Obra Suprema
É notável que toda a obra de fôlego, pela qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.
Nascem as grandes obras da literatura com um carácter análogo ao das grandes crenças religiosas: nelas a um tempo se encontra, e numa mistura indestrinçável, a arte, a moral, e a metafísica.
Obra suprema é aquela em que (a par, é certo, da rígida construção que assinala os mestres) pensamento original e emoção individual se reúnem e se fundem…
Textos sobre Indivíduo
237 resultadosA tristeza impede o indivíduo de reflectir com toda a liberdade e adquirir a paz interior.
A Tragédia e Comédia da Vida
A vida é um mar repleto de rochedos e turbilhões, que o homem evita com a máxima precaução e cautela, embora saiba que, quando consegue insinuar-se por eles como todo o esforço e arte, justamente por isso acaba por se aproximar e até mesmo se dirigir para o seu naufrágio maior, total, inevitável e irremediável, a morte: esta é o objectivo final da penosa viagem e, para ele, o pior de todos os rochedos dos quais se desviou.
A vida de todo o ser humano flui inteiramene entre o querer e o conseguir. O desejo, conforme a sua natureza, é dor: alcançá-lo significa gerar rapidamente a saciedade. O objectivo era apenas aparente; a posse tira o encanto; o desejo e a necessidade reapresentam-se com um novo aspecto. Quando isso não ocorre, seguem-se a solidão, o vazio e o tédio, contra os quais a luta atormenta tanto quanto contra a miséria.Quando se observa a vida de cada indivíduo de modo geral, destacando apenas os seus traços mais significativos, percebe-se que ela não passa de uma tragédia; porém, se examinada nos seus detalhes, tem o carácter da comédia.
Fragmento do Homem
Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
A Nossa Crise Mental
Que pensa da nossa crise? Dos seus aspectos – político, moral e intelectual?
A nossa crise provém, essencialmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis. Esta frase, como todas que envolvem uma contradição, não envolve contradição nenhuma. Eu explico. Todo o povo se compõe de uma aristocracia e de ele mesmo. Como o povo é um, esta aristocracia e este ele mesmo têm uma substância idêntica; manifestam-se, porém, diferentemente. A aristocracia manifesta-se como indivíduos, incluindo alguns indivíduos amadores; o povo revela-se como todo ele um indivíduo só. Só colectivamente é que o povo não é colectivo.
O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo. Ora ser tudo em um indivíduo é ser tudo; ser tudo em uma colectividade é cada um dos indivíduos não ser nada. Quando a atmosfera da civilização é cosmopolita, como na Renascença, o português pode ser português, pode portanto ser indivíduo, pode portanto ter aristocracia. Quando a atmosfera da civilização não é cosmopolita — como no tempo entre o fim da Renascença e o princípio, em que estamos, de uma Renascença nova — o português deixa de poder respirar individualmente. Passa a ser só portugueses. Passa a não poder ter aristocracia.
As Culturas de Indivíduo, Grupo, e Sociedade
O termo cultura tem associações diferentes conforme temos em mente o desenvolvimento de um indivíduo, de um grupo ou classe ou de toda uma sociedade. É parte da minha tesse que a cultura do indivíduo está dependente da cultura de um grupo ou classe, e que a cultura do grupo ou classe está dependente da cultura de toda a sociedade a que esse grupo ou classe pertence. Por isso, é a cultura da sociedade que é fundamental, e é o significado do termo «cultura» em relação a toda a sociedade que se devia examinar primeiro. Quando o termo «cultura» se aplica à manipulação de organismos inferiores – ao trabalho do bacteriologista ou do agricultor – o significado é bastante claro porque podemos obter unanimidade a respeito dos fins a serem atingidos, e podemos concordar quanto a tê-los atingidos ou não. Quando se aplica ao aperfeiçoamento do intelecto e espíritos humanos, é menos provável que concordemos em relação ao que a cultura é. O termo em si, significando alguma coisa a que se deve conscientemente aspirar em assuntos humanos, não tem uma uma história longa.
