Textos sobre Dizer

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Textos de dizer escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Existem Três Tipos de Escritores

Pode-se dizer que existem três tipos de autores. Em primeiro lugar, temos aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memória, das reminiscências, ou mesmo directamente dos livros dos outros. Esta classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há aqueles que pensam enquanto escrevem. Pensam para escrever. Muito vulgares. Em terceiro lugar, temos aqueles que pensaram antes de começar a escrever. Escrevem simplesmente porque pensaram. Muito raros.

Mesmo entre o pequeno número de escritores que pensam seriamente antes de começar a escrever, há extremamente poucos que pensam acerca do tema propriamente dito: os restantes pensam simplesmente em livros, naquilo que os outros disseram acerca do assunto. Necessitam, quer isso dizer, do estímulo próximo e poderoso das ideias produzidas por outras pessoas para conseguirem pensar. Essas ideias são, pois, o seu tema imediato, de modo que ficam constantemente sob a sua influência e, consequentemente, nunca alcançam a verdadeira originalidade. A minoria acima referida, por outro lado, é estimulada a pensar pelo tema em si, de modo que os seus pensamentos são dirigidos imediatamente para ele. Só entre esses se descobrem os escritores que perduram e se tornam imortais.
Só vale a pena ler a obra daquele que escreve directamente a partir da sua própria cabeça.

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O Bem Supremo

Muito discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (…) Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal são quimeras.Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.
Fortuna: – O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia: – Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: – Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude: – Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.

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O Homem é o Animal Menos Preparado

A capacidade do homem para o pensamento abstracto, que parece faltar à maioria dos outros mamíferos, conferiu-lhe sem dúvida o seu actual domínio sobre a superfície da Terra – um domínio disputado apenas por centenas de milhares de tipos de insectos e organismos microscópicos. Este pensamento abstracto é o responsável pela sua sensação de superioridade e pelo que, sob esta sensação, corresponde a uma certa medida de realidade, pelo menos dentro de estreitos limites. Mas o que é frequentemente subestimado é o facto de que a capacidade de desempenhar um acto não é, de forma alguma, sinónima de seu exercício salubre. É fácil observar que a maior parte do pensamento do homem é estúpida, sem sentido e injuriosa para ele. Na realidade, de todos os animais, ele parece o menos preparado para tirar conclusões apropriadas nas questões que afectam mais desesperadamente o seu bem-estar.
Tente imaginar um rato, no universo das ideias dos ratos, chegando a noções tão ocas de plausibilidade como, por exemplo, o Swedenborgianismo, a homeopatia ou a telepatia mental. O instinto natural do homem, de facto, nunca se dirige para o que é sólido e verdadeiro; prefere tudo que é especioso e falso. Se uma grande nação moderna se confrontar com dois problemas antagónicos – um deles baseado em argumentos prováveis e racionais,

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A Palavra Secreta

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade.

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Dizer Mal dos Outros, Ouvir Falar Mal de Nós

Uma das formas mais universais de irracionalidade é a atitude tomada por quase toda a gente em relação às conversas maldizentes. Muito poucas pessoas sabem resistir à tentação de dizer mal dos seus conhecimentos e mesmo, se a ocasião se proporciona, dos seus amigos; no entanto, quando sabem que alguma coisa foi dita em seu desabono, enchem-se de espanto e indignação. Certamente nunca lhes ocorreu ao espírito que da mesma forma que dizem mal de não importa quem, alguém possa dizer mal deles. Esta é uma forma atenuada da atitude que, quando exagerada, conduz à mania da perseguição.
Exigimos de toda a gente o mesmo sentimento de amor e de profundo respeito que sentimos por nós próprios. Nunca nos ocorre que não devemos exigir que os outros pensem melhor de nós do que nós pensamos a respeito deles e não nos ocorre porque aos nossos olhos os méritos são grandes e evidentes ao passo que os dos outros, se na realidade existem, só são reconhecidos com certa benevolência. Quando o leitor ouve dizer que alguém disse qualquer coisa desprimorosa a seu respeito, lembra-se logo das noventa e nove vezes que reprimiu o desejo de exprimir, sobre esse alguém, a crítica que considerava justa e merecida,

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A Amizade como Auxiliar da Virtude

