Textos sobre Contemplação

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Textos de contemplação escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Resgatar o Prazer de Viver

É possível resgatar o prazer de viver, é possível treinar a emoção para ser jovem, desprendida, livre, feliz.

Primeiro: Contemple o belo nos pequenos eventos da vida.
Tenha sempre atividades programadas fora da sua agenda pelo menos uma vez por semana. Valorize aquilo que o dinheiro não compra e que não dá prestígio.
Treine dez minutos por dia a contemplar a anatomia das flores, a gastar tempo a ver o brilho das estrelas, a experimentar o prazer de penetrar no mundo das pessoas.
Não viva em função de grandes eventos, aprenda a extrair o prazer dos pequenos estímulos da rotina diária.

Segundo: Irrigue o palco da mente com pensamentos agradáveis.
Treine trazer diariamente à sua memória aquilo que lhe traz esperança, serenidade e encanto pela vida. Pense em conquistar pessoas e em superar os seus obstáculos. Pense em ser íntimo do Autor da vida e conhecer os mistérios da existência.
Os seus maiores inimigos estão dentro de si. Não se deixe derrotar ou perturbar por pensamentos que lhe roubam a tranquilidade e o prazer de viver.
Treine ver o lado positivo de todas as coisas negativas. Os negativistas veem os raios,

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Concebemos apenas Átomos em Comparação com a Realidade das Coisas

A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio, é o seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e a fixá-la dentro dos seus justos limites, precisa de a comparar a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Que não se atenha, pois, a olhar para os objetos que o cercam, simplesmente, mas a contemplar a natureza inteira na sua alta e plena majestosidade. Considere esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insignificante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que a nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar . Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projectemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas.

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O Gosto pela Cultura

É mais difícil encontrar um gentleman que um génio. A marca mais distintiva de um homem culto é a possibilidade de aceitar um ponto de vista diferente do seu; pôr-se no lugar de outra pessoa e ver a vida e os seus problemas dessa perspectiva diferente. Estar disposto a experimentar uma ideia nova; poder viver nos limites das divergências intelectuais; examinar sem calor os problemas escaldantes do dia; ter simpatia imaginativa, largueza e flexibilidade de espírito, estabilidade e equilíbrio de sentimentos, calma ponderada para decidir – é ter cultura.
(…) A cultura vem da contemplação da natureza; do estudo da Literatura, Arte e Arquitectura com letras grandes; e do conhecimento pessoal das realidades emocionais da existência. É uma escala de valores, ou méritos, diferente da usada nas esferas dominadas pela ciência e pelo comércio. Vivemos numa cultura onde o sucesso é medido pelos bens materiais. É importante alcançar objectivos materiais, mas ainda é mais importante ser-se cidadão amadurecido, bem equilibrado e culto.

A cultura (…) está em nós e não sepultada em estranhas galerias. Significa bondade de espírito e é a base de um bom carácter. A plenitude da vida não vem das coisas exteriores a nós;

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É o Que a Gente Leva Desta Vida…

A persistência instintiva da vida através da aparência da inteligência é para mim uma das contemplações mais íntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciência serve somente para me destacar aquela inconsciência que não disfarça.
Da nascença à morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que têm os animais. Toda a vida não vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que não sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, são todos inconscientes – não porque neles falte a consciência, mas porque neles não há duas consciências.
Vislumbres de ter a ilusão – tanto, e não mais, tem o maior dos homens.
Sigo, num pensamento de divagação, a história vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo são servos do temperamento subconsciente, das circunstâncias externas alheias, dos impulsos de convívio e desconvívio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.
Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»…

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A Face Oculta dos Progressos Técnicos

Os progressos técnicos, que toda a gente está confundindo cada vez mais com progresso humano, vão criar cada vez mais também um suplemento de ócio que, excelente em si próprio, porque nos aproxima exactamente daquele contemplar dos lírios e das aves que deve ser nosso ideal, vai criar, olhado à nossa escala, uma força de ataque e de triunfo; mais gente vai ter cada vez mais tempo para ouvir rádio e para ir ao cinema, para frequentar museus, para ler revistas ou para discutir política, e sem que preparo algum lhe possa ter sido dado para utilizar tais meios de cultura: a consequência vai ser a de que a qualidade do que for fornecido vai descer cada vez mais e a de que tudo o que não for compreendido será destruído; raros novos beneditinos salvarão da pilhagem geral a sempre reduzida antologia que em tais coisas é possível salvar-se.
O choque mais violento vai dar-se exactamente, como era natural, nos países em que existir uma liberdade maior; nos outros, as formas autoritárias de regime de certo modo poderão canalizar mais facilmente a Humanidade para a utilização desse ócio; sucederá, porém, o seguinte: nos países não-livres, porque nenhum há livre,