Como alguma coisa a ser alcançada com esforço deliberado, a «cultura» é relativamente inteligível quando nos preocupamos com o acto do indivíduo se autocultivar,
A Colectividade como Indivíduo Imortal
A colectividade, apesar de ser o conjunto de todos os seus indivíduos, funciona exactamente como um indivíduo a mais. Assim como se no mundo houvesse toda a gente que existe e mais uma pessoa: esta pessoa seria exactamente todos num só. A colectividade é também um indivíduo, um indivíduo como qualquer outro, mas é o indivíduo colectivo, na verdade colectivo e indivíduo. Com a vantagem sobre qualquer outro de não estar sujeito, como nós, às vacilações de um organismo mortal. A colectividade é o indivíduo imortal. Feito da mesma massa humana que qualquer de nós, os indivíduos mortais.
Uma Nação Sem Ideal Desaparece Rapidamente da História
Qualquer que seja a raça ou o tempo considerado, o objectivo constante da atividade humana foi sempre a pesquisa da felicidade, a qual consiste, em última análise, ainda o repito, em procurar o prazer e evitar a dor. Sobre essa concepção fundamental os homens estiveram constantemente de acordo; as suas divergências aplicam-se somente à idéia que se concebe da felicidade e aos meios de a conquistar.
As suas formas são diversas, mas o termo que se tem em mira é idêntico. Sonhos de amor, de riqueza, de ambição ou de fé são os possantes factores de ilusões que a natureza emprega para conduzir-nos aos seus fins. Realização de um desejo presente ou simples esperança, a felicidade é sempre um fenómeno subjectivo. Desde que os contornos do sonho se implantam um pouco no espírito, com ardor nós tentamos obtê-lo.
Mudar a concepção da felicidade de um indivíduo ou de um povo, isto é, o seu ideal, é mudar, ao mesmo tempo, a sua concepção da vida e, por conseguinte, o seu destino. A história não é mais do que a narração dos esforços empregues pelo homem para edificar um ideal e destruí-lo em seguida, quando, tendo-o atingido, descobre a sua fragilidade.
A Individualidade Não Se Deixa Representar
Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências,
As Três Fases da Moralidade
Temos o primeiro sinal de que o animal se tornou homem, quando a sua actuação já não se relaciona com o bem-estar momentâneo, mas com o duradouro, prova de que o homem adquire o sentido do “útil”, do “adequado”: é então que, pela primeira vez, irrompe o livre senhorio da razão. Um estádio ainda mais elevado é alcançado, quando ele age consoante o princípio da honra; graças ao mesmo, ele adapta-se, submete-se a sentimentos comuns, e isso ergue-o muito acima da fase, em que só a utilidade entendida em termos pessoais o guiava: ele respeita e quer ser respeitado, isto é, entende o proveito como dependente do que ele opina acerca dos outros, do que os outros opinam acerca dele. Finalmente, na fase mais elevada da moralidade em uso até agora, ele age segundo o seu critério quanto às coisas e às pessoas, ele próprio determina para si e para outros o que é honroso, o que é útil; tornou-se o legislador das opiniões, em conformidade com o conceito cada vez mais desenvolvido do útil e do honroso. O conhecimento habilita-o a preferir o mais útil, ou seja, a colocar o proveito geral e duradouro à frente do pessoal, a respeitosa estima de valia geral e duradoura à frente da momentânea;
Mais Vale Mostrar Talento que Bom Humor
O talento de um indivíduo reconcilia-nos muitas vezes com aquilo que pode haver de discutível no seu carácter, quando não temos de lhe suportar pessoalmente os efeitos. Mas nunca o humor agradável de alguém nos tornará indulgentes para com a sua falta de talento.
O Egoísmo da Espécie
Os amantes querem pertencer um ao outro, e para toda a eternidade. Exprimem-se de maneira assaz curiosa quando se abraçam num instante de profunda intimidade para gozarem assim do máximo prazer e da mais alta felicidade que o amor lhes pode dar. Mas o prazer é egoísta. Não há dúvida que do prazer dos amantes não se pode dizer que seja egoísta, porque é recíproco; mas o prazer que ambos sentem na união é absolutamente egoísta, se for verdade que nesse abraço já se confundem num só e mesmo ser. Mas estão enganados; porque, no mesmo instante, a espécie triunfa sobre os indivíduos; domina-os, rebaixa-os, ao seu serviço.
Julgo isto muito mais ridículo do que a situação considerada cómica por Aristófanes. Porque o cómico desta bipartição reside em ser contraditória, o que Aristófanes não salientou suficientemente. Quem vê um homem, crê ver um ser inteiro e independente, um indivíduo, o que toda a gente admite até que observe que, apoderado pelo amor, ele não passa de uma metade que corre à procura da outra metade.