A maioria dos homens, na sua injustiça, para não dizer na sua imprudência, quer possuir amigos tais como eles próprios não seriam. Exigem o que não têm. O que é justo é que, primeiro, sejamos homens de bem e em seguida procuremos o que nos pareça sê-lo. Só entre homens virtuosos se pode estabelecer esta conveniência em amizade, sobre a qual insisto há muito tempo. Unidos pela benevolência, guiar-se-ão nas paixões a que se escravizam os outros homens. Amarão a justiça e a equidade. Estarão sempre prontos a tudo empreender uns pelos outros, e não se exigirão reciprocamente nada que não seja honesto e legítimo. Enfim, terão uns para os outros, não somente deferências e ternuras, mas, também, respeito. Eliminar o respeito da amizade é podar-lhe o seu mais belo ornamento.
É pois erro funesto crer que a amizade abre via livre às paixões e a todos os géneros de desordens. A natureza deu-nos a amizade, não como cumplice do vício, mas como auxiliar da virtude.
A fim de que a virtude, que, sozinha, não poderia chegar ao ápice, pudesse atingi-lo com o auxílio e o apoio de tal companhia. Aqueles para quem esta aliança existe, existiu ou existirá,

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O Provincianismo Português (II)

Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”. Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação complexa. Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental — a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás,

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As Nossas Possibilidades de Felicidade

É simplesmente o princípio do prazer que traça o programa do objectivo da vida. Este princípio domina a operação do aparelho mental desde o princípio; não pode haver dúvida quanto à sua eficiência, e no entanto o seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo como com o microcosmo. Não pode simplesmente ser executado porque toda a constituição das coisas está contra ele; poderíamos dizer que a intenção de que o homem fosse feliz não estava incluída no esquema da Criação. Aquilo a que se chama felicidade no seu sentido mais restrito vem da satisfação — frequentemente instantânea — de necessidades reprimidas que atingiram uma grande intensidade, e que pela sua natureza só podem ser uma experiência transitória. Quando uma condição desejada pelo princípio do prazer é protelada, tem como resultado uma sensação de consolo moderado; somos constituídos de tal forma que conseguirmos ter prazer intenso em contrastes, e muito menos nos próprios estados intensos. As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz.
O sofrimento tem três procedências: o nosso corpo, que está destinado à decadência e dissolução e nem sequer pode passar sem a ansiedade e a dor como sinais de perigo;

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Não são os cabelos brancos que fazem o ancião; de qualquer velho que só tenha idade, pode-se dizer que envelheceu em vão.

O Segredo das Mulheres

Como os homens andam sempre atrasados em relação às mulheres (porque só pensam numa coisa de cada vez e acham que falar acerca das coisas é pior do que fazê-las), quem sabe se não é estudando o comportamento feminino de hoje que poderemos vislumbrar o nosso macaquismo masculino de amanhã?
As mulheres de hoje sabem quem lhes pode fazer mal: são as outras mulheres. Os homens, por muito amados e queridos, nem sequer são considerados competidores. São como são, têm a inteligência e o material que têm – e que Deus os abençoe por ser assim, como os pêssegos-rosa e os arcos-íris e todos os outros fenómenos naturais que são difíceis de prever e de controlar.

O segredo das mulheres, que nenhum homem pode perceber, a não ser que seja amado por alguma que se sinta suficientemente amada por um para lhe contar mais do que o suficiente para ele continuar a existir tal como é (que mais não se lhe pede) é: os homens não entram na equação. É tudo uma questão entre elas.
Elas são espertas. É por isso que morrem de medo umas das outras. Conhecem o perigo e sabem quem pode emperigá-las.

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Ser Português, Ainda

Para ser português, ainda, vive-se entre letras de poemas e esperanças, cantigas e promessas, de passados esquecidos e futuros desejados, sem presente, sem pensamento, sem Portugal. Para ser português, ainda, aprende-se a existir no gume da tristeza, como um equilibrista num andaime de navalhas levantadas, numa obra que se vai construindo sob uma arquitectura de demolição. Tínhamos direito a um Portugal inteiro, com povo e com a terra, mas o povo enlouqueceu e a terra foi arrasada e tudo o que era pátria, doce e atrevida, se afasta à medida que olhamos para ela, tal é a ânsia de apagamento e de perdição. Restam-nos sons e riscos. Portugal encolheu-se. Escondeu-se nos poetas e cantores. Recolheu-se nas vozes fundas de onde nasceu. Portugal abrigou-se em portugueses e portuguesas nos quais uma ideia de Portugal nunca se perdeu.

