínios mais fortes e das almas mais bem apetrechadas: não damos ao futuro toda a extensão que ele realmente comporta, supomos que o progresso se detém amanhã e que é neste mesmo momento, embora transigindo, embora feridos de incoerência, que temos de lançar o grão à terra e de puxar o caule verde para que a planta se erga mais depressa.
Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava,

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O Tempo Vale Muito Mais do que o Dinheiro

Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.
Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar connosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objectos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele – a régua de arquitecto naval, os relógios – quando ele tinha tempo.
As pessoas dizem «time is money» para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente.
A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos.

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O Homem Engana-se a Si Próprio

Os homens nunca revelam os verdadeiros objectivos pelos quais actuam. Intimamente, exageram os motivos baixos, materiais: publicamente, anunciam os motivos nobres, espirituais. Mentem em ambos os casos. Os homens não conhecem os outros nem a si próprios.
A maior parte dos homens vive de instinto, hábito e imitação, animalmente – por vezes, com intermédios de felicidade inconsciente. Os poucos superiores sofrem, tentam, desesperam. Os mais elevados são os que desejam apenas as coisas inacessíveis, impossíveis (amor perfeito, arte perfeita, felicidade, eternidade, etc.).
Todos os homens tentam enganar o próximo. Todos os homens procuram superar e dominar o próximo. Todos os homens se imaginam no bem, no passado ou no futuro. Todos homens se esquecem dos verdadeiros fins e fazem dos meios os seus objectivos. Para onde quer que os homens se voltem, depara-se-lhes o impossível. Todos os homens se julgam mais que os outros.
Não basta aos homens possuir um bem, se não for maior que o do próximo. E, obtido um bem, cansam-se dele (saciedade, náusea) – ou então têm medo de o perder e padecem – ou desejam outro. Para obterem um bem imediato, não pensam no mal próximo que advirá.
Todos tentam extrair dos outros mais do que podem: os industriais dos compradores –

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Necessidade de Ocupar a Vida

Aqueles que não têm necessidade de prover às suas próprias necessidades, e por isso deixam essa preocupação para os outros, não são geralmente capazes de prover, ou de maneira nenhuma ou então só com enorme dificuldade e de modo menos satisfatório que os outros, a uma necessidade importantíssima, que seja como for têm. Refiro-me à necessidade de ocupar a vida: a qual é muito maior do que todas as necessidades específicas, às quais, ocupando-a, se provê; e é também maior do que a necessidade de viver. Aliás, viver, em si mesmo, não é uma necessidade, porque desacompanhado da felicidade não é um bem. Pelo que, sendo-nos dada a vida, a maior e primeira necessidade é conduzi-la com a menor infelicidade possível. Ora, por um lado, a vida desocupada ou vazia é infelicíssima. Por outro lado, o modo de ocupação com o qual a vida se torna menos infeliz do que com qualquer outro é o que consiste em prover às próprias necessidades.

Ser Religioso com Vantagem

Há pessoas sóbrias e industriosas, em quem a religião está bordada como uma ourela de humanidade superior: essas fazem muito bem em continuar a ser religiosas, isso embeleza-as. Todas as pessoas, que não entendem de um qualquer ofício relacionado com armas – incluindo nas armas a boca e a pena – tornam-se servis: para essa gente, a religião cristã é muito útil, pois o servilismo toma, assim, a aparência de uma virtude cristã e fica espantosamente embelezado. Pessoas, a quem a sua vida quotidiana parece demasiado vazia e monótona, tornam-se facilmente religiosas: isso é compreensível e perdoável; simplesmente, elas não têm direito de exigir religiosidade daqueles para quem a vida quotidiana não decorre vazia e monótona.

Contra a Ansiedade

Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. Situam-se, de facto, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela;

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Retrocesso Civilizacional

São talvez as prioridades dos nossos tempos que acarretam um retrocesso e uma eventual depreciação da vida contemplativa. Mas há que confessar que a nossa época é pobre em grandes moralistas, que Pascal, Epicteto, Séneca, Plutarco pouco são lidos ainda, que o trabalho e o esforço – outrora, no séquito da grande deusa Saúde – parecem, por vezes, grassar como uma doença. Porque faltam tempo para pensar e sossego no pensar, já não se examina as opiniões diferentes: a gente contenta-se em odiá-las. Dada a enorme aceleração da vida, o espírito e o olhar são acostumados a ver e a julgar parcial ou erradamente, e toda a gente se assemelha aos viajantes que ficam a conhecer um país e um povo, vendo-os do caminho-de-ferro.
Uma atitude independente e cautelosa em matéria de conhecimento é menosprezada quase como uma espécie de tolice, o espírito livre é difamado, nomeadamente, por eruditos que, na sua arte de observar as coisas, sentem a falta da minúcia e do zelo de formigas que lhes são próprios, e bem gostariam de bani-lo para um canto isolado da ciência: quando ele tem a missão, completamente diferente e superior, de comandar, a partir de uma posição solitária,

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A Falsa Polidez

As ofensas, que na verdade consistem sempre na exteriorização da falta de consideração, colocar-nos-iam bem menos fora de nós mesmos se, por um lado, não nutríssimos uma representação tão exagerada do nosso elevado valor e da nossa dignidade – portanto, um orgulho desmesurado – e, por outro, se estivéssemos bastante cientes daquilo que, via de regra, no fundo do coração, cada um crê e pensa dos outros.
Que contraste flagrante entre a susceptibilidade da maioria das pessoas à mais ténue alusão de censura a seu respeito, e aquilo que ouviriam de si, caso surpreendessem as conversas dos seus conhecidos! Deveríamos, antes, ter em mente que a polidez habitual é apenas uma máscara burlesca; desse modo, não gritaríamos tão alto todas as vezes que esta fosse deslocada ou retirada por um breve instante. . Decerto, assim o fazendo, desempenha uma figura bastante feia, como a maioria dos homens nesse estado.

Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos para a Sabedoria de Vida’

Não Mostrar Satisfação Consigo Mesmo

Viva, nem descontente, que é pouquidade, nem satisfeito consigo mesmo, que é nescidade. Nasce essa satisfação no mais das vezes da ignorância, e vai ter uma felicidade néscia que, embora satisfaça o gosto, não sustenta o crédito. Como não percebe as superlativas perfeições nos outros, contenta-se com qualquer vulgar mediocridade em si. Sempre foi útil, além de prudente, a desconfiança, ou como prevenção para que as coisas saiam bem, ou para consolo quando saiam mal; pois o desaire da sorte não surpreende quem já o temia. O próprio Homero às vezes dormita, e Alexandre cai do seu estado e do seu engano. As coisas dependem de muitas circunstâncias, e a que triunfa num lugar e em tal ocasião, em outra malogra. Mas a incorrigibilidade do néscio está em ter convertido em flor a mais vã satisfação, cuja semente está sempre a brotar.

A Compaixão como Prevenção

A compaixão é frequentemente um sentimento dos nossos males nos males dos outros. É uma hábil antevisão dos infortúnios em que podemos cair. Damos auxílio aos outros para levá-los a nos dar outro tanto em ocasiões semelhantes; e os serviços que lhes prestamos são, para dizer a verdade, bens que fazemos a nós mesmos de antemão.

O Que Devemos Sentir

Todas as pessoas devem ter experimentado a sensação desagradável que se tem nas estações de caminho de ferro. Vamos despedir-nos de alguém. A pessoa já entrou no comboio, mas ele demora a partir. Ali ficam as duas pessoas, uma na plataforma e a outra à janela, esforçando-se por conversar, mas de repente não têm nada para dizer.
Isto, evidentemente, resulta de não podermos sentir o que queremos. A situação impõe-nos um determinado sentimento. E quem não experimentou aquele tremendo alívio quando o comboio finalmente parte?
Ou nos funerais. Quando alguém morre ou adoece, quando surgem as desilusões, espera-se sempre que sintamos determinadas coisas.
Em todas as situações, excepto as mais quotidianas, as mais neutras, há uma pressão que se exerce sobre nós, que nos dita a forma como devemos conduzir-nos, aquilo que devemos sentir, E se examinarmos bem o fenómeno, verificamos, não raras vezes, que esses papéis nos são atribuídos por romances, filmes ou peças de teatro que vimos há muito tempo.
Quando somos realmente confrontados com situações invulgares (por exemplo, rivalidades que prevíamos e não se verificam, e em vez disso se transformam num amor que nos deixa sós), a primeira coisa a que nos agarramos são esses padrões sentimentais livrescos.

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A Glória e a Consciência

Preparamo-nos para as circunstâncias eminentes mais por glória do que por consciência. A maneira mais curta de alcançar a glória seria fazer por consciência o que fazemos pela glória. E a virtude de Alexandre parece-me apresentar muito menos vigor no seu espectáculo do que o faz a de Sócrates naquela actuação banal e obscura. Facilmente imagino Sócrates no lugar de Alexandre; Alexandre no lugar de Sócrates, não consigo. Se alguém perguntar àquele o que sabe fazer, ele responderá «subjugar o mundo»; a quem perguntar a este, ele dirá «conduzir a vida humana em conformidade com a sua condição natural» – ciência bem mais geral, mais difícil e mais legítima. O mérito da alma não consiste em ir alto, e sim ordenadamente.

O Dicionário da Vida

A vida é o nosso dicionário. Os anos foram bem gastos quando os demos aos trabalhos do campo, ou ao comércio, às manufacturas, às relações sinceras com grande número de homens e mulheres… isto com o único fim de aprender em todas as suas realidades uma linguagem capaz de ilustrar e de encarnar as nossas percepções. A pobreza ou a riqueza do discurso de quem fala ensina-me imediatamente em que medida ele já viveu.

A Felicidade não Tem Medida

Não duvidas de que a vida feliz seja o supremo bem; logo, se a vida possui o supremo bem, então é sumamente feliz. E tal como o supremo bem não pode receber qualquer acréscimo (o que haveria acima do supremo?!), também a vida feliz o não pode, pois a felicidade não existe sem o supremo bem. Repara: se disseres que alguém é “mais” feliz, tornarás possível que se diga também “muito mais”; e assim irás fazendo inúmeras gradações no supremo bem, quando por “sumo bem” eu entendo tudo o que não tem valor algum acima de si. Se alguém é menos feliz do que um outro, segue-se que preferirá a vida desse outro (por ser mais feliz) à sua própria; ora, um homem feliz não considera nada preferível à sua vida.
Qualquer destas duas situações é inaceitável: existir algo que o homem feliz preferiria ter em lugar daquilo que tem, ou não preferir ter algo que seja melhor do que aquilo que tem. De facto, quanto mais um homem é avisado, tanto mais se procurará chegar ao que há de melhor, e ambicionará alcançá-lo seja de que modo for. Ora, como pode ser feliz alguém que pode, que deve mesmo,

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A Individualidade Não Se Deixa Representar

Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências,

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A Perseverança

Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, tornar-se-á necessariamente forte.

O Belíssimo Sonho do Preguiçoso Português

Quem se importa porém com isso? Trabalhar o menos possível sob a tutela do Estado que lhe garanta o suficiente à vida —, eis o sonho, o belíssimo sonho do preguiçoso português!
Do preguiçoso português, não digo bem, do preguiçoso latino; porque em todos os países desta família se estão notando, em flagrante oposição aos anglo-saxónios, as mesmas tendências as quais, no que particularmente respeita à França, não há muito vi afirmadas num livro dum escritor daquela nacionalidade que vós talvez conheçais — Gustave Le Bon.
Eu quero admitir, meus senhores, que sobre nós influi o clima, a raça, as tradições, o passado, em tanto quanto a geografia e a história podem influir no carácter dum povo. Não podemos então transformar-nos completamente, e utópico mesmo me parece o desejo dum dos homens a quem o ensino secundário em França mais deve, Demolins, expresso na sua obra sobre as causas da superioridade anglo-saxónica: — inglesa, se assim me posso exprimir, as sociedades latinas.
Mas sem essa conversão completa, sem mudarmos mesmo grande parte das nossas ideias, sem irmos de encontro a algumas das nossas tendências, e pormos de lado alguns dos nossos sentimentos, nós podíamos, parece-me a mim,

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A Raiz do Vício

Um vício, apesar de ser uma terrível dependência e um péssimo hábito, é um escape maravilhoso e uma profunda ilusão acerca do «sentir bem». Quando não tens nada para fazer ou não sabes como te acalmar fumas uns cigarros ou coisas do género, entopes-te de comida, bebes uns copos e assim andas sempre ocupado e falsamente tranquilo, pois após o efeito seja do que for voltas ao mesmo estado em que te encontravas. Perdão, não me fiz entender bem: fumas sem vontade de fumar, comes sem vontade de comer e bebes sem vontade de beber. Isto é ser viciado, é pura poluição, sobretudo quando não existe um desejo natural de fazê-lo. Esclarecido? Ótimo. Já percebeste o teu desafio? Não, não é deixares de ser um viciado, isso não é um problema porque tens consciência que o és, logo, podes mudar quando entenderes apaixonar-te por ti, o problema é outro e, se queres saber, bem mais sério. Consegues descobri-lo? Era excelente se o dissesses antes de me leres: significaria que também já estarias consciente disso e, nesse sentido, deixaria de ser mais um problema na tua vida. Os problemas são, única e exclusivamente, fruto da inconsciência, pois quando se tem consciência do que se passa já não é um problema,

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Tempo e Idade

A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao facto de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de facto a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro infinitamente longo; do da velhice, é um passado bastante breve. Desse modo, o começo apresenta-se-nos como as coisas ao serem vistas pela lente objectiva do binóculo de opera; o fim, entretanto, como se vistas pela ocular. É preciso ter envelhecido, portanto ter vivido muito, para reconhecer como a vida é breve. O próprio tempo, na juventude, dá passos bem mais lentos. Por conseguinte, o primeiro quartel da vida é não só o mais feliz,

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Todo o Mal Provém não da Privação mas do Supérfluo

Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela medida que põe o que se deseja ao nosso alcance. Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro Bezoukhov (do romance ‘Guerra e Paz’). As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo da sabedoria popular, um tal Karataiev. Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos: a coerência, a pacificação interior, que são correctivos da desventura.
Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo, e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego pelo efémero. Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria, ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem e se angustiam,

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