Nada há que seja cómico na metade de uma maçã; cómico seria tomar por maçã inteira a metade de uma maçã; não há contradição no primeiro caso,
O Lado Obscuro de cada um de Nós
Passou no seu casamento por aquilo que é quase um facto universal – os indivíduos são diferentes uns dos outros. Basicamente, constituem um para o outro um enigma indecifrável. Nunca existe acordo total. Se cometeu algum erro, esse erro consistiu em ter-se esforçado demasiadamente por compreender totalmente a sua mulher e por não ter contado com o facto de, no fundo, as pessoas não quererem saber que segredos estão adormecidos na sua alma. Quando nos esforçamos demasiado por penetrar noutra pessoa, descobrimos que a impelimos para uma posição defensiva e que ela cria resistências porque, nos nossos esforços para penetrar e compreender, ela sente-se forçada a examinar aquelas coisas em si mesma que não desejava examinar. Toda a gente tem o seu lado obscuro que – desde que tudo corra bem – é preferível não conhecer.
Mas isto não é erro seu. É uma verdade humana universal que é indubitavelmente verdadeira, mesmo que haja imensas pessoas que lhe garantam desejar saber tudo delas próprias. É muito provável que a sua mulher tivesse muitos pensamentos e sentimentos que a tornassem desconfortável e que ela desejava ocultar de si mesma. Isto é simplesmente humano. É também por este motivo que tantas pessoas idosas se refugiam na própria solidão,
A Ira não Escolhe Idade nem Estatuto Social
A ira não escolhe idade nem estatuto social. Algumas pessoas, graças à sua indigência, não conhecem a luxúria; outros, porque têm uma vida movimentada e errante, escapam à preguiça; aqueles que têm modos rudes e uma vida rústica desconhecem as prisões, as fraudes e todos os males da cidade: mas ninguém está livre da ira, tão poderosa entre os Gregos como entre os bárbaros, tão funesta entre aqueles que temem as leis como entre aqueles que se regem pela lei da força. Assim, se outras afecções atacam os indivíduos, a ira é a única afecção que, por vezes, se apodera de um povo inteiro. Nunca um povo inteiro ardeu de amor por uma mulher, nem uma cidade inteira depositou toda a sua esperança no dinheiro e no lucro; a ambição apossa-se de indivíduos, a imoderação não é um mal público.
Por vezes, uma multidão inteira é conduzida à ira: homens e mulheres, velhos e novos, os principais cidadãos e o vulgo são unânimes, e toda a multidão agitada por algumas palavras sobrepõe-se ao próprio agitador: corre a pegar em armas e tochas e declara guerra ao seu vizinho e fá-la contra os seus concidadãos; casas inteiras são queimadas com toda a família e aquele cuja eloquência lhe granjeara muitos benefícios é eliminado pela ira que as suas palavras geraram;
A Arte e a Vida
Todos nós sabemos, quando fazemos algo, o quanto deixámos de fora, o quão grandemente falhámos, e carregamos dentro de nós uma imagem da coisa perfeita que falhou na materialização, e isso nós encaramos como o poema, isso é o que pedimos que nos reconheçam. Isso é o nosso orgulho, o nosso ego, exigindo completo reconhecimento.
E é difícil separar a obra de arte do homem ou da mulher que a produziu. Tendemos a confundir os dois. No fim de contas, suponho, a história da luta que o artista atravessou para dar à luz a sua ideia é tão patente, tão intensa, que mesmo que queiramos permanecer críticos — às vezes — vemos que é quase impossível fazê-lo. Mas só porque a arte não é vida, só porque a arte é uma criação tão inextrincavelmente ligada à vida, precisamos de fazer grandes esforços para isolar o elemento da arte em vez do elemento da vida. Por vezes, parece-me quase ridículo dizermos que este homem é mais humano do que aquele, que revela mais da vida, etc., no seu trabalho.
Como pode alguém realmente dizer isso… se levarmos isto ao limite? Porque o último movimento da caneta é revelador…
Os Empreendimentos Comuns
As comunidades costumam ter menor sentido de responsabilidade e menos escrúpulos de consciência que os indivíduos. Quanto sofrimento não causa este facto à Humanidade, quantas guerras e opressões de toda a espécie que enchem a terra de dor, gemidos e amargura!
