O Mais Fundo de Nós Mesmos
A uma certa altura do auto-conhecimento, quando estão presentes outras circunstâncias que favorecem a auto-segurança, invariavelmente e sem outra hipótese sentimo-nos execráveis. Todas as medidas do bem — por muito que as opiniões possam diferir sobre isto — parecerão demasiado altas. Vemos que não passamos de um ninho de ratos feito de dissimulações miseráveis. O mais insignificante dos nossos actos não deixa de estar contaminado por estas dissimulações. Estas intenções dissimuladas são tão horríveis que no decurso do nosso exame de consciência não vamos querer ponderá-las de perto, mas, pelo contrário, ficaremos contentes de as avistar de longe. Estas intenções não são todas elas feitas apenas de egoísmo, o egoísmo em comparação parece um ideal do bem e do belo. A porcaria que vamos encontrar existe por si só; reconheceremos que viemos ao mundo pingando este fardo e sairemos outra vez irreconhecíveis, ou então demasiado reconhecíveis, por causa dela. Esta porcaria é o fundo mais profundo que encontraremos; nos fundos mais profundos não haverá lava, não, mas porcaria. É o mais fundo e o mais alto e até as dúvidas que o exame de consciência origina em breve enfraquecerão e se tornarão complacentes como o espojar de um porco na imundície.
Textos sobre Opinião
257 resultadosO Provincianismo Português (II)
Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”. Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação complexa. Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental — a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás,
Razão afectada pelo Desejo
O homem que deseja agir de certa forma se persuadirá que, assim procedendo, alcançará algum propósito que considera bom, mesmo que não vise motivo algum para pensar dessa forma, se não tivesse tal desejo. E julgará os factos e probabilidades de maneira muito diferente daquela adoptada por um homem com desejos opostos. Como todos sabem, os jogadores estão cheios de crenças irracionais relativas a sistemas que devem, no fim, fazê-los ganhar. Os que se interessam pela política persuadem-se de que os líderes do seu partido jamais praticariam as patifarias cometidas pelos adversários. Os homens que gostam de administrar acham que é bom para o povo ser tratado como um rebanho de ovelhas, os que gostam do fumo dizem que acalma os nervos, e os que apreciam o álcool afirmam que aguça o tino. A parcialidade assim criada falsifica o julgamento dos homens em relação aos factos, de modo muito difícil de evitar.
Até mesmo um erudito artigo científico sobre os efeitos do álcool no sistema nervoso em geral trai, por sintomas internos, o facto de o autor ser ou não abstémio; em ambos os casos tende a ver os factos de maneira que justifique a sua atitude. Em política e religião tais considerações tornam-se muito importantes.
O Espaço Público
Vê-se que o espaço público falta cruelmente em Portugal. Quando há diálogo, nunca ou raramente ultrapassa as «opiniões» dos dois sujeitos bem personalizados (cara, nome, estatuto social) que se criticam mutuamente através das crónicas nos jornais respectivos (ou no mesmo jornal).
O «debate» é necessariamente «fulanizado», o que significa que a personalidade social dos interlocutores entra como uma mais-valia de sentido e de verdade no seu discurso. É uma espécie de argumento de autoridade invisível que pesa na discussão: se é X que o diz, com a sua inteligência, a sua cultura, o seu prestígio (de economista, de sociólogo, de catedrático, etc.), então as suas palavras enchem-se de uma força que não teriam se tivessem sido escritas por um x qualquer, desconhecido de todos. Mais: a condição de legitimação de um discurso é a sua passagem pelo plano do prestígio mediático – que, longe de dissolver o sujeito, o reforça e o enquista numa imagem «em carne e osso», subjectivando-o como o melhor, o mais competente, o que realmente merece estar no palco do mundo.
