A Velocidade do Tempo é Infinita
A velocidade do tempo é infinita, e só quando olhamos para o passado, é que temos consciência disso. O tempo ilude quem se aplica ao momento presente, de tal modo é insensível a passagem do seu curso vertiginoso. Queres saber porquê? Porque todo o tempo passado se acumula num mesmo lugar; todo o passado é contemplado em bloco, forma uma totalidade; todo ele se precipita no mesmo abismo. De resto, não é possível delimitar grandes intervalos nesta nossa vida tão breve. A existência humana é um ponto, é menos que um ponto. Só por troça é que a natureza deu a tão diminuta existência a aparência de uma grande duração, dividindo-a em infância, em adolescência, em juventude, em período de transição da juventude à velhice, finalmente em velhice. Tantos períodos num tão exíguo espaço de tempo!
(…) Habitualmente não me parecia tão veloz a passagem do tempo; agora, porém, parece-me incrivelmente rápida, talvez porque sinto aproximar-se o fim, talvez porque passei a dar-lhe atenção e a avaliar o desgaste que em mim provoca.
Por isso mesmo me causa indignação ver como as pessoas gastam em futilidades a maior parte de uma vida que, mesmo dispendida com a maior parcimónia,
Textos sobre Pessoas
853 resultadosO Medo da Morte só se Justifica na Juventude
Algumas pessoas idosas vivem obcecadas com o medo da morte. Este sentimento só se justifica na juventude. Os jovens que receiam, com razão, morrer na guerra, podem legitimamente sentir a amargura do pensamento de terem sido defraudados do melhor que a vida lhes podia oferecer. Mas num velho que conheceu já as alegrias e dores humanas e que cumpriu a sua missão, qualquer que fosse, o receio da morte é algo de abjecto e ignóbil. O melhor meio de o vencer – pelo menos quanto a mim – é aumentar gradualmente as nossas preocupações, torná-las cada vez mais impessoais, até ao momento em que, a pouco e pouco, os limites da nossa personalidade recuem e a nossa vida mergulhe mais ainda na vida universal.
Pode-se comparar a existência de um indivíduo a um rio – pequeno a princípio, estreitamente encerrado entre duas margens, arremetendo, com entusiasmo, primeiro os seixos e depois as cataratas. A pouco e pouco, o rio alarga-se, as suas margens afastam-se, a água corre mais calmamente e, por fim, sem nenhuma mudança brusca, desagua no oceano e perde sem sofrimento a sua existência individual.
O homem que na velhice pode ver a sua vida desta maneira,
Não Leves a Tua Vida Tão a Sério
Em relação à vida em si, passa-se o mesmo! Também não se pode levar esta experiência demasiado a sério. Se o fizeres, corres o risco de passar o tempo inteiro da tua existência a viver uma lista de problemas sem fim. Ainda assim, e como no tópico anterior, não te estou a pedir para deixares de viver as coisas com paixão e intensidade. Antes pelo contrário. Vive-as!! O que quero que entendas é que se as coisas, porventura, não correrem como esperavas ou te achavas merecedor, não lhes atribuas um significado tão sério.
Lembra-te: foi apenas mais uma experiência. Próxima!
Cada um de nós é o comandante da sua vida, logo, podemos escolher valorizar as coisas boas e desvalorizar as menos boas.Há muita gente que diz, por ter lido em livros e, outras, por terem sentido na pele, que desvalorizar as coisas más é negar uma lição e que só aprendemos pela dor. A minha questão é: o que é que aprendemos? Aprendemos o que não devemos voltar a fazer, é isso? Se assim for, e sob esse único e limitado ponto de vista, estou de acordo. Acontece que o âmago da vida é outro e está centrado no que deves fazer!
Náufragos que Navegam Tempestades
As tempestades são sempre períodos longos. Poucas pessoas gostam de falar destes momentos em que a vida se faz fria e anoitece, preferem histórias de praias divertidas às das profundas tragédias de tantos naufrágios que são, afinal, os verdadeiros pilares da nossa existência.
