Em Portugal Há um Julgamento Estranho da Modéstia
Acho que em Portugal há um julgamento estranho da modéstia. Batem-se palmas a quem basicamente diz que não é muito bom a fazer o que faz. E quando alguém diz que tem confiança no que faz, utiliza-se uma palavra pejorativa: arrogante. Eu claramente tenho confiança no que faço, e nesse aspecto não sou modesto. Agora, precisamente porque tenho essa confiança não me passa pela cabeça falar mal de alguém. Não por eu ser um coração maravilhoso, mas porque seria perder tempo precioso para aquilo que tenho de fazer.
Gonçalo M.
Textos
4483 resultadosA Duração da Vida em Perspectiva
A nossa religião não teve fundamento humano mais seguro do que o desprezo pela vida. Não somente o exercício da razão nos convida a isso, pois por que temeríamos perder uma coisa que perdida não pode ser lamentada; e, já que somos ameaçados por tantas formas de morte, não haverá maior mal em temê-las todas do que em suportar uma?
Que importa quando ela será, pois que é inevitável? A alguém que dizia a Sócrates: «Os trinta tiranos condenaram-te à morte», respondeu ele: «E a natureza a eles». Que tolice nos atormentarmos sobre o momento da passagem para a isenção de todo o tormento!
Assim como o nosso nascimento nos trouxe o nascimento de todas as coisas, assim a nossa morte trará a morte de todas as coisas. Por isso, chorar porque daqui a cem anos não estaremos a viver é loucura igual a chorar porque há cem anos atrás não vivíamos. A morte é origem de uma outra vida. Assim choramos nós; assim nos custou entrar nesta aqui; assim nos despojamos do nosso antigo véu quando entramos naquela.
Não pode ser penoso algo que o é apenas uma vez. Será certo temer por tão longo tempo uma coisa de tão breve duração?
Felicidade Calma
Incita esse teu amigo a animosamente não ligar importância a quem o censura por se acolher à obscuridade da vida privada, por desistir das suas grandezas, por ter preferido a tranquilidade a tudo o mais, apesar de poder ainda avançar na sua carreira. Mostra a essa gente que ele trata diariamente dos próprios interesses da forma mais útil. Aqueles que pela sua posição elevada suscitam a inveja geral nunca vivem em terreno firme: uns são derrubados, outros caem por si. Esse tipo de felicidade nunca conhece a calma, antes se excita sempre a si mesma. Desperta em cada um ideias de vários tipos, move os homens cada qual em sua direcção, lança uns numa vida de excessos, outros numa vida de luxúria, a uns enche-os de orgulho, a outros de moleza, mas a todos igualmente destrói.
Dirás tu: Há, todavia, quem aguente bem uma liberdade desse género”. Pois há, assim como há quem aguente bem o vinho. Por isso não existe o mínimo fundamento para te deixares persuadir que alguém é feliz pelo facto de viver rodeado de clientes; os clientes não buscam nele senão o mesmo que buscam num lago: beber até fartar e deixar a água suja!
Construir a Realidade
A pura verdade é que no mundo acontece a todo instante, e, portanto, agora, infinidade de coisas. A pretensão de dizer o que é que acontece agora no mundo deve ser entendida, pois, como ironizando-se a si mesma. Mas assim como é impossível conhecer directamente a plenitude do real, não temos outro remédio senão construir arbitrariamente uma realidade, supor que as coisas são de certa maneira. Isto proporciona-nos um esquema, quer dizer, um conceito ou entretecido de conceitos. Com ele, como através de uma quadrícula, olhamos depois a efectiva realidade, e então, só então, conseguimos uma visão aproximada dela. Nisto consiste o método científico. Mais ainda: nisto consiste todo uso do intelecto. Quando ao ver chegar o nosso amigo pela vereda do jardim dizemos: «Este é o Pedro», cometemos deliberadamente, ironicamente, um erro. Porque Pedro significa para nós um esquemático repertório de modos de se comportar física e moralmente – o que chamamos «carácter» –, e a pura verdade é que o nosso amigo Pedro não se parece, em certos momentos, em quase nada à ideia «o nosso amigo Pedro».
Todo o conceito, o mais vulgar como o mais técnico, vai incluso na ironia de si mesmo, nos entredentes de um sorriso tranquilo,
Compreender e Unir
Já são em número demasiado os que vieram ao mundo para combater e separar; o progresso e valor de cada seita e de cada grupo dependeram talvez desta atitude descriminadora e intransigente; aceitemos como o melhor que foi possível tudo o que nos apresenta o passado; mas procuremos que seja outra a atitude que tomarmos; lancemos sobre a terra uma semente de renovação e de íntimo aperfeiçoamento.