Não te Deixes Ludibriar pela Opinião
Considera que não são as acções dos outros que nos perturbam, pois que pertencem ao domínio das suas vontades, mas a opinião que sobre ela formamos. Suprime-a, pois: trata de anular o juízo que te deixa indignado e a tua cólera se desvanecerá. Como suprimi-la? Meditando em que não há nisso nada de vergonhoso para ti, porquanto se houvesse outra coisa, além do mal moral, que fosse vergonhosa, tu também cometerias necessariamente muitas faltas; tu te tornarias um bandido, de qualquer maneira.
Uma Vida Simples e Modesta
Não depender senão de si mesmo é, em nossa opinião, um grande bem, mas daí não se segue que devamos sempre contentar-nos com pouco. Simplesmente, quando nos falte a abundância, devemos poder contentar-nos com pouco, persuadidos de que gozam melhor a riqueza os que têm menor número de cuidados, e de que tudo quanto seja natural se obtém facilmente, enquanto o que não o é só se consegue a custo. As iguarias mais simples proporcionam tanto prazer quanto a mesa mais ricamente servida, sempre que esteja ausente o sofrimento causado pela necessidade, e o pão e a água ocasionam o mais vivo prazer quando são saboreados após longa privação.
O hábito de uma vida simples e modesta é, pois, uma boa maneira de cuidar da saúde e, ademais, torna o homem corajoso para suportar as tarefas que deve necessariamente cumprir na vida. Permite-lhe ainda apreciar melhor uma vida opulenta, quando se lhe enseje, e fortalece-o contra os reveses da fortuna. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer é o soberano bem, não falamos dos prazeres dos devassos, nem dos gozos sensuais, como o pretendem alguns ignorantes que nos combatem e nos desfiguram o pensamento. Falamos da ausência de sofrimento físico e da ausência de perturbação moral.
Vaidade e Vanglória
Era uma linda invenção de Esopo a do moscardo que, sentado no eixo da roda, dizia: «Quanta poeira faço levantar!» Assim há muitas pessoas vãs que quando um negócio marcha por si ou vai sendo movido por agentes mais importantes, desde que estejam relacionados com ele por um só pormenor, imaginam que são eles quem conduz tudo: os que têm que ser facciosos, porque toda a vaidade assenta em comparações. Têm de ser necessariamente violentos, para fazerem valer as suas jactâncias. Não podem guardar segredo, e por isso não são úteis para ninguém, mas confirmam o provérbio francês: Beaucoup de bruit, peu de fruit.
Este defeito não é, porém, sem utilidade para os negócios políticos: onde houver uma opinião ou uma fama a propagar, seja de virtude seja de grandeza, esses homens são óptimos trombeteiros.
(…) A vaidade ajuda a perpetuar a memória dos homens, e a virtude nunca foi considerada pela natureza humana como digna de receber mais do que um prémio de segunda mão. A glõria de Cícero, de Séneca, de Plínio o Moço, não teria durado tanto tempo se eles não fossem de algum modo vaidosos; a vaidade é como o verniz, que não só faz brilhar,
Ninguém se Admira com a sua Fraqueza
O que mais me admira ver é como ninguém se admira com a sua fraqueza. Age-se de maneira séria e cada um segue a sua condição, não porque é bom segui-la, mas porque é moda; mas como se cada um soubesse de maneira certa onde é que está a razão e a justiça. Encontramo-nos enganados constantemente; e, por uma humildade divertida, julgamos que é por nossa culpa e não da arte que nos gabamos sempre de ter. Mas é bom que haja tantas pessoas assim no Mundo, que não sejam pirrónicas, para glória do pirronismo, para mostrar que o homem é bem capaz das mais extravagantes opiniões, visto que é capaz de crer que não está nesta fraqueza natural e inevitável, e crer que está, pelo contrário, na sabedoria natural.
Nada fortifica mais o pirronismo do que o facto de haver quem não seja nada pirrónico: se todos o fossem, eles não teriam razão.
Como te Tens Lembrado Hoje de Mim?
