Textos sobre Humanos

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Textos de humanos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Os Especialistas São Muitos e Felizes

Um especialista é um homem que sabe qualquer coisa de uma coisa e nada de todas as coisas. De uma coisa não se pode saber senão qualquer coisa, porque o conhecimento humano é limitado. E, para perceber qualquer coisa seria preciso perceber todas as coisas, pois uma coisa é parte de todas as coisas. O especialista, pois, é um homem que não sabe nada e vive dessa ciência.

O especialista é útil apenas quando a sua especialidade é tão restrita que não tem importância. Pode haver bons especialistas de pregar pregos; não pode haver bons especialistas de construção de civilizações. Há muito bons cavadores e nenhum bom psiquiatra.
O especialista é um homem que tem a opinião dos outros, embora sobre um só assunto. O especialista é incapaz de iniciativa. Por isso os especialistas são muitos e felizes.

Álvaro de

A Diferença entre Ficção e Crença

Não há nada mais livre do que a imaginação humana; embora não possa ultrapassar o stock primitivo de ideias fornecidas pelos sentidos externos e internos, ela tem poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir estas ideias em todas as variedades da ficção e da fantasia imaginativa e novelesca. Ela pode inventar uma série de eventos com toda a aparência de realidade, pode atribuir-lhes um tempo e um lugar particulares, concebê-los como existentes e des­crevê-los com todos os pormenores que correspondem a um facto histórico, no qual ela acredita com a máxima certeza. Em que consiste, pois, a diferença entre tal ficção e a crença?
Ela não se localiza sim­plesmente numa ideia particular anexada a uma concepção que obtém o nosso assentimento, e que não se encontra em nenhuma ficção conhecida. Pois, como o espírito tem autoridade sobre todas as suas ideias, poderia voluntariamente anexar esta ideia particular a uma ficção e, por conseguinte, seria capaz de acreditar no que lhe agradasse, embora se opondo a tudo que encontramos na experiência diária. Po­demos, quando pensamos, juntar a cabeça de um homem ao corpo de um cavalo, mas não está em nosso poder acreditar que semelhante animal tenha alguma vez existido.

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Os Caminhos Insondáveis do Progresso da Humanidade

O progresso não é necessário por uma necessidade metafísica: pode-se dizer apenas que muito provavelmente a experiência acabará por eliminar as falsas soluções e por se livrar dos impasses. Mas a que preço, por quantos meandros? Não se pode nem mesmo excluir, em princípio, que a humanidade, como uma frase que não se consegue concluir, fracasse no meio do caminho.
Decerto o conjunto dos seres conhecidos pelo nome de homens e definidos pelas características físicas que se conhecem tem também em comum uma luz natural, uma abertura ao ser que torna as aquisições da cultura comunicáveis a todos eles e somente a eles. Mas esse lampejo que encontramos em todo o olhar dito humano é visto tanto nas formas mais cruéis do sadismo quanto na pintura italiana. É justamente ele que faz com que tudo seja possível da parte do homem, e até o fim.

Um Cérebro Ilimitado

Uma das coisas únicas do cérebro humano é que pode fazer apenas o que pensa poder fazer. No momento em que diz “A minha memória já não é o que era” ou “Hoje não me lembro de uma só coisa”, está de facto a treinar o cérebro para corresponder às suas diminuídas expetativas. Baixas expetativas equivalem a baixos resultados. A primeira regra do supercérebro é que o seu cérebro está sempre a espiar os seus pensamentos. Assim escuta, assim aprende. Se lhe ensinar limitação, o seu cérebro ficará limitado. Mas, e se fizer o oposto? E se ensinar o seu cérebro a ser ilimitado?

Pense no seu cérebro como sendo um piano de cauda Steinway. Todas as teclas estão no lugar, prontas a soar ao toque de um dedo. Seja um principiante a sentar-se ao teclado ou um virtuoso de renome mundial como Vladimir Horowitz ou Arthur Rubinstein, o instrumento é fisicamente o mesmo. Mas a música que dele ressoará será inteiramente diferente. O principiante usa menos de 1% do potencial do piano; o virtuoso transcende os limites do instrumento.
Se o mundo da música não dispusesse de virtuosos, ninguém jamais adivinharia as coisas espantosas que um Steinway de cauda pode fazer.

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O Homem não Deseja a Paz

Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego colectivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em acção. Da paz se diz que é «podre», porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inactividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.

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O Bem Supremo

Muito discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (…) Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal são quimeras.Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.
Fortuna: – O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia: – Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: – Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude: – Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.