Gente vazia tende a pensar em quem sofre como fraco… quando fracos são os que evitam a qualquer custo mares revoltos, tempestades em que qualquer um se sente minúsculo, mas só os que não prestam o são verdadeiramente. Para a gente de coração pequeno, qualquer dor é grande. Os homens e mulheres que assumem o seu destino sabem que, mais cedo ou mais tarde, morrerão, mas há ainda uma decisão que lhes cabe: desviver a fugir ou morrer sofrendo para diante.
Da morte saímos, para a morte caminhamos. O que por aqui sofremos pode bem ser a forma que temos de nos aproximarmos do coração da verdade.Haverá sempre quem seja mestre de conversas e valente piloto de naus alheias, os que sabem sempre tudo, principalmente o que é (d)a vida do outro, e mais especificamente se estiver a passar um mau bocado. Logo se apressam a dizer que depois da tempestade vem a bonança,
Crescimento Cultural
Como indivíduos, verificamos que o nosso desenvolvimento depende das pessoas que conhecemos no curso da nossa vida (essas pessoas incluem os autores cujas obras lemos e as personagens, tanto da ficção como da história). O benefício desses encontros é devido tanto às diferenças como às semelhanças, tanto ao conflito como à simpatia entre pessoas. Feliz é o homem que, no momento oportuno, encontra o amigo adequado; feliz também o homem que, no momento adequado, encontra o inimigo adequado.
Não aprovo o extermínio do inimigo; a política de exterminar ou, como se diz barbaramente, liquidar o inimigo constitui um dos mais alarmantes desenvolvimentos da guerra moderna e, também, da paz moderna, do ponto de vista de quem deseja a sobrevivência da cultura. Precisamos do inimigo. Assim, dentro de certos limites, o atrito, não só entre indivíduos mas também entre grupos, parece-me necessário à civilização.
A universidade da irritação é a melhor garantia de paz. Um país dentro do qual as divisões tenham ido demasiado longe é um perigo para si próprio; um país demasiado unido – seja por natureza ou por intenção, por fins honestos ou por fraude e opressão – é uma ameaça para os outros.
O Abismo da Agitação
Uma vida demasiado repleta de agitação é uma vida esgotante que continuamente exige estimulantes mais fortes para provocar as emoções que acabam por ser consideradas parte essencial do prazer. Uma pessoa habituada a demasiada agitação é comparável à que tem um desejo mórbido de pimenta e acaba por ser incapaz de lhe apreciar o sabor numa quantidade que sufocaria qualquer outra pessoa. Há sempre um certo aborrecimento quando se evita em demasia a agitação, mas por sua vez a agitação demasiada não só enfraquece a saúde como embota o gosto para toda a espécie de prazeres, substituindo titilações por profundas satisfações orgânicas, habilidade por inteligência e impressões fugidias por beleza. Não pretendo exagerar os perigos da agitação. Uma certa quantidade talvez seja saudável, mas como em quase todas as outras coisas, o problema é de ordem quantitativa. Uma dose demasiado pequena pode gerar desejos mórbidos e o abuso pode produzir o esgotamento. Certa capacidade para suportar o aborrecimento é pois essencial a uma vida feliz e isso era uma das coisas que deviam ser ensinadas aos jovens.
O Solitário
O solitário leva uma sociedade inteira dentro de si: o solitário é multidão. E daqui deriva a sua sociedade. Ninguém tem uma personalidade tão acusada como aquele que junta em si mais generalidade, aquele que leva no seu interior mais dos outros. O génio, foi dito e convém repeti-lo frequentemente, é uma multidão. É a multidão individualizada, e é um povo feito pessoa. Aquele que tem mais de próprio é, no fundo, aquele que tem mais de todos, é aquele em quem melhor se une e concentra o que é dos outros.