O que tens tu feito, amor? Andarás, como segunda-feira, cavaleiro andante a flirtar às janelas das ruas do Alto do Pina, com damas de cem anos?… Cem anos, pelo menos… Eu creio mesmo que tu disseste mais alguns… Sempre estás uma prenda, um espertalhão… Tenho que te educar convenientemente e ensinar-te que damas de cem anos e mulheres que fazem queijadas, não servem, ou pelo menos não devem servir, a quem tem a suprema felicidade de possuir uma mulher como eu, que sou uma pérola, ou por outra: um colar de pérolas, como ontem gentilmente me chamaste… Estás de acordo, não é verdade?
A tua pequenina fera está há imenso tempo ansiosa que a chuva acabe, para deitar o focinhito fora do covil, ao menos por cinco minutos; mas não há meio, o diabo da chuva continua a cair sem piedade e daqui a pouco a ferazinha sai mesmo com chuva e tudo. Há tanto tempo que não saio! Em horas de concentração de consciência, eu ponho-me a pensar que nunca julguei capaz que um homem pudesse fazer da Miss América, como muita gente me chamava dantes, esta burguezinha pacata, que, detrás dos vidros duma janela, passa a vida a fazer rendas,
Ser Independente da Opinião Pública
Ser independente da opinião pública é a primeira condição formal para realizar qualquer coisa grandiosa ou racional, tanto na vida como na ciência. Com o tempo, este feito será seguramente reconhecido pela opinião pública, que na altura conveniente o transformará em mais um dos seus preconceitos.
As Influências no Estado de Espírito
Agora estou disposto a fazer tudo, agora a nada fazer; o que me é um prazer neste momento em alguma outra vez me será um esforço. Acontecem em mim mil agitações desarrazoadas e acidentais. Ou o humor melancólico me domina, ou o colérico; e, com a sua autoridade pessoal, neste momento a tristeza predomina em mim, neste momento a alegria. Quando pego em livros, terei captado em determinada passagem qualidades excelentes e que terão tocado a minha alma; quando uma outra vez volto a deparar com ela, por mais que a vire e revire, por mais que a dobre e apalpe, é para mim uma massa desconhecida e informe.
Mesmo nos meus escritos nem sempre reencontro o sentido do meu pensamento anterior: não sei o que quis dizer, e amiúde me esfalfo corrigindo e dando-lhe um novo sentido, por haver perdido o primeiro, que valia mais. Não faço mais que ir e vir: o meu julgamento nem sempre caminha para a frente; ele flutua, vagueia, Como um barquinho frágil surpreendido no vasto mar por uma tempestade violenta (Catulo).
Muitas vezes (como habitualmente me advém fazer), tendo tomado para defender, por exercício e por diversão, uma opinião contrária à minha,
Uma Apreciação Correcta do Nosso Valor
Uma apreciação correcta do valor daquilo que se é em si e para si mesmo, comparado àquilo que se é apenas aos olhos de outrém, contribuirá em muito para a nossa felicidade. À primeira rubrica pertence tudo o que preenche o tempo da nossa própria existência, o conteúdo íntimo desta. (…) Pelo contrário, o lugar daquilo que somos para outrém é a consciência alheia, é a representação sob a qual nela aparecemos, junto com os conceitos que lhe são aplicados. Ora, isso é algo que não existe imediatamente para nós, mas apenas de modo mediato, vale dizer, na medida em que determina a conduta dos outros para connosco. E mesmo isso só é levado em conta caso tenha influência sobre alguma coisa que possa modificar aquilo que somos em nós e para nós mesmos. Ademais, aquilo que se passa, como tal, na consciência alheia, é-nos indiferente.