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O Homem Age Sempre Bem

Não acusamos a Natureza de imoral, se ela nos manda uma tro­voada e nos molha: porque chamamos imoral à pes­soa que prejudica? Porque, aqui, admitimos uma vontade livre exercendo-se arbitrariamente; ali, uma necessidade. Mas essa distinção é um erro. E mais: nem em todas as circunstâncias chamamos «imoral» mesmo ao acto de lesar com intenção; por exemplo, mata-se deliberadamente um mosquito, sem hesita­ção, apenas porque o seu zumbido nos desagrada, castiga-se com intenção o criminoso e inflige-se-Ihe sofrimento, para nos protegermos a nós e à socieda­de. No primeiro caso, é o indivíduo que, para se manter ou até para não se expor a um desagrado, faz sofrer intencionalmente; no segundo, é o Estado. Toda a moral aceita que se faça mal de propósito, em legítima defesa: ou seja, quando se trata da conser­vação de si próprio! Mas estes dois pontos de vista bas­tam para explicar todas as más acções cometidas por seres humanos contra seres humanos: ou se quer prazer para si ou se quer evitar desprazer; em qual­quer dos sentidos, trata-se sempre da conservação de si próprio. Sócrates e Platão também têm razão: seja o que for que o homem faça, ele faz sempre o bem, is­to é, aquilo que lhe parece bom (útil),

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As Perguntas Verdadeiramente Importantes

As perguntas verdadeiramente importantes são as que uma criança pode formular – e apenas essas. Só as perguntas mais ingénuas são realmente perguntas importantes. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma pergunta para a qual não há resposta é um obstáculo para lá do qual não se pode passar. Ou, por outras palavras: são precisamente as perguntas para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência.

O Homem é o Animal Menos Preparado

A capacidade do homem para o pensamento abstracto, que parece faltar à maioria dos outros mamíferos, conferiu-lhe sem dúvida o seu actual domínio sobre a superfície da Terra – um domínio disputado apenas por centenas de milhares de tipos de insectos e organismos microscópicos. Este pensamento abstracto é o responsável pela sua sensação de superioridade e pelo que, sob esta sensação, corresponde a uma certa medida de realidade, pelo menos dentro de estreitos limites. Mas o que é frequentemente subestimado é o facto de que a capacidade de desempenhar um acto não é, de forma alguma, sinónima de seu exercício salubre. É fácil observar que a maior parte do pensamento do homem é estúpida, sem sentido e injuriosa para ele. Na realidade, de todos os animais, ele parece o menos preparado para tirar conclusões apropriadas nas questões que afectam mais desesperadamente o seu bem-estar.
Tente imaginar um rato, no universo das ideias dos ratos, chegando a noções tão ocas de plausibilidade como, por exemplo, o Swedenborgianismo, a homeopatia ou a telepatia mental. O instinto natural do homem, de facto, nunca se dirige para o que é sólido e verdadeiro; prefere tudo que é especioso e falso. Se uma grande nação moderna se confrontar com dois problemas antagónicos – um deles baseado em argumentos prováveis e racionais,

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A Palavra Secreta

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade.

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As Nossas Possibilidades de Felicidade

É simplesmente o princípio do prazer que traça o programa do objectivo da vida. Este princípio domina a operação do aparelho mental desde o princípio; não pode haver dúvida quanto à sua eficiência, e no entanto o seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo como com o microcosmo. Não pode simplesmente ser executado porque toda a constituição das coisas está contra ele; poderíamos dizer que a intenção de que o homem fosse feliz não estava incluída no esquema da Criação. Aquilo a que se chama felicidade no seu sentido mais restrito vem da satisfação — frequentemente instantânea — de necessidades reprimidas que atingiram uma grande intensidade, e que pela sua natureza só podem ser uma experiência transitória. Quando uma condição desejada pelo princípio do prazer é protelada, tem como resultado uma sensação de consolo moderado; somos constituídos de tal forma que conseguirmos ter prazer intenso em contrastes, e muito menos nos próprios estados intensos. As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz.
O sofrimento tem três procedências: o nosso corpo, que está destinado à decadência e dissolução e nem sequer pode passar sem a ansiedade e a dor como sinais de perigo;

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Pensar Custa

Pensar é a todo momento e a todo custo. Pensar dói, cansa e só traz aborrecimentos. Melhor é não pensar. Mas pensar não é facultativo. Se o cérebro, a mínima parte dele que seja, deixa de estar alerta por um momento, penetram lá, como parasitas difíceis de erradicar, «ideias» vindas da imprensa, do rádio, da televisão, da propaganda geral, dos produtos em série, do consumo degenerado, dos doutores em lei, arte, literatura, ciência, política, sociologia. Essa massa de desinformação, não só inútil como nociva, nos é, aliás, imposta de maneira criminosa nos primeiros anos de nossa vida. E se, algum dia, chegamos a pensar no verdadeiro sentido do termo, todo o restante esforço da existência é para nos livrarmos de uma lamentável herança cultural. Pois, infelizmente, o cérebro humano é um dos poucos órgãos do corpo que não têm uma válvula excretora. E as fezes culturais ficam lá, nos envenenando pelo resto da vida, transformando o mais complexo e mais nobre órgão do corpo numa imensa fossa, imunda e fedorenta. Um lamentável erro da Criação.

O Elixir do Prazer

Que é, pois, o que se opera na alma, quando se deleita mais com as coisas encontradas ou reavidas que estima, do que se as possuísse sempre? Há, na verdade, muitos outros exemplos que o afirmam. Abundam os testemunhos que nos gritam: -«É assim mesmo!». Triunfa o general vitorioso. Mas não teria alcançado a vitória se não tivesse pelejado e quanto mais grave foi o perigo no combate, tanto maior é o gozo no triunfo. A tempestade arremessa os marinheiros, ameaçando-os com o naufrágio: todos empalidecem com a morte iminente. Mas tranquilizam-se o céu e o mar, e todos exultam muito, porque muito temeram. Está doente um amigo e o seu pulso acusa perigo. Todos os que o desejam ver curado sentem-se simultaneamente doentes na alma. Melhora. Ainda não recuperou as forças antigas e já reina tal júbilo qual não existia antes, quando se achava são e forte.
Até os próprios prazeres da vida humana não se apossam do coração do homem só por desgraças inesperadas e fortuitas, mas por moléstias previstas e voluntariamente procuradas. Não há prazer nenhum no comer e beber, se o incómodo da fome e da sede o não precede. Por isso, os ébrios costumam tomar certos alimentos salgados,

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Os Laços Afetivos

Criar intimidade entre si e outra pessoa não implica perder a sua noção de Eu nem diluir-se no outro. Para criar efetivamente laços com outra pessoa, ambos têm de manter a sua integridade e individualidade. Caso contrário, o resultado será uma amálgama disfuncional. Para estabelecer uma analogia com o corpo humano, as células dos olhos criam uma ligação entre si para permitir a visão. Cada célula tem de se articular com todas as outras e isso implica que cada uma delas mantenha a sua estrutura e função individuais ao serviço da operação mais complexa da visão. Quando estabelecemos laços com outros, estamos simplesmente a ser aquilo que somos enquanto partilhamos um objetivo ou atividade comuns.

É tão simples quanto isso. Talvez saia com um grupo de pessoas para garantir um parecer favorável na reunião da tarde e entretanto desenvolva um sentimento de camaradagem e acabem por ir jantar fora e partilhar as vossas histórias. Esta é uma experiência de criação de laços afetivos. Ao contrário de certos medos que possamos ter do que possa levar-nos a perder a identidade, a criação de laços afetivos saudáveis fortalece a nossa confiança e autoestima.

O Riso é o Melhor Indicador da Alma

Acho que, na maioria dos casos, quando uma pessoa se ri torna-se nojento olharmos para ela. Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba que efeito o seu riso provoca. Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula.
Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso carácter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos.
Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade,

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A Motivação do Ser Humano

Desde o pecado original fomos essencialmente iguais para conhecer o bem e o mal; no entanto, é exactamente neste ponto que buscamos as nossas vantagens particulares. Mas é só além desse conhecimento que começam as verdadeiras diferenças. A aparência recíproca é provocada pelo seguinte: ninguém consegue contentar-se apenas com o conhecimento, mas tem de lutar para agir de acordo com ele. Contudo, não lhe foi atribuída a força para fazer isso; em consequência, ele tem de se destruir, mesmo correndo o risco de não adquirir com isso o poder necessário, mas não lhe resta nada senão essa última tentativa. (É este também o sentido da ameaça de morte associada à proibição de comer da árvore do conhecimento; talvez também o sentido original da morte natural). Ora, ele tem uma tentativa; prefere revogar o conhecimento do bem e do mal; (a expressão «pecado original» tem origem nesse medo) mas o que aconteceu não pode ser suprimido, apenas turvado. É com esse objectivo que as motivações vêm à tona; com efeito, todo o mundo visível talvez não seja outra coisa senão uma motivação do ser humano para a sua vontade de descansar um momento. Uma tentativa de falsear o facto do conhecimento,

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O Liberalismo

O regime liberal é aquele em que os direitos da pessoa são apenas considerados inalienáveis aos interesses da comunidade. Por isso, nele se procura assegurar nas leis e na prática o respeito da pessoa mediante o efetivo exercício daqueles direitos, mas não a destruição dela pela anarquia totalitária ou libertária.