Reservemos para nós a tarefa de compreender e unir; busquemos em cada homem e em cada povo e em cada crença não o que nela existe de adverso, para que se levantem as barreiras, mas o que existe de comum e de abordável, para que se lancem as estradas da paz; empreguemos toda a nossa energia em estabelecer um mútuo entendimento; ponhamos de lado todo o instinto de particularismo e de luta, alarguemos a todos a nossa simpatia.
Reflitamos em que são diferentes os caminhos que toma cada um para seguir em busca da verdade, em que muitas vezes só um antagonismo de nomes esconde um acordo real. Surja à luz a íntima corrente tanta vez soterrada e nela nos banhemos. Aprendamos a chamar irmão ao nosso irmão e façamos apelo ao nosso maior esforço para que se não quebre a atitude fraternal,
A Vantagem dum Longo Treino
A vantagem de um longo treino e duma escrupulosa concentração no futuro: na hora das realizações estabelece-se um estado sonambúlico intermediário entre o fazer e o deixar fazer, entre o agir e o ser objecto de acção. Isso requer tanto menos atenção quanto é certo que, a maior parte das vezes, a realidade exige de nós muito menos do que imaginamos e, assim, encontramo-nos um pouco na situação do homem que, armado até aos dentes, ao travar uma luta, não tem necessidade, para vencer, senão de manejar ligeiramente uma única peça do seu arsenal. Com efeito, quem liga importância a si mesmo exercita-se no que é mais difícil para se tornar cada vez mais destro no que é fácil e poder ter a satisfação de triunfar, usando dos meios mais delicados e discretos. Ele repele, aliás, os expedientes grosseiros e selvagens, não se resolvendo a usá-los senão em casos de força maior.
Queres Amar, Ama-te
As pessoas devem relacionar-se porque se amam e não porque se vão amar, devem trabalhar porque gostam daquilo que fazem e não porque um dia podem começar a gostar. Então, perguntas tu, o melhor é sermos todos descomprometidos com tudo? Ao que eu te respondo: claro. O descompromisso é a liberdade eterna, é a possibilidade que tu te dás de alterar o curso da tua vida a qualquer momento, sem recurso a qualquer emoção negativa. O único compromisso que deves ter é contigo. O resto passa-te ao lado, não controlas, não tens como gerir, sequer. Aliás, qualquer relacionamento, seja com uma pessoa ou com uma profissão, é mais verdadeiro quando não existe esse compromisso, é mais intenso, mais real, mais «Agora», mais tudo. A possibilidade de a pessoa se dar a liberdade de apenas viver o que sente é todo o caminho andado para a felicidade. Quem é mais feliz, a pessoa que não ama e ainda se encontra num casamento ou aquela que deixou de amar e saiu do casamento? Quem é mais feliz, a pessoa que arriscou fazer o que a apaixona ou aquela que todos os dias passa oito horas enfiada seja onde for e a fazer o que não gosta?
A Melhor Defesa
Como me sinto fraco, vulnerável e aberto por todos os lados ao espanto, quando me vejo diante de pessoas que não falam por falar e que estão sempre dispostas a confirmar pela acção o que dizem por palavras!… Mas existirão mesmo pessoas assim? Não me consideraram mesmo a mim como um homem firme?
A máscara é tudo. Tenho de confessar, no entanto, que os temo – e haverá algo de mais aviltante do que o medo? O homem mais forte por natureza torna-se um poltrão, se as suas ideias forem flutuantes – e o sangue-frio, a primeira das nossas defesas, deriva apenas do facto de uma alma já endurecida pela experiência não poder ser colhida de surpresa. Bem sei que esta minha determinação é ambiciosa, mas ir inisitindo nela apesar de tudo é já meio caminho andado.
Todo o Conhecimento Degenera em Probabilidade
A nossa razão deve ser considerada como uma espécie de causa cujo efeito natural é a verdade; mas um efeito tal que pode ser facilmente evitado pela intrusão de outras causas e pela inconstância das nossas faculdades mentais. Dessa maneira, todo o conhecimento degenera em probabilidade; essa probabilidade é maior ou menor segundo a nossa experiência da veracidade ou da falsidade do nosso entendimento e segundo a simplicidade ou a complexidade da questão.
Justiça e paz se abraçam
Justiça e paz se abraçam.