E também nos tornaremos cada vez mais indiferentes quando alcançarmos um conhecimento suficiente da superficialidade e da futilidade dos pensamentos, da limitação dos conceitos, da pequenez dos sentimentos, da absurdez das opiniões e do número de erros na maioria das cabeças. E, ainda, à medida que aprendermos pela própria experiência o desdém com que,
A Universalidade de uma Opinião
A universalidade de uma opinião, tomada seriamente, não constitui nem uma prova, nem um fundamento provável, da sua exactidão. Aqueles que a afirmam devem considerar que: 1) o distanciamento no tempo rouba a força comprobatória dessa universalidade; caso contrário, precisariam de evocar todos os antigos equívocos que alguma vez foram universalmente considerados verdade: por exemplo, estabelecer o sistema ptolemaico ou o catolicismo em todos os países protestantes; 2) o distanciamento no espaço tem o mesmo efeito: caso contrário, a universalidade de opinião entre os que confessam o budismo, o cristianismo e o islamismo os constrangerá.
O que então se chama de opinião geral é, a bem da verdade, a opinião de duas ou três pessoas; e disso nos convenceríamos se pudéssemos testemunhar como se forma tal opinião universalmente válida.
Acharíamos então que foram duas ou três pessoas a supor ou apresentar e a afirmar num primeiro momento, e que alguém teve a bondade de julgar que elas teriam verificado realmente a fundo tais colocações: o preconceito de que estes seriam suficientemente capazes induziu, em princípio, alguns a aceitar a mesma opinião: nestes, por sua vez, acreditaram muitos outros, aos quais a própria indolência aconselhou: melhor acreditar logo do que fazer controles trabalhosos.
As Coisas Têm um Preço em Função da Nossa Opinião
Que a nossa opinião atribui um preço às coisas, vê-se por aquelas, em grande número, em que nos fixamos por estimarmos não a elas mas sim a nós; e não consideramos nem as suas qualidades nem as suas utilidades, mas somente o que nos custa a obtê-las, como se isso fosse uma parte da sua substância; e chamamos de valor não ao que elas trazem mas sim ao que lhes colocamos. Daqui depreendo que somos grandes administradores do nosso investimento. Ele vale tanto quanto pesa, justamente porque pesa. A nossa opinião nunca o deixa correr sem carga útil. A compra dá valor ao diamante, e a dificuldade à virtude, e a dor à devoção, e o amargor ao medicamento.
Houve um só que, para chegar à pobreza, atirou os seus escudos nesse mesmo mar que tantos outros esquadrinham por todos os lados para pescar riquezas. Epicuro diz que ser rico não é alívio e sim mudança de dificuldades. Na verdade, não é a penúria, é antes a abundância que produz a avareza.
Acredita no Teu Próprio Pensamento
Acredita no teu próprio pensamento; crer que o que é certo para ti, no teu coração, o é também para todos os homens – isso é o génio. Expressa a tua convicção latente e ela será o juízo universal; pois sempre o mais íntimo se converte no mais externo, e o nosso primeiro pensamento é-nos devolvido pelas trombetas do Juízo Final. A voz da mente é familiar a cada um; o maior mérito que atribuímos a Moisés, Platão e Milton é o de terem reduzido a nada livros e tradições, e dito o que pensavam eles próprios, não o que pensavam os homens. Um homem deveria aprender a distinguir e contemplar esse raio de luz que brilha através da sua mente, vindo do interior, melhor do que o brilho do firmamento de bardos e sábios. E, no entanto, expulsa o seu pensamento, sem lhe dar importância, apenas porque é o seu.
Em toda a obra de génio, reconhecemos os nossos próprios pensamentos rejeitados; são-nos devolvidos com uma certa majestade alienada. As grandes obras de arte não nos oferecem lição mais impressionante do que essa. Elas ensinam-nos a aceitar, com bem humorada inflexibilidade, as nossas impressões espontâneas, especialmente quando todo o clamor das vozes esteja do lado oposto.
Opinião Independente
É fácil viver no mundo conforme a opinião do mundo: é fácil na solidão viver conforme a própria opinião; mas grande homem é o que, no meio da multidão, conserva com plena serenidade a independência da solidão.