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Somos para Nós mesmos Objecto de Descontentamento

Se os outros se observassem a si próprios atentamente como eu achar-se-iam, tal como eu, cheios de inanidade e tolice. Não posso livrar-me delas sem me livrar de mim mesmo. Estamos todos impregnados delas, mas os que têm consciência de tal saem-se, tanto quanto eu sei, um pouco melhor.
A ideia e a prática comuns de olhar para outros lados que não para nós mesmos de muito nos tem valido! Somos para nós mesmos objecto de descontentamento: em nós não vemos senão miséria e vaidade. Para não nos desanimar, a natureza muito a propósito nos orientou a visão para o exterior. Avançamos facilmente ao sabor da corrente, mas inverter a nossa marcha contra a corrente, rumo a nós próprios, é um penoso movimento: assim o mar se turva e remoinha quando em refluxo é impelido contra si mesmo.
Cada qual diz: «Olhai os movimentos do céu, olhai para o público, olhai para a querela deste homem, para o puso daquele, para o testamento daqueloutro; em suma, olhai sempre para cima ou para baixo, ou para o lado, ou para a frente, ou para trás de vós.»
O mandamento que na antiguidade nos preceituava aquele deus de Delfos ia contra esta opinião comum: «Olhai para dentro de vós,

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Quanto Mais Objectos de Interesse um Homem Tem, Mais Ocasiões Tem Também de Ser Feliz

Toda a desilusão é para mim uma doença que certas circunstâncias podem tornar inevitável, é verdade, mas que, quando se produz, nem por isso deve deixar de ser tratada o mais rápidamente possível, em vez de ser olhada como uma forma superior de sabedoria. Um homem, suponhamos, gosta de morangos e um outro não gosta; em que é que o último é superior ao primeiro? Não há nenhuma prova impessoal e abstracta de que os morangos sejam bons ou maus. Para quem gosta são bons, para quem não gosta são maus. Mas o homem que gosta tem um prazer que o outro não conhece; sobre este ponto, a sua vida é mais agradável e está melhor adaptado ao mundo onde ambos têm de viver.

O que é verdadeiro neste exemplo trivial é igualmente verdade nas questões mais importantes. O homem que gosta de assistir a desafios de futebol é sob esse aspecto supeior ao homem que não gosta. O que aprecia a leitura é ainda mais superior do que aquele que não a aprecia, pois as oportunidade de ler são mais frequentes do que as de ver desafios de futebol. Quanto mais objectos de interesse um homem tem,

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Velhice Reveladora

– Pode enganar-se a vida muito tempo, mas ela acaba sempre por fazer de nós aquilo para que somos feitos. Todos os velhos são um testemunho, vá, e se tantas velhices são vazias, é porque outros tantos homens o eram e o escondiam. Mas mesmo isto não tem importância. Era preciso que os homens pudessem saber que não há real, que existem mundos de contemplação… com ou sem ópio… em que tudo é vão…
– Onde se contempla o quê?
– Talvez nada mais que esta vaidade… É muito.

História não é só Cronologia

Um dos principais defeitos dos trabalhos históricos no nosso país parece-me ser a insulação de cada um dos aspectos sociais de qualquer época, que nunca se conhecerá, nem entenderá, enquanto a sociedade se não estudar em todas as suas formas de existir, enquanto se não contemplar em todos os seus caracteres.
Estas cartas, se merecerem a aprovação de V. Exas., poderão algum dia servir, no que tiverem de bom, se o tiverem, de esclarecimento e notas a uma parte da História Portuguesa, como eu concebo que ela se deveria escrever: história não tanto dos indivíduos como da Nação; história que não ponha à luz do presente o que se deve ver à luz do passado; história, enfim, que ligue os elementos diversos que constituem a existência de um povo em qualquer época, em vez de ligar um ou dois desses elementos, não com os outros que com ele coexistem, mas com os seus afins na sucessão dos tempos.
A história pode comparar-se a uma coluna polígona de mármore. Quem quiser examiná-la deve andar ao redor dela, contemplá-la em todas as suas faces. O que entre nós se tem feito, com honrosas excepções, é olhar para um dos lados,