Para se ser português, ainda, é preciso estreitar os olhos e molhar a garganta com vinho tinto para poder gritar que isto assim não é Portugal, não é país, não é nada. Torna-se cada vez mais difícil que o povo e a terra e a ideia se possam alguma vez reunir.
É preciso defender violentamente as instituições: a Universidade, o Parlamento,

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Falar com Coração

Não é possível dominares as palavras nem, por exemplo, uma qualquer audiência que tenhas à frente se não tiveres um total e absoluto conhecimento a teu próprio respeito, se não confiares em ti e se não tiveres como hábito dar voz aos teus sentidos. Vai sempre soar a falso. Não é possível agarrares uma plateia nem mexer com as emoções de quem te ouve se não te vulnerabilizares, se não te assumires como o ser humano que és e se tudo o que disseres já tiver sido dito por outros. Vais fazer figura de parvo. E não esperes nunca sensibilizar ou gerar identificação em alguém se não falares sobre ti mesmo, se não te expuseres ao erro e se não partilhares o segredo que tu próprio desvendaste para superar um qualquer problema. Vais ver as pessoas a bocejar. As pessoas precisam de saber que não são as únicas a ter problemas por resolver, que há mais gente em busca de si mesma, com crises existenciais e que errar é, afinal, absolutamente humano, assim como desvendar soluções para tudo. É isso que gera identificação, é isso que fortalece os laços entre as pessoas e é isso que te torna num bom comunicador.

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A Memória é Como o Ventre da Alma

Encerro também na memória os afectos da minha alma, não da maneira como os sente a própria alma, quando os experimenta, mas de outra muito diferente, segundo o exige a força da memória.
Não é isto para admirar, tratando-se do corpo: porque o espírito é uma coisa e o corpo é outra. Por isso, se recordo, cheio de gozo, as dores passadas do corpo, não é de admirar. Aqui, porém, o espírito é a memória. Efectivamente, quando confiamos a alguém qualquer negócio, para que se lhe grave na memóra, dizemos-lhe: «vê lá, grava-o bem no teu espírito». E quando nos esquecemos, exclamamos: «não o conservei no espírito», ou então: «escapou-se-me do espírito»; portanto, chamamos espírito à própria memória.
Sendo assim, porque será que, ao evocar com alegria as minhas tristezas passadas, a alma contém a alegria e a memória a tristeza, de modo que a minha alma se regozija com a alegria que em si tem e a memória se não entristece com a tristeza que em si possui? Será porque não faz parte da alma? Quem se atreverá a afirmá-lo?
Não há dúvida que a memória é como o ventre da alma. A alegria, porém, e a tristeza são o seu alimento,

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Morre-se Agora Muito Tarde

Pensando bem, vale mais morrer já, morre-se agora muito tarde. Quero dizer, muito depois de ter morrido muita coisa à nossa volta e dentro de nós. A vida humana estendeu-se e o que havia nela encolheu. A vida humana é assim vagarosa, «objectivamente» vagarosa, mas o que acontece dentro dela é rapidíssimo (…) Porque aos vinte e cinco anos, digamos aos trinta, temos o farnel pronto para a viagem. Antigamente dava para a viagem toda, agora temos de nos abastecer outra vez – com quê?
Temos a bagagem pronta, o amor, as ideias, o corte das camisas e do cabelo, tudo na mala – como aguentar até aos setenta sem mudar de mala nem de camisas? Mesmo que as camisas sejam novas. Imagina agora tu a usares o coco do teu avô.