A Opinião Distorce a Realidade
O que perturba os homens não são as coisas, e sim as opiniões que eles têm em relação às coisas. A morte, por exemplo, nada tem de terrível, senão tê-lo-ia parecido assim a Sócrates. Mas a opinião que reina em relação á morte, eis o que a faz parecer terrível a nossos olhos. Por conseguinte, quando estivermos embaraçados, perturbados ou penalizados, não o atribuamos a outrem, mas a nós próprios, isto é, às nossas próprias opiniões.
Onde Está a Sinceridade ?
Entre as recordações que cada um de nós guarda, algumas há que só contamos aos amigos. Há ainda outras que nem sequer aos amigos confessamos, que só a nós próprios dizemos e, mesmo assim, no máximo segredo. Finalmente, há coisas que o homem nem sequer se permite confessar a si mesmo. Ao longo da existência, toda a pessoa honesta acumulou não poucas destas recordações. Diria mesmo que a quantidade é tanto maior quanto mais honesto o homem. Eu, em todo o caso, não foi há muito que me decidi a recordar algumas das minhas antigas aventuras; até agora evitava fazê-lo, aliás com um certo desassossego. Porém agora, quando as evoco e desejo mesmo anotá-las, agora vou tirar a prova: será possível sermos francos e sinceros, pelo menos com nós próprios, e dizermo-nos toda a verdade?
Observo, a propósito, que Heine afirma não poderem existir autobiografias exactas e que o homem mente sempre quando fala de si próprio. Em sua opinião, Rousseau enganou-nos à certa nas suas Confessions, e até deliberadamente, por vaidade. Tenho a certeza de que Heine tem razão: compreendo muitíssimo bem que nos possamos acusar de crimes abomináveis apenas por vaidade e também compreendo o que pode ser esse sentimento.
Vantagens e Desvantagens dos Hábitos
Os pensamentos dos homens são muito concordantes com as suas inclinações; as suas palavras e os seus discursos concordam com as suas opiniões infusas ou apreendidas; mas as suas acções resultam daquilo a que estão acostumados. Eis porque, como Maquiavel muito bem notou (ainda que num exemplo mal inspirado), ninguém deve confiar na força da natureza, nem na jactância das palavras, se não estiverem corroboradas pelo hábito. O exemplo que ele apresenta é que, na execução de uma conspiração ousada, ninguém se deve fiar na ferocidade aparente ou nas promessas resolutas de qualquer pessoa, e que o empreendimento deve ser confiado a quem tiver já alguma vez manchado as suas mãos com sangue.
(…) A predominância do costume é por toda a parte visível; de tal maneira que ficaríamos admirados de ouvir os homens declarar, protestar, prometer, fazer solenes juramentos, e depois vê-los proceder como tinham feito antes: como se fossem imagens mortas ou engenhos movidos apenas pelas rodas do costume. Vemos também o que é o reino ou a tirania do costume.
(…) Já que o costume é o principal magistrado da vida humana, deve o homem por todos os meios prover à obtenção de bons costumes.
O Paradoxo da Sabedoria
São muito raros no género humano os homens verdadeiramente sábios; o concurso de condições e circunstâncias especiais necessário para que os haja, ocorre com tanta dificuldade que não deve admirar a sua raridade: demais a sua aparição pouco ou nada aproveita aos outros homens que os desprezam, perseguem ou motejam, incapazes de compreendê-los, e os obrigam finalmente ao silêncio, retiro e reclusão.
(…) Não esperem os homens por, maior que seja o progresso da sua inteligência, chegar a conhecer as verdades capitais e primitivas sobre a essência e natureza das coisas: mudarão de erros, fábulas, hipóteses e teorias, mas nunca poderão alcançar conhecimentos que hajam de mudar a natureza humana, e fazer os homens diversos do que farão e do que são.
O mundo varia aos olhos e nas opiniões dos homens, conforme as idades e condições da vida.