(…) Se se entende por liberal todo aquele que acha indispensável que qualquer solução política respeite as liberdades e os direitos fundamentais da pessoa humana, sou efetivamente liberal. Se, por outro lado, se limita a conceção de liberalismo ao campo exclusivamente económico e se tem como liberal aquele que preconiza a abstenção do poder político em relação ao campo económico e ao campo social, nesse sentido não sou liberal.

Só Sente Ansiedade pelo Futuro aquele cujo Presente é Vazio

O principal defeito da vida é ela estar sempre por completar, haver sempre algo a prolongar. Quem, todavia, quotidianamente der à própria vida “os últimos retoques” nunca se queixará de falta de tempo; em contrapartida, é da falta de tempo que provém o temor e o desejo do futuro, o que só serve para corroer a alma. Não há mais miserável situação do que vir a esta vida sem se saber qual o rumo a seguir nela; o espírito inquieto debate-se com o inelutável receio de saber quanto e como ainda nos resta para viver. Qual o modo de escapar a uma tal ansiedade? Há um apenas: que a nossa vida não se projecte para o futuro, mas se concentre em si mesma. Só sente ansiedade pelo futuro aquele cujo presente é vazio. Quando eu tiver pago tudo quanto devo a mim mesmo, quando o meu espírito, em perfeito equilíbrio, souber que me é indiferente viver um dia ou viver um século, então poderei olhar sobranceiramente todos os dias, todos os acontecimentos que me sobrevierem e pensar sorridentemente na longa passagem do tempo! Que espécie de perturbação nos poderá causar a variedade e instabilidade da vida humana se nós estivermos firmes perante a instabilidade?

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Ser Português, Ainda

Para ser português, ainda, vive-se entre letras de poemas e esperanças, cantigas e promessas, de passados esquecidos e futuros desejados, sem presente, sem pensamento, sem Portugal. Para ser português, ainda, aprende-se a existir no gume da tristeza, como um equilibrista num andaime de navalhas levantadas, numa obra que se vai construindo sob uma arquitectura de demolição. Tínhamos direito a um Portugal inteiro, com povo e com a terra, mas o povo enlouqueceu e a terra foi arrasada e tudo o que era pátria, doce e atrevida, se afasta à medida que olhamos para ela, tal é a ânsia de apagamento e de perdição. Restam-nos sons e riscos. Portugal encolheu-se. Escondeu-se nos poetas e cantores. Recolheu-se nas vozes fundas de onde nasceu. Portugal abrigou-se em portugueses e portuguesas nos quais uma ideia de Portugal nunca se perdeu.

Para se ser português, ainda, é preciso estreitar os olhos e molhar a garganta com vinho tinto para poder gritar que isto assim não é Portugal, não é país, não é nada. Torna-se cada vez mais difícil que o povo e a terra e a ideia se possam alguma vez reunir.
É preciso defender violentamente as instituições: a Universidade, o Parlamento,

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Falar com Coração

Não é possível dominares as palavras nem, por exemplo, uma qualquer audiência que tenhas à frente se não tiveres um total e absoluto conhecimento a teu próprio respeito, se não confiares em ti e se não tiveres como hábito dar voz aos teus sentidos. Vai sempre soar a falso. Não é possível agarrares uma plateia nem mexer com as emoções de quem te ouve se não te vulnerabilizares, se não te assumires como o ser humano que és e se tudo o que disseres já tiver sido dito por outros. Vais fazer figura de parvo. E não esperes nunca sensibilizar ou gerar identificação em alguém se não falares sobre ti mesmo, se não te expuseres ao erro e se não partilhares o segredo que tu próprio desvendaste para superar um qualquer problema. Vais ver as pessoas a bocejar. As pessoas precisam de saber que não são as únicas a ter problemas por resolver, que há mais gente em busca de si mesma, com crises existenciais e que errar é, afinal, absolutamente humano, assim como desvendar soluções para tudo. É isso que gera identificação, é isso que fortalece os laços entre as pessoas e é isso que te torna num bom comunicador.

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