E, no entanto, as obras verdadeiramente preciosas só podem nascer graças à colaboração impessoal de muitos indivíduos. Por isso, nada há que maior alegria possa trazer a quem ama a Humanidade do que ver surgir, à custa de grandes sacrifícios, um empreendimento comum, cuja única finalidade consiste em favorecer a vida e a cultura.
O Que Há de Mais Belo na Nossa Vida
O que há de mais belo na nossa vida é o sentimento do mistério. É este o sentimento fundamental que se detém junto ao berço da verdadeira arte e da ciência. Quem nunca o experimentou nem sabe já admirar-se ou espantar-se. Pode considerar-se como morto, sem luz, totalmente cego! A vivência do mistério — embora com laivos de temor — criou também a religião. A consciência da existência de tudo quanto para nós é impenetrável, de tudo quanto é manifestação da mais profunda razão e da mais deslumbrante beleza e, que só é acessível à nossa razão nas suas formas mais primitivas, essa consciência, esse sentimento, constituem a verdadeira religiosidade. Nesse sentido, e em mais nenhum, pertenço à classe dos homens profundamente religiosos. Não posso conceber um Deus que recompense e castigue os objectos da sua criação, ou que tenha vontade própria, de puro arbítrio no género da que nós sentimos dentro de nós. Nem tão-pouco consigo imaginar um indivíduo que sobreviva à sua morte corporal; as almas fracas que alimentem tais pensamentos fazem-no por medo ou por egoísmo ridículo. A mim basta-me o mistério da eternidade da vida, a consciência e o pressentimento da admirável elaboração do ser, assim como o humilde esforço para compreender uma partícula,
É Preciso Restaurar o Homem
A minha civilização repousa sobre o culto do Homem através dos indivíduos. Teve o desígnio, durante séculos, de mostrar o Homem, assim como ensinou a distinguir uma catedral através das pedras. Pregou esse Homem que dominava o indivíduo…
Porque o Homem da minha civilização não se define através dos homens. São os homens que se definem através dele. Há nele, como em todo o Ser, qualquer coisa que os materiais que o compõem não explicam. Uma catedral é uma coisa muito diferente de uma soma de pedras. É geometria e arquitectura. Não são as pedras que a definem, é ela que enriquece as pedras com o seu próprio significado. Essas pedras ficam enobrecidas por serem pedras de uma catedral. As pedras mais diversas servem a sua unidade. A catedral as absorve, até às gárgulas mais horrendas, no seu cântico.
Mas, pouco a pouco, esqueci a minha verdade. Julguei que o Homem resumia os homens, tal como a Pedra resume as pedras. Confundi catedral e soma de pedras, e, pouco a pouco, a herança desvaneceu-se. É preciso restaurar o Homem. Ele é a essência da minha cultura. Ele é a chave da minha Comunidade. Ele é o princípio da minha vitória.
Sociedade Cara e Primitiva
Podemos dizer sem contemplações à sociedade que aquilo a que ela chama a sua moral custa mais sacrifícios do que o que vale, e que os seus modos de proceder são falhos tanto de sinceridade como de sabedoria.
(…) Dir-se-ia que basta um grande número, que milhões de homens se encontrem reunidos, para que todas as aquisições morais dos indivíduos que os compõem se desvaneçam por completo e não restem já em seu lugar senão as atitudes psíquicas mais primitivas, mais antigas, mais brutais.
O Homem Cruel
Quando o rico tira um pertence ao pobre (por exemplo, um príncipe que tira a amante ao plebeu), então gera-se um erro no pobre; este acha que aquele tem de ser absolutamente infame, para lhe tirar o pouco que ele tem. Mas aquele não sente de modo algum tão profundamente o valor de um único pertence, porque está habituado a ter muitos: portanto, não se pode transpor para o espírito do pobre e não comete tal uma injustiça tão grande como este julga. Ambos têm um do outro uma concepção errada. A injustiça do poderoso, a que mais indigna na História, não é assim tão grande como parece. O mero sentimento hereditário de ser um ser superior, com direitos superiores, torna uma pessoa bastante fria e deixa-lhe a consciência tranquila: até todos nós, se a distância entre nós e um outro ente for muito grande, já não sentimos absolutamente nada de injusto e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminentemente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso,