Textos sobre Certos

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Textos de certos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Honra e a Glória

A honra possui, em certo sentido, um carácter negativo, a saber, em oposição à glória, que tem um carácter positivo. Pois a honra não é a opinião sobre as qualidades especiais pertencentes a um único sujeito, mas só sobre aquelas que, via de regra, deve-se pressupor que não lhe faltem. Por conseguinte, ela só assevera que este sujeito não é nenhuma excepção, enquanto a glória afirma que ele o é. A glória, portanto, tem primeiro de ser conquistada; a honra, pelo contrário, precisa apenas de não ser perdida.

O Nosso Código Ético e Moral Desculpabiliza-nos Perante a Recusa de Aliviarmos o Sofrimento Alheio

Eu não desviava os olhos de minha mãe, sabia que, quando estivessem à mesa, não me seria permitido ficar até ao fim da refeição, e que, para não contrariar meu pai, a mamã não me deixaria beijá-la várias vezes diante dos outros, como se fosse no meu quarto.
(…) antes de tocarem a sineta para o jantar, meu avô teve a ferocidade inconsciente de dizer: «O pequeno parece cansado; deveria ir deitar-se. E depois, jantamos tarde hoje.» E meu pai,(…) disse: «Sim. Anda, vai deitar-te.» Eu quis beijar a mamã; nesse instante ouviu-se a sineta do jantar. «Não, não, deixa a tua mãe em paz, vocês já se despediram bastante, essas demonstrações são ridículas. Anda, sobe!» E eu tive de partir sem viático; tive de subir cada degrau «contra o coração», subindo contra o meu coração, que desejava voltar para junto de minha mãe porque ela não lhe havia dado, com um beijo, licença de me acompanhar.
(…) Já no meu quarto, tive de (…) cerrar os postigos, cavar o meu próprio túmulo enquanto virava as cobertas, vestir o sudário da minha camisa de dormir. Mas antes de sepultar-me no leito de ferro (…), veio-me um impulso de revolta e resolvi tentar um ardil de condenado.

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A Importância da Boa Vontade

No decurso da minha longa vida recebi dos meus companheiros um reconhecimento muito maior do que aquele que mereço e confesso que o meu sentido de humildade sempre se sobrepôs ao meu prazer. Mas nunca, em ocasiões anteriores, a dor se sobrepôs tanto ao prazer como agora. Todos nós, que estamos preocupados com a paz e o triunfo da razão e da justiça, devemos estar hoje claramente conscientes do peso que uma pequeníssima justificação e uma boa vontade honesta podem exercer sobre os acontecimentos na vida política. Mas, independentemente disso, e independentemente do nosso destino, podemos estar certos de que sem os esforços incansáveis daqueles que estão preocupados com o bem-estar da humanidade como um todo a maioria da espécie humana estaria muito pior do que se encontra realmente agora.

As Realidades da Alma

É certo que o homem fala a si mesmo; não há um único ser racional que o não tenha experimentado. Pode-se até dizer que o mistério do Verbo nunca é mais magnífico do que quando, no interior do homem, vai do pensamento à consciência, e volta da consciência ao pensamento. (…) Diz, fala, exclama cada um consigo mesmo, sem que seja quebrado o silêncio exterior. Há um grande tumulto; tudo fala em nós, excepto a boca. As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis, nem por isso deixam de ser também realidades.

A Insegurança do Escritor

É certo que tudo o que concebi antecipadamente, mesmo quando estava com boa disposição, quer com todo o pormenor, quer casualmente, mas em palavras específicas, aparece seco, errado, inflexível, embaraçado para todos os que me rodeiam, tímido, mas acima de tudo incompleto, quando tento escrever tudo isso à minha secretária, embora eu não tenha esquecido nada da concepção original. Isto está naturalmente relacionado em grande parte com o facto de eu conceber uma coisa boa longe do papel durante apenas um momento de exaltação mais temido do que desejado, embora eu muito o deseje; mas então a plenitude é tal que eu tenho de ceder. Às cegas e arbitrariamente agarro pedaços da corrente, de modo que, quando escrevo calmamente, a minha aquisição não é nada comparada com a plenitude em que viveu, é incapaz de restaurar essa plenitude, e assim é má e perturbadora, por ser uma inútil tentação.

O Vício de Ler

O vício de ler tudo o que me caísse nas mãos ocupava o meu tempo livre e quase todo o das aulas. Podia recitar poemas completos do repertório popular que nessa altura eram de uso corrente na Colômbia, e os mais belos do Século de Ouro e do romantismo espanhóis, muitos deles aprendidos nos próprios textos do colégio. Estes conhecimentos extemporâneos na minha idade exasperavam os professores, pois cada vez que me faziam na aula qualquer pergunta difícil, respondia-lhes com uma citação literária ou com alguma ideia livresca que eles não estavam em condições de avaliar. O padre Mejia disse: «É um garoto afectado», para não dizer insuportável. Nunca tive que forçar a memória, pois os poemas e alguns trechos de boa prosa clássica ficavam-me gravados em três ou quatro releituras. Ganhei do padre prefeito a primeira caneta de tinta permanente que tive porque lhe recitei sem erros as cinquenta e sete décimas de «A vertigem», de Gaspar Núnez de Arce.

Lia nas aulas, com o livro aberto em cima dos joelhos e com tal descaramento que a minha impunidade só parecia possível devido à cumplicidade dos professores. A única coisa que não consegui com as minhas astúcias bem rimadas foi que me perdoassem a missa diária às sete da manhã.

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Dar é Viver

Dá-te.

Dar é viver.

Ninguém, por muito pouco que receba, viverá em alegria se não der nada a ninguém. Dá-se um sorriso, uma mão, um beijo, um abraço, um conselho, uma ideia, uma palavra, uma hora, duas ou três, de silêncio ou de ouvidos em alerta para o outro poder desabafar, chorar ou libertar-se. Dá-se boleia, dão-se sugestões, brinca-se, dá-se o corpo, dá-se prazer, dão-se pistas, dá-se tanta coisa. Tanta coisa que custa zero mas vale tanto. E quanto mais dermos de nós, mais recebemos. Nem sempre daqueles a quem damos, é um facto, faz parte da experiência de aprender a lidar com a expectativa, o apego e a cobrança, mas se dermos de coração, e só porque nos faz sentir bem, recebemos sempre e quase sempre de onde menos esperamos.

Quando somos incondicionais podemos ser surpreendidos a qualquer momento.

É tão bom. Sabe tão bem. Dar e nunca saber de onde podemos vir a receber. Torna os dias surpreendentes. A vida agiganta-se. Acaba-se a agonia do «tem de ser» e de repente é tudo novidade. É como dizer «Amo-te» a alguém que amo, e porque o senti naquele instante, e não ficar à espera de ouvir o mesmo dessa pessoa no segundo a seguir.

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Todos os Homens São Proprietários

Todos os homens são proprietários, mas na realidade nenhum possui. Não são proprietários apenas porque até o último dos pedintes tem sempre alguma coisa além do que traz em cima, mas porque cada um de nós é, a seu modo, um capitalista.
Além dos proprietários de terras, de mercadorias, de máquinas e de dinheiro, existem, ainda mais numerosos, os proprietários de capitais pessoais, que se podem alugar, vender ou fazer frutificar como os outros. São os proprietários e locadores de força física – camponeses, operários, soldados – e proprietários e prestadores de forças intelectuais – médicos, engenheiros, professores, escritores, burocratas, artistas, cientistas. Quem aluga os seus músculos, o seu saber ou o seu engenho obtém um rendimento, que pressupõe um património.
Um demagogo ou um dirigente de partido pode viver pobremente, mas se milhões de homens estão dispostos a obedecer a uma palavra sua, é, na realidade, um capitalista, que, em vez de possuir milhões de liras, possui milhões de vontades. O talento visual de um pintor, a eloquência de um advogado, o espírito inventivo de um mecânico são verdadeiros capitais e medem-se pelo preço que deve pagar, para obter os seus produtos, quem não os possui e carece deles.

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Ninguém Tem Pena das Pessoas Felizes

Ninguém tem pena das pessoas felizes. Os Portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais dilacerantes, porque é isso que funciona na nossa sociedade. As pessoas com problemas são sempre mais interessantes. Nós, os tontos, não temos interesse nenhum porque somos felizes. Somos felizes, somos tontaços, não podemos ter graça nem salvação. Muitos felizardos (a própria palavra tem um soar repelente, rimador de «javardo») vêem-se obrigados a fingir a dor que deveras não sentem, só para poderem «brincar» com os outros meninos.
É assim. Chega um infeliz ao pé de nós e diz que não sabe se há-de ir beber uma cerveja ou matar-se. E pergunta, depois de ter feito o inventário das tristezas das últimas 24 horas: «E tu? Sempre bem disposto, não?». O que é que se pode responder? Apetece mentir e dizer que nos morreu uma avó, que nos atraiçoou uma namorada, que nos atropelaram a cadelinha ali na estrada de Sines.
E, no entanto, as pessoas felizes também sofrem muito. Sofrem, sobretudo, de «culpa». Se elas estão felizes, rodeadas de pessoas tristes, é lógico que pensem que há ali qualquer coisa que não bate certo. As infelizes acusam sempre os felizes de terem a culpa.

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Tudo Deve Ser Contado pelo Menos uma Vez

Tudo o que nos acontece, tudo o que falamos ou nos é narrado, tudo quanto vemos com os nossos próprios olhos ou sai da nossa língua ou entra pelos nossos ouvidos, tudo aquilo a que assistimos (e por que, portanto, somos de certo modo responsáveis), há-de ter um destinatário fora de nós, e esse destinatário vai sendo seleccionado por nós em função do que acontece ou nos dizem ou então dizemos nós. Cada coisa deverá ser contada a alguém – nem sempre a mesma pessoa, não necessariamente -, e cada coisa vai-se colocando de parte como quem folheia e aparta e vai destinando prendas futuras numa tarde de compras.
Tudo deve ser contado pelo menos uma vez, ainda que, como havia determinado Rylands com a sua autoridade literária, deva ser contado segundo os tempos. Ou, o que vem a dar no mesmo, no momento justo e às vezes nunca mais se não se soube reconhecer ou se deixou passar deliberadamente esse momento preciso. Esse momento apresenta-se às vezes (a maioria das vezes) de maneira imediata, inequívoca e compulsiva, mas muitas outras vezes apresenta-se apenas confusamente e ao fim de lustros ou décadas, como acontece com os grandes segredos. Mas nenhum segredo pode ou deve ser guardado para sempre do conhecimento de toda a gente,

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SMS

Ela caminha já a tarde vai alta pelo passeio que segue paralelo ao mar, por cima das praias. Em baixo, a areia estende-se vazia até à água, acabando numa espuma branca, das ondas que rebentam com o fragor dos dias de Inverno. Vai sozinha. Cruza-se com jovens a passo de corrida, outros que deslizam em patins, um casal com o filho pequeno feliz na sua bicicleta de rodinhas, acompanhado por um cãozinho saltitante que corre para a frente e para trás em redor dele.
Leva na mão o telemóvel e nos olhos castanhos brilhantes uma esperança. Vai pensativa e sem horas, caminhando sem pressa, reparando nas pessoas, no mar desabrido que se atira à praia, no ar fresco que respira, no vento que se levanta com uma promessa de tempestade. Cruza o casaco grosso, azul-escuro, à frente do peito, sem apertar os botões. Cruza os braços. Uma folha de jornal passa por ela a esvoaçar, notícias antigas, pensa divertida, logo se concentrando no navio de carga iluminado que vem de Lisboa e ruma ao mar aberto com o vagar de quem tem um destino certo num dia certo.

Acaba por apertar os botões do casaco e levantar a gola para se sentir mais protegida do vento,

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O Substrato Afectivo Eterno

A familiaridade com um autor é a adesão ao mundo por ele criado. Podemos esquecer – e esquecemos – as subtilezas de estilo, o virtuosismo da composição, mas perdura por anos e anos, e às vezes para sempre, uma certa personagem, um certo lance, uma frase que nos faz estremecer, pois é predominantemente a este nível que um texto revela a sua comunicabilidade essencial. Isto é: a estima por um autor resulta sobretudo de ingredientes que nos impressionaram a sensibilidade, o que equivale a dizer: o privilégio de durar na memória dos homens tem, em regra, um substrato afectivo.

A Timidez

A verdade é que vivi muitos dos meus primeiros anos, e talvez os segundos e os terceiros, como uma espécie de surdo-mudo.
Ritualmente vestido de negro desde muito novinho, tal como se vestiam os verdadeiros poetas do século passado, tinha uma vaga impressão de não me apresentar muito mal. Mas, em vez de me aproximar das raparigas, ciente de que gaguejaria ou coraria diante delas, preferia passar de lado e afastar-me, ostentando um desinteresse que estava longe de sentir. Todas eram, para mim, um grande mistério. Preferiria morrer queimado naquela fogueira secreta, afogar-me naquele poço de enigmática profundidade, mas não me atrevia a atirar-me ao fogo ou à água. Ora, como não encontrava ninguém que me desse um empurrão, passava pelas margens dessas fascinações sem olhar sequer e muito menos sorrir.

Acontecia outro tanto com os adultos, gente mínima, funcionários de caminho-de-ferro e de correios e suas «senhoras esposas», assim intituladas porque a pequena burguesia se escandaliza, intimidada, diante da palavra mulher. Eu escutava as conversas à mesa do meu pai. Mas, no dia seguinte, se esbarrava na rua com quem tinha comido na noite anterior em minha casa, não me atrevia a cumprimentar e até mudava de rumo para evitar o mau bocado.

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Não Tenho Ninguém em Quem Confiar

Estou cansado de confiar em mim próprio, de me lamentar a mim mesmo, de me apiedar, com lágrimas, sobre o meu próprio eu. Acabo de ter uma espécie de cena com a tia Rita acerca de F. Coelho. No fim dela senti de novo um desses sintomas que cada vez se tornam mais claros e sempre mais horríveis em mim: uma vertigem moral. Na vertigem física há um rodopiar do mundo externo em relação a nós: na vertigem moral, um rodopiar do mundo interior. Parece-me perder, por momentos, o sentido da verdadeira relação das coisas, perder a compreensão, cair num abismo de suspensão mental. É uma pavorosa sensação esta de uma pessoa se sentir abalada por um medo desordenado.
Estes sentimentos vão-se tornando comuns, parecem abrir-me o caminho para uma nova vida mental, que acabará na loucura. Na minha família não há compreensão do meu estado mental — não, nenhuma. Riem-se de mim, escarnecem-me, não me acreditam. Dizem que o que eu pretendo é mostrar-me uma pessoa extraordinária. Nada fazem para analisar o desejo que leva uma pessoa a querer ser extraordinária. Não podem compreender que entre ser-se e desejar-se ser extraordinário não há senão a diferença da consciência que é acrescentada ao facto de se querer ser extraordinário.

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A Razão e o Entendimento

Houve muita gente que se ocupou da crítica da razão. Por mim, gostaria que dispuséssemos de uma crítica do entendimento humano. Seria por certo um benefício para a nossa espécie poder-se demonstrar de modo convincente ao entendimento comum até onde pode ele chegar, limite este que coincide exactamente com aquilo de que esse mesmo entendimento necessita para a plenitude da sua vida terrena.
O entendimento ilimitado, ao qual se rende o entendimento de cada indivíduo, e contra o qual a razão nada pode, ainda que nem sempre a nossa experiência sensível se conforme.

A Verdadeira Oportunidade

Uma das palavras que mais maltratadas têm sido, no entendimento que há delas, é a palavra oportunidade. Julgam muitos que por oportunidade se entende um presente ou favor do Destino, análogo a oferecerem-nos o bilhete que há-de ter a sorte grande. Algumas vezes assim é. Na realidade quotidiana, porém, oportunidade não quer dizer isto, nem o aproveitar-se dela significa o simplesmente aceitá-la. Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquele fenómeno exterior que pode ser transformado em consequências vantajosas por meio de um isolamento nele, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização desse ou desses. Tudo mais é herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada.

O Progresso não se Deve ao Instinto Prático

Precisamos de nos desfazer do actual preconceito que atribui o desenvolvimento da ciência moderna, vista a sua aplicabilidade, a um desejo pragmático de melhorar as condições da vida humana na terra. A história mostra claramente que a moderna tecnologia resultou não da evolução daquelas ferramentas que o homem sempre havia inventado para atenuar o labor e de erigir o artifício humano, mas exclusivamente da busca de conhecimento inútil, inteiramente desprovido de senso prático.
Assim, o relógio, um dos primeiros instrumentos modernos não foi inventado para os fins da vida prática, mas exclusivamente para a finalidade altamente «teórica» de realizar certas experiências com a natureza. É certo que esta intervenção, logo que a sua utilidade prática foi percebida, mudou o ritmo e a própria fisionomia da vida humana; mas isto, do ponto de vista dos inventores, foi um mero acidente.
Se tivéssemos de confiar apenas nos chamados instintos práticos do homem, jamais teria havido qualquer tecnologia digna de nota; e, embora as invenções técnicas hoje existentes tragam em si um dado impulso que, provavelmente, gerará melhoras até um certo ponto, é pouco provável que o nosso mundo condicionado à técnica pudesse sobreviver, e muito menos continuar a desenvolver-se, se conseguíssemos convencer-nos de que o homem é,

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Um Homem de Sucesso

Uma pessoa não é exatamente o que come, como diz o ditado e como eu próprio dei por garantido; uma pessoa é sobretudo o lugar onde come, e com quem come, e a correção com que nomeia o que come e a segurança com que escolhe, da ementa, os pratos certos, perante testemunhas. Um homem de sucesso é, muito especialmente, aquele que depois diz onde comeu e com quem. São essas coisas que definem o seu estatuto e a altitude a que voa, e que determinam se vaie a pena perder um quarto de hora com ele, pagar-lhe um copo e até tentar marcar um jantar para outro dia, estabelecer uma relação. Ou se, pelo contrário, deves responder-lhe que estás atrasado para uma reunião e consultar duas ou três vezes o relógio antes de te afastares rapidamente, mesmo que ele esteja disposto a pagar–te o jantar.

Sejamos Alegres

Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas — porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como,

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As Modas e os Ideais

As ideias gerais de qualquer período são, como coisa em si, em tudo respeitáveis e legítimas. São as ideias de então, e nada autoriza a dizer em absoluto que o pensamento do século XVII superava o do século XVIII, ou vice-versa. Como já se usaram saias de balão, usam-se agora outras modas. Ora as saias de balão, em relação ao tempo respectivo, eram perfeitamente correctas e de bom gosto. Mas basta a gente não ver cada coisa integrada no clima que a motivou, para que a sua aparência se torne ridícula e detestável. E por isso tão horrível é para uma senhora que usa saia rodada uma saia travadinha, como o contrário. E evidente que semelhantes bizantinices nada dizem a uma dama da renascença, imunizada como está do contingente pela consumação dos anos. Mas poderá quem respira ainda sublimar-se a ponto de perder o pé na vida? Certo que não. Todos nós temos visto homens de noventa anos morrer aos vivas a determinada Patuleia que os fez vibrar.