(…) O que de melhor ocorre aos homens é o que lhes ocorre quando estão sozinhos, aquilo que não se atrevem a confessar, não já ao próximo mas nem sequer, muitas vezes, a si mesmos, aquilo de que fogem, aquilo que encerram em si quando estão em puro pensamento e antes de que possa florescer em palavras. E o solitário costuma atrever-se a expressá-lo, a deixar que isso floresça, e assim acaba por dizer o que todos pensam quando estão sozinhos, sem que ninguém se atreva a publicá-lo. O solitário pensa tudo em voz alta, e surpreende os outros dizendo-lhes o que eles pensam em voz baixa,
A Felicidade é Modesta e não Ambiciosa
Aqui tens o que posso dizer-te constantemente, a matéria que poderei estar sempre a debater, pois ambos vemos à nossa roda inúmeros milhares de pessoas inquietas que, a fim de obterem algo de altamente nocivo, andam com perseverança a praticar o mal, sempre à procura de coisas que logo a seguir deixam de lhes interessar, ou mesmo as enchem de repulsa! Já viste alguém contentar-se com uma coisa que, antes de a obter, lhe parecia mais que suficiente? A felicidade, ao contrário da opinião corrente, não é ambiciosa, mas sim modesta, e por isso mesmo nunca sacia ninguém. Tu pensas que aquilo que satisfaz o vulgo é elevado porque ainda estás longe da perfeição estóica; para quem a alcançou, tudo isso é absolutamente rasteiro! Minto: para quem começou a subir até esse nível, pois o ponto que tu pensas ser já o mais alto não passa de um degrau. Toda a gente é infelizmente confundida pela ignorância da verdade. Enganada pela opinião vulgar, procura como se fossem bens certas coisas que, depois de muito penar para as conseguir, verifica serem nocivas, inúteis ou inferiores ao que esperava. A maior parte das pessoas sente admiração por coisas que só ao fim de algum tempo se revelam ilusórias;
Liberdade Sofrida
Em tempos pensei que tinha sido ferido como homem algum jamais o fora. Por sentir isso, jurei escrever este livro. Mas muito antes de começar a escrevê-lo a ferida cicatrizou. Como jurara cumprir a minha tarefa, reabri a horrível ferida. Deixem-me explicar por outras palavras. Talvez ao abrir a ferida, a minha própria ferida, tenha fechado outras feridas, feridas de outras pessoas. Morre qualquer coisa, floresce qualquer coisa. Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente, para compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é muito diferente. O Buda, como sabemos, teve toda a vida um pensamento fixo no espírito: eliminar o sofrimento humano.
Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer para compreender que é assim.
Além disso, é só então que o verdadeiro significado do sofrimento humano se torna claro. No derradeiro momento desesperado – quando não podemos sofrer mais! – acontece qualquer coisa que tem a natureza de um milagre. A grande ferida aberta pela qual se escoava o sangue da vida fecha-se, o organismo desabrocha como uma rosa. Somos «livres», finalmente (…). Não são as lágrimas que mantêm viva a árvore da vida, mas sim o conhecimento de que a liberdade é real e eterna.
A Nefasta Hiperdemocracia dos Nossos Tempos
Ninguém, creio eu, deplorará que as pessoas gozem hoje em maior medida e número que antes, já que têm para isso os apetites e os meios. O mal é que esta decisão tomada pelas massas de assumir as actividades próprias das minorias, não se manifesta, nem pode manifestar-se, só na ordem dos prazeres, mas que é uma maneira geral do tempo. Assim (…) creio que as inovações políticas dos mais recentes anos não significam outra coisa senão o império político das massas. A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princípios o indivíduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Ao amparo do princípio liberal e da norma jurídica podiam atuar e viver as minorias. Democracia e Lei, convivência legal, eram sinónimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua directamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.
É falso interpretar as situações novas como se a massa se houvesse cansado da política e encarregasse a pessoas especiais o seu exercício. Pelo contrário. Isso era o que antes acontecia, isso era a democracia liberal. A massa presumia que,
A Imortalidade Pela Literatura, a Filosofia Como Meio de a Aceder
Simone de Beauvoir: Com que contava para sobreviver – na medida em que pensava sobreviver: com a literatura ou com a filosofia? Como sentia a sua relação com a literatura e a filosofia? Prefere que as pessoas gostem da sua filosofia ou da sua literatura, ou quer que gostem das duas?