Lidar com Jovens
Os jovens legalmente maiores têm tendência para a rebeldia e a libertinagem. Se os censuras num tom grave e sentencioso, mais não farás do que agravar as suas inclinações. De modo que, em geral, mais vale armar-se de paciência e esperar que se emendem sozinhos ou que se fartem dos seus erros. Mas, se souberes servir-te da tua autoridade tão habilmente que os devolvas ao bom caminho, evita passar bruscamente do rigor à indulgência. Com os temperamentos plácidos, mostra-te directo e, se for preciso, bate com o punho namesa, pois isso impressiona-os. Pelo contrário, com índoles ardentes, mostra-te meigo e delicado.
Amor Desmistificado
O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos cómicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus actos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o génio da espécie e os seus interesses superiores.
Recebeu a missão de iniciar uma série indefinida de gerações dotadas de determinadas características e constituídas por certos elementos que só se podem encontrar num único pai e numa única mãe; só essa união pode dar existência à geração determinada que a objectivação da vontade expressamente exige. O sentimento que o amante tem de agir em circunstâncias de semelhantes transcendência, eleva-o de tal modo sobre as coisas terrestres e mesmo acima de si próprio, e tranforma-lhe os desejos físicos numa aparência de tal modo suprasensível, que o amor é um acontecimento poético, mesmo na existência do homem mais prosaico, o que o faz cair por vezes em ridículo.
Censura Amiga
A amizade penetra nos menores detalhes da nossa vida, o que torna frequentes as ocasiões de ofensas e melindres: o sábio deve evitá-las, destruí-las ou suportá-las quando necessário for. A única ocasião em que não devemos deixar de ofender um amigo, é quando se trata de lhe dizer a verdade e de lhe provar assim a nossa fidelidade. Porque não devemos deixar de sobreavisar os nossos amigos, ainda quando se trate de os repreender. E nós mesmos devemos levar isto em boa vontade, quando tais repreensões são ditadas pelo bem querer.
Todavia, sou forçado a confessá-lo, como disse o nosso Terêncio no seu Adriana: «A benevolência gera a amizade; a verdade, o ódio». Sem dúvida a verdade é molesta se produz o ódio, este veneno da amizade. Mas a magnanimidade é-o ainda mais, porque para a indulgência culpável, pelas faltas de um amigo, ela deixa-o precipitar-se nas suas ruínas. Mas a falta mais grave é a que despreza a verdade e se deixa conduzir ao mal pela adulação. Este ponto reclama toda a nossa vigilância e atenção. Afastemos o ácido das nossas advertências, a injúria dos nossos reproches; que a nossa complacência (sirvo-me voluntário da expressão de Terêncio) seja farta de urbanidade;
Onde não há compaixão, os crimes multiplicam-se.
Ao sábio não o movem nem a afeição nem o ódio, o lucro nem a perda
Ao sábio não o movem nem a afeição nem o ódio, o lucro nem a perda, as honrarias nem os vexames. E por essa razão é ele tido em tão alta estima por todo o mundo.
Lutar com Palavras é a Luta Mais Vã
Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça.
O Amor de Si Próprio
[Ferido por uma crítica adversa, um poeta busca consolo para a mágoa relendo seus próprios versos.] Desgosto (…), mas desgosto curto. Ele irá dali remirar-se nos próprios livros. A justiça que um atrevido lhe negou, não lhe negarão as páginas dele. Oh! a mãe que gerou o filho, que o amamenta e acalenta, que põe nessa frágil criaturinha o mais puro de todos os amores, essa mãe é Medeia, se a compararmos àquele engenho, que se consola da injúria, relendo-se; porque se o amor de mãe é a mais elevada forma de altruísmo, o dele é a mais profunda forma de egoísmo, e só há uma coisa mais forte que o amor materno, é o amor de si próprio.
O Respeito pelo Multilateralismo
Num mundo onde os fortes podem procurar impor-se aos mais vulneráveis, e em que determinadas nações ou grupos ainda tentam decidir o destino do planeta, num mundo assim, o respeito pelo multilateralismo, a moderação do discurso público e a procura paciente do compromisso tornam-se ainda mais vitais para salvar o mundo de conflitos debilitantes e desigualdades persistentes.
Viver o Hoje
Nunca a vida foi tão actual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se divide. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado por tanto me ser dado.
Absolutizar e Relativizar
Uma grande tentação nossa é a de absolutizar. Pegar num acontecimento negativo e dizer: «é tudo assim». Olhar um problema sério e não ser capaz de ver mais nada para além disso. Absolutizar cega e escraviza. O caminho é, pois, o de relativizar, não tirar do contexto, ver também o resto dos acontecimentos e, depois, relacionar com outras exigências. Relativizar e relacionar. Começa aí o caminho de paz.
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