Filosofia Simplificada

É uma objecção pobre contra um filósofo dizer que é ininteligível. Ininteligibilidade é um conceito relativo, e aquilo que o Caio ou Ticiano frequentemente louvado não entende nem por isso é ininteligível. E mesmo a filosofia tem, de facto, algo que segundo a sua natureza sempre permanecerá ininteligível à grande multidão. Mas é algo inteiramente outro se a ininteligibilidade está na coisa mesma. – Ocorre frequentemente que cabeças que, com grande exercício e habilidade, mas sem possuirem propriamente inventividade para tarefas mecânicas, se dispõem, por exemplo, a inventar uma máquina de tornear garrafas – fabricam perfeitamente uma, mas o mecanismo é tão difícil e artificioso ou as engrenagens rangem tanto, que se prefere voltar a tornear garrafas com as mãos, à moda antiga. O mesmo pode perfeitamente passar-se na filosofia. O sofrimento com a ignorância sobre os objectos primeiros, sobre os maiores, para todos os homens que sentem, que não são embotados ou estreitamente auto-suficientes, é grande e pode aumentar até se tornar insuportável. Mas se o martírio de um sistema antinatural é maior do que aquele fardo da ignorância, prefere-se no entanto continuar a suportar este. Pode-se bem admitir que também a tarefa da filosofia, se é em geral resolúvel,

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Falar com Estranhos

Já reparou? E mais fácil ser-se verdadeiro com os estranhos. As pessoas que viajam de comboio começam a falar com estranhos e contam coisas que nunca contaram aos amigos, porque, com um estranho, não se sentem envolvidas. Meia hora mais tarde, chegam ao seu destino e saem; esquecem e o estranho esquecerá tudo aquilo que lhe contaram. Por isso nada do que lhe disseram tem qualquer importância. Não se correm riscos com um estranho.

Ao falar com estranhos, as pessoas são mais verdadeiras e revelam o seu coração. Mas ao falar com os amigos, com os familiares — pai, mãe, mulher, marido, irmão, irmã — há uma profunda inibição inconsciente. «Não digas isso, ele pode ficar magoado. Não faças isso, ela pode não gostar. Não te comportes dessa maneira, o pai é velho, pode ficar chocado.» Então a pessoa continua a controlar-se. A pouco e pouco, a verdade cai na cave do seu ser e ela torna-se muito esperta e astuciosa com o não verdadeiro. Continua a fazer falsos sorrisos, que não passam de pinturas nos lábios. Continua a dizer coisas simpáticas, sem qualquer significado. Começa a sentir-se aborrecida com o namorado ou com os pais, mas continua a dizer: «Estou muito contente por te ver!» Enquanto isso,

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O Significado do Amor

O significado do amor é este: que pelo menos na presença de uma pessoa possamos mostrar-nos completamente a nu. Sabemos que ela ama, pelo que não interpretará mal. Sabemos que ela ama, portanto o medo desaparece. Pode revelar-se tudo. Podem abrir-se todas as portas, pode convidar-se essa pessoa a entrar. Pode começar-se a participar no ser do outro.
O amor é participação, por isso, pelo menos com os seres amados, não seja falso. Não estou a dizer para ser verdadeiro na praça pública, porque isso criaria problemas desnecessários neste preciso momento. Mas comece com o amante, depois com a família, depois com pessoas que estejam mais afastadas de si. A pouco e pouco, aprenderá que ser verdadeiro é tão belo que estará disposto a perder tudo por causa disso. Depois na praça pública – depois a verdade passa simplesmente a ser a sua maneira de viver. O alfabeto do amor, da verdade, deve ser aprendido com aqueles que nos são mais próximos porque esses compreenderão.

O Nascimento de um Poema

Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo. Como na infância, quando se fica à porta de um quarto obscuro e vazio. Fica-se durante um minuto uma brisa levanta-se nos confins da obscuridade: um redemoinho no ar, uma luz, uma iluminação talvez? Estamos prontos para o assentimento. Outro minuto, cinco, dez, ali, diante do anúncio suspenso e ameaçador: não acontece nada. Poder-se-ia esperar um dia inteiro, dias seguidos. As vezes pára-se no meio de um jardim ou de um parque ou de uma avenida deserta. São variantes do quarto. Acontece o mesmo, quero dizer: não acontece na¬da. A suspeita apenas de que nos aguarda uma espécie de graça reticente, um dom reticente. Ou contempla-se um rosto, alguém que se ama, um ser imediato; ou então um rosto desconhecido, defendido. Pensamos: é uma vida nova, uma força nova e profunda, é uma paisagem misteriosa, profunda e nova que se relaciona intimamente connosco: vai revelar-se. E a outra pessoa olha para nós perdida nas perspectivas inquietas da nossa contemplação. E recomeça-se. O mesmo, sempre. Nada. Por isso surpreendeu-me a, diga¬mos, coerência vertical do volume, e o seu comprimento de onda,

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