Jean-Paul Sartre: Claro que responderei: que gostem das duas. Mas há uma hierarquia, e a hierarquia é a filosofia em segundo e a literatura em primeiro. Desejo obter a imortalidade pela literatura, a filosofia é um meio de aceder a ela. Mas aos meus olhos ela não tem em si um valor absoluto, porque as circunstâncias mudarão e trarão mudanças filosóficas. Uma filosofia não é válida por enquanto, não é uma coisa que se escreve para os contemporâneos; ela especula sobre realidades intemporais; será forçosamente ultrapassada por outros porque fala da eternidade; fala de coisas que ultrapassam de longe o nosso ponto de vista individual de hoje; a literatura, pelo contrário, inventaria o mundo presente, o mundo que se descobre através das leituras, das conversas, das paixões, das viagens; a filosofia vai mais longe; ela considera que as paixões de hoje, por exemplo, são paixões novas que não existiam na Antiguidade;
A Tempestade do Destino
Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.
(…) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba.
Saber Estar em Sociedade
O homem que não tem mais do que o próprio valor necessita de ser excelente em grande número de virtudes, tal como a pedra que não é preciosa necessita de ser revestida de metal; mas comummente acontece com a reputação o mesmo que com o lucro, se é verdadeiro o provérbio que diz: que com leves ganhos se fazem pesadas bolsas, porque estes são frequentes, enquanto os grandes só chegam de vez em quando; assim, também é verdade que pequenas coisas ganham grande recomendação, porque são de uso e de observação corrente, enquanto a ocasião de manifestar grandes virtudes só é dada nos dias-santos. Para adquirir boas maneiras basta apenas não as desdenhar, porque, habituando-nos a observá-las nos outros, deixamos confiadamente operar em nós a imitação; pois se cuidarmos de as exprimir, perdem logo a sua graça, a qual é serem naturais e desafectadas. O comportamento de cada homem deve ser como um verso, no qual todas as sílabas são medidas. Como pode um homem ocupar-se de grandes assuntos, se quebra demasiado o seu espírito com mesquinhas observações? Não usar completamente de cerimónias é ensinar aos outros que não as usem também, e assim diminuir o respeito próprio; especialmente, não devem ser omitidas perante estrangeiros e pessoas desconhecidas.
A Subjectividade dos Comportamentos
Podemos ter para com as coisas que nos acontecem ou que fazemos uma atitude mais geral ou mais pessoal. Podemos sentir uma pancada não apenas como dor, mas também como ofensa, e neste caso ela torna-se cada vez mais insuportável; mas também aceitá-la desportivamente, como um obstáculo que não nos intimidará nem nos arrastará para uma ira cega, e então não é raro nem sequer darmos por ela. Neste segundo caso, porém, o que aconteceu foi apenas que integrámos essa pancada num contexto mais geral, o do combate, e em função disso a natureza do golpe revelou-se dependente da tarefa que tem de desempenhar. E precisamente este fenómeno, que leva a que um acontecimento receba o seu significado, e mesmo o seu conteúdo, mediante a sua inserção numa cadeia de acções consequentes, produz-se em todos os indivíduos que não o encaram apenas como acontecimento pessoal, mas como desafio à sua capacidade intelectual.
Também ele será mais superficialmente afectado nas suas emoções pelo que faz. Mas, estranhamente, aquilo que se vê como sinal de inteligência superior num pugilista é visto como frieza e insensibilidade em pessoas que não sabem de boxe e nas quais isso se deve à sua inclinação para uma determinada forma de vida intelectual.
Amizade Verdadeira
Sê tardio no fazer amigos e constante no conservar a amizade. Os íntimos que escolheres sejam, não os que te podem dar maior prazer, mas maior proveito; não pessoas que falem o que é agradável, mas o que é devido; não que lisonjeiem, mas que digam a verdade. Se te acostumares a abrir os ouvidos à lisonja e a nela te compazeres, jamais ouvirás a verdade.