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Mente ou Pedra

Esta cidade é conhecida em todos os arredores por possuir as maiores estrebarias para bois, vacas e cavalos, construções que não ficam a dever nada nem sequer aos edifícios públicos; por outro lado contam-se aqui pelos dedos os locais onde se pode rezar ou discursar com total liberdade.
Em vez de se autocelebrarem por meio da arquitectura, não deveriam as nações fazê-lo pelo poder do seu pensamento abstracto? O Bagavad-Gita é muito mais admirável do que todas as ruínas do oriente. Torres e templos são luxo de príncipes. A mente simples e livre não moureja sob as ordens de nenhum príncipe. O espírito não é privilégio de nenhum imperador, nem são exclusivos deste, a não ser em insignificante medida, a prata, o ouro e o mármore. Com que finalidade, digam-me lá, se talha tanta pedra?
Quando estive na Arcádia, não vi pedras a serem lavradas. As nações são possuídas pela louca ambição de perpetuarem a sua memória com a soma das esculturas que deixam. Que tal se esforços semelhantes fossem despendidos no sentido de aperfeiçoar e polir a sua conduta? Uma obra de bom senso seria mais memorável que um momumento da altura da Lua. Prefiro contemplar as pedras no seu local de origem.

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A Beleza Real

Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo, através do correcto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que consiste o proceder correctamente nos caminhos do amor ou por outro que se deixe conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para as belas ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.
Nesse ponto da vida, meu caro Sócrates, continuou a estrangeira de Mantinéia, se é que em outro mais, poderia o homem viver, a contemplar o próprio belo. Se algum dia o vires, não é como ouroou como roupa que ele te parecerá ser, ou como os belos jovens adolescentes, a cuja vista ficas agora aturdido e disposto, tu como outros muitos, contanto que vejam seus amados e sempre estejam com eles, a nem comer nem beber, se de algum modo fosse possível,

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O Português não Gosta de Trabalhar

O português não gosta de trabalhar. Se há uma tecnologia que trabalhe por ele, ela que avance. Ele tem coisas mais interessantes para fazer como poeta, do que a trabalhar. (…) O português trabalhou e trabalhou e trabalha sempre que for preciso. O que têm feito os emigrantes pelo mundo? Aonde eles vão e é preciso trabalhar, eles trabalham. (…) O português, dentro de determinadas condições, se a vida lhe fosse inteiramente favorável, ele gostaria muito mais de contemplar e poetar do que trabalhar. Mas quando é levado a uma função em tem que trabalhar, ele trabalha.

Apreciação Imparcial

Há poucos indivíduos a quem é dado contemplar uma obra de arte como espectadores tranquilos; mas é difícil encontrar um que seja capaz ou tenha a vontade, ao mesmo tempo que deixa a obra penetrá-lo, e escuta as suas impressões ou as palavras de outro, de permanecer simples observador. Sem se dar conta disso, torna-se crítico, procurando mostrar a sua força de juízo, exercer o seu humor e avaliar a sua própria pessoa.
O ingénuo fá-lo inicialmente, é certo, sem a menor intenção malévola; mas mesmo nele, as propriedades naturais do indivíduo não tardam a impôr os seus direitos – vaidade e pedantice, desejo de ser superior aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros – de tal modo que depressa estará mais decidido a desvelar as fraquezas de uma obra do que a aceitar os seus lados positivos.

Viver é…

Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo.
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera.
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital.

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Os Actos Valem mais que as Palavras

Nenhuma explicação verbal poderá alguma vez substituir a contemplação. A unidade do Ser não é transmissível pelas palavras. Se eu quisesse ensinar a homens, cuja civilização o desconhecesse, o que é o amor a uma pátria ou a uma quinta, não disporia de argumento algum para os convencer. São os campos, as pastagens e o gado que constituem uma quinta. Todos e cada um deles têm como missão produzir riqueza. No entanto, há alguma coisa na quinta que escapa à análise dos seus componentes, pois existem proprietários que, por amor à sua quinta, se arruinariam para a salvar. Pelo contrário, é essa «alguma coisa» que enriquece com uma qualidade particular os componentes. Estes tornam-se gado de uma quinta, prados de uma quinta, campos de uma quinta…
Assim se passa a ser homem de uma pátria, de um ofício, de uma civilização, de uma religião. Mas, para que alguém se reclame de tais Seres, convém, antes de mais, fundá-los em si próprio. E, se não existir o sentimento da pátria, nenhuma linguagem o transmitirá. O Ser de que nos reinvindicamos não o fundamos em nós senão por actos. Um Ser não pertence ao domínio da linguagem, mas dos actos. O nosso Humanismo desprezou os actos.

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Posse Cega

Afligir-se com o que se perdeu e não se rejubilar com o que foi salvo é necedade; só uma criança faria berreiro e atiraria fora o restante dos seus brinquedos se um lhe fosse tomado. Assim procedemos nós, quando a Fortuna nos é adversa num particular: tomamos o resto improfícuo com chorar e lamentarmo-nos.
– Que é que possuímos? – pode-se perguntar.
Que é que não possuímos? Este homem uma reputação, esse uma família, aquele uma esposa, aquele outro um amigo. No seu leito de morte, Antipater de Tarso fez um inventário das boas coisas que lhe haviam sucedido na vida e nele incluiu, mesmo, uma viagem feliz, que fizera de Cilícia a Atenas. As coisas simples não devem ser negligenciadas, mas levadas em conta. Devemo-nos sentir gratos por estarmos vivos, bem, e por nos ser dado ver o sol; por não haver guerra nem revolução; por a terra e o mar estarem ao dispor de quem deseje plantar ou velejar; por nos ser consentido escolher entre falar e agir ou ficar quietos, em paz, gozando do nosso repouso.
A presença destas bençãos aumentará ainda mais o nosso contentamento se imaginarmos como seria se não estivessem presentes;

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O Homem sem Luz

Ao ver a cegueira e a miséria do homem, ao contemplar todo o universo mudo e o homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido nesse recanto do universo, sem saber quem o depôs ali, o que aí veio fazer, o que será dele ao morrer, incapaz de qualquer conhecimento, sinto-me aterrorizado como um homem que tivessem levado adormecido para uma ilha deserta e aterrorizante e que despertasse sem saber onde está e sem condições de sair dali.

Os Práticos e os Contemplativos

Têm sentido de humor os que têm sentido prático. Quem descuida a vida, embevecido numa ingénua contemplação (e todas as contemplações são ingénuas), não vê as coisas com desprendimento, dotadas de livre, complexo e contrastante movimento, que forma a essência da sua comicidade. O típico da contemplação é, pelo contrário, determo-nos no sentimento difuso e vivaz que surge em nós ao contacto com as coisas. É aqui que reside a desculpa dos contemplativos: vivem em contacto com as coisas e, necessariamente, não lhes sentem as singularidades e características; sentem-nas, pura e simplesmente.
Os práticos – paradoxo – vivem distantes das coisas, não as sentem, mas compreendem o mecanismo que as faz funcionar. E só ri de uma coisa quem está distante dela. Aqui está, implícita, uma tragédia: habituamo-nos a uma coisa afastando-nos dela, quer dizer, perdendo o interesse. Daqui, a corrida afanosa.
Naturalmente, de um modo geral, ninguém é contemplativo ou prático de forma total, mas, como nem tudo pode ser vivido, resta sempre, mesmo aos mais experimentados, o sentimento de qualquer coisa.

A Mentira Perfeita

A mentira, a mentira perfeita, acerca das pessoas que conhecemos, sobre as relações que com elas tivemos, sobre o nosso móbil em determinada acção formulado por nós de uma forma completamente diferente, a mentira acerca do que somos, acerca do que amamos, acerca do que sentimos pela criatura que nos ama e que julga ter-nos tornado semelhante a ela porque passa o dia a beijar-nos, essa mentira é das únicas coisas no mundo que nos pode abrir perspectivas sobre algo de novo, de desconhecido, que pode abrir em nós sentidos adormecidos para a contemplação do universo que nunca teríamos conhecido.