A Boa Vontade
De todas as coisas que podemos conceber neste mundo ou mesmo, de uma maneira geral, fora dele, não há nenhuma que possa ser considerada como boa sem restrição, salvo uma boa vontade. O entendimento, o espírito, o juízo e os outros talentos do espírito, seja qual for o nome que lhes dermos, a coragem, a decisão, a perseverança nos propósitos, como qualidades do temperamento, são, indubitávelmente, sob muitos aspectos, coisas boas e desejáveis; contudo, também podem chegar a ser extrordináriamente más e daninhas se a vontade que há-de usar destes bens naturais, e cuja constituição se chama por isso carácter, não é uma boa vontade. O mesmo se pode dizer dos dons da fortuna. O poder, a riqueza, a consideração, a própria saúde e tudo o que constitui o bem-estar e contentamento com a própria sorte, numa palavra, tudo o que se denomina felicidade, geram uma confiança que muitas vezes se torna arrogância, se não existir uma boa vontade que modere a influência que a felicidade pode exercer sobre a sensibilidade e que corrija o princípio da nossa actividade, tornando-o útil ao bem geral; acrescentemos que num espectador imparcial e dotado de razão, testemunha da felicidade ininterrupta de uma pessoa que não ostente o menor traço de uma vontade pura e boa,
O Medo do Sucesso
Há muitas pessoas com um enorme potencial e só não o materializam porque têm medo de deixar de ser quem são se atingirem determinado patamar. Ora isto é o maior sinal de que, e desculpa se estou a falar de ti, por muito que penses saber quem és, a verdade é que não fazes ideia do que pensas ser. Ninguém que saiba ser vive com medo de deixar de sê-lo à medida que vai conquistando novos mundos. Ninguém que saiba ser deixa de ser o que verdadeiramente é, ainda que a terra desabe ou o paraíso se torne parte dos seus dias. Quem é, é, ponto final, e não desenvolveres os teus dons com medo de abandonares quem pensas ser, é como condenares-te à morte pela asfixia da frustração, é como se metade de ti soubesse o caminho e a outra metade te puxasse para trás, é como estares tão perto do que és e tão longe de vires a sê-lo. O desgaste será um saco de plástico à volta do teu pescoço, cada vez mais apertado e tu mais ofegante até ao dia em que deixas de acreditar e pereces. É isso que queres? Outro dos motivos para o medo do sucesso é a possibilidade de perder pessoas,
O Sábio
Quem faz depender de si mesmo, se não tudo, quase tudo o que contribui para a sua felicidade, e não se prende a outra pessoa, nem se modifica de acordo com o bom ou o mau êxito da sua conduta, está, de facto, preparado para a vida; é sábio, na verdadeira acepção do termo, corajoso e temperante.
As Opiniões
Quando me manifestei com tanto ardor contra a opinião, estava ainda sob o seu jugo, sem me aperceber. Queremos ser estimados pelas pessoas que estimamos e, enquanto pude julgar favoravelmente os homens, ou pelo menos certos homens, os juízos que eles faziam a meu respeito não me podiam ser indiferentes. Via que os juízos do público são muitas vezes justos; mas não via que essa justiça resultava do acaso, que as regras sobre as quais os homens fundamentam as suas opiniões são extraídas apenas das suas paixões ou dos seus preconceitos, que provêm deles, e que, mesmo quando ajuizam bem, é frequente que esses bons juízos nasçam de um mau princípio, como acontece quando fingem honrar, a propósito de algum sucesso, o mérito de um homem, não por espírito de justiça, mas para se dar ares de imparcialidade, ao mesmo tempo que caluniam à vontade esse homem relativamente a outros pontos.
Quando, porém, após longas e vãs pesquisas, vi que todos eles, sem excepção, se mantinham dentro do sistema mais iníquio e absurdo que um espírito infernal pode inventar; quando vi que, a meu respeito, a razão fora banida de todas as cabeças e a justiça de todos os corações;
Conduta e Poesia
Quando o tempo nos vai comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos se já chegou a hora de envilecermos. A hora dolorosa de ver como o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou proventura, a inércia que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o «artístico» se apodere do poeta e, em vez do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida?
Aí, o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola.
O tempo lava e desenvolve, ordena e continua.
E que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade?