Textos sobre Possibilidades

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Textos de possibilidades escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Entendimento Lúcido do Futuro

Uma diferença característica e muito frequente na vida diária entre as cabeças comuns e as sensatas é que as primeiras, na sua ponderação e avaliação sobre possíveis perigos, querem saber e levam em conta apenas o que de semelhante já terá acontecido. As outras, pelo contrário, ponderam o que possivelmente poderia acontecer. É como se tivessem em mente o provérbio espanhol: «O que não acontece num ano, acontece num instante». Decerto, a diferença em questão é natural, pois, para abarcar com a vista aquilo que pode acontecer, é preciso entendimento; já para ver aquilo que aconteceu, são suficientes os sentidos.
A nossa máxima, então, é: sacrifica-te aos demónios malignos. Por outras palavras, não se deve temer uma certa perda de esforço, tempo, desconforto, transtorno, dinheiro ou privação, para fechar as portas à possibilidade de uma desgraça. E quanto maior a desgraça, tanto menor, mais remota e improvável a sua possibilidade. O exemplo mais claro desta regra é o prémio do seguro. Ele é um sacrifício público oferecido por todos no altar dos demónios malignos.

Precisamos do Outro para Encontrar a Verdade

Só alcançamos a verdade do nosso pensamento quando incansavelmente nos esforçamos por pensar colocando-nos no lugar de qualquer outro. É preciso conhecer o que é possível ao homem. Se tentamos pensar seriamente aquilo que outrem pensou aumentamos as possibilidades da nossa própria verdade, mesmo que nos recusemos a esse outro pensamento.
Só ousando integrar-nos totalmente nele o podemos conhecer. O mais remoto e estranho, o mais excessivo e excecpcional, mesmo o aberrativo, incitam-nos a não passar ao largo da verdade por omissão de algo de original, por cegueira ou por lapso.

Falar Sempre, Pensar Nunca

Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. E esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações se torna racionalização. Em vez de realizar o trabalho de autognose, os endoutrinados adquirem a capacidade de subsumir todos os conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência materna, extrovertido e introvertido, que, no fundo, são pouco menos que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do eu é eliminado mediante a consciência de que não se trata mais do que uma artrite ou de sinus troubles.
Os conflitos perdem assim o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação do indivíduo com a instância social;

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A Mocidade Propõe, a Maturidade Dispõe

É função da mocidade ser profundamente sensível às novas ideias como instrumentos rápidos para dominar o meio; e é função da idade madura opor-se tenazmente a essas ideias ; isso faz com que as inovações fiquem em experiência por algum tempo antes que a sociedade as ponha em prática. A maturidade atenua as ideias novas, redu-las de modo a caberem dentro da possibilidade ou a que só se realizem em parte. A mocidade propõe, a maturidade dispõe, a velhice opõe-se. A mocidade domina nos períodos revolucionários; a maturidade, nos períodos de reconstrução; a velhice, nos períodos de estagnação. «Dá-se com os homens», diz Nietzsche, «o mesmo que com as carvoarias na floresta. Só depois que a mocidade se carboniza é que se torna utilizável. Enquanto está a arder será muito interessante, mas incómoda e inútil.»

A Caridade como Dever

Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo porém que neste caso uma tal acção, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por exemplo o amor das honras que, quando por feliz acaso topa aquilo que efectivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é consequentemente honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais acções se pratiquem, não por inclinação, mas por dever.
Admitindo pois que o ânimo desse filantropo estivesse velado pelo desgosto pessoal que apaga toda a compaixão pela sorte alheia, e que ele continuasse a ter a possibilidade de fazer bem aos desgraçados, mas que a desgraça alheia o não tocava porque estava bastante ocupado com a sua própria; se agora, que nenhuma inclinação o estimula já, ele se arrancasse a esta mortal insensibilidade e praticasse a acção sem qualquer inclinação,

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Quanto Mais se Ama Mais Fraco se É

Nas relações amorosas o único sentimento que não funciona é o da piedade. Quando é o caso de que se devesse manifestar, o que surge não é a piedade mas o asco ou a irritação. Eis porque em relação alguma se é tão cruel. Todos os sentimentos têm o seu contraponto. Excluída a piedade, a crueldade não o tem. Por experiência se pode saber quanto se sofre quando não se é amado. Mas isso de nada vale quando se não ama quem nos ama: é-se de pedra e implacável. Decerto, tudo se pode pedir e obter. Excepto que nos amem, porque nenhum sentir depende da nossa vontade. Mas só no amor se é intolerante e cruel. Porque mostar amor a quem nos não ama rebaixa-nos a um nível de degradação. E a degradação só nos dá lástima e repulsa. A única possibilidade de se ser amado por quem nos não ama é parecer que se não ama. Então não se desce e assim o outro não sobe. E então, porque não sobe, ele tem menos apreço por si, ou seja, mais apreço pelo amante. O jogo do amor é um jogo de forças. Quanto mais se ama mais fraco se é.

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O Paradoxo da Liberdade

É porque eu sou a minha voz, é porque ela existe minha no instante em que a estou erguendo, que me escapa a sua intelecção. E todo o equívoco do problema da liberdade está aí. Porque a liberdade experimenta-se e nada a pode demonstrar. Demonstrá-la exigiria que estivéssemos fora de nós, porque na própria demonstração estamos sendo o homem livre cuja liberdade desejávamos provar. Assim essa tentativa, como disse, é tão absurda como pretender a intelecção de uma língua fora de uma qualquer língua. Porque enquanto entendo uma língua, estou sendo aquela língua dentro da qual estou entendendo a outra. Quanto estou tentando entender a minha liberdade estou sendo quem sou na intelecção disso que sou. Eis-nos pois remetidos para o limiar de nós próprios, para o absoluto da escolha antes da escolha, para a identidade incompreensível entre o ser que é o nosso e a escolha desse ser.
Que tem que fazer aqui a razão? Somos livres, como sabemos na consciente vivência do acto de ser consciente. Somos livres, como o sabemos da possibilidade de se ser e de se saber que se é, da infinita e infinitesimal diferença entre mim e mim, entre ser-se o que se é e o saber-se que se é esse ser,

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Um Vento de Ambições Económicas em Todos os Graus

Elementos subversivos fermentam, de mistura com interesses económicos à vista, em povos não preparados para a emancipação, que é hoje a fórmula aliciante das novas servidões. Independências alicerçadas em ódios políticos ou rácicos constituem-se em unidades nacionais desprovidas de apoio económico e técnico, capaz de valorizá-las e fazê-las progredir. Nacionalismos imprudentes e excessivos cavam a ruína de povos que só a cooperação amigável podia salvar. A miragem do aumento indefinido das riquezas traz as imaginações em alvoroço: confiantes numa técnica que se afirma de possibilidades ilimitadas, somos batidos por um vento de ambições económicas em todos os graus — nos indivíduos, nos povos, no género humano. E no entanto os homens por toda a parte se mostram desalentados, ansiosos, inquietos, como se a riqueza e as diversões não trouxessem às almas consolação nem paz. Os tão reclamados direitos da pessoa humana (que muitos julgam ter descoberto agora) parece visarem preferentemente a massa confusa, desumanizada, despersonalizada, e não o homem na integridade e plenitude do seu ser, da sua nobreza e valor infinito.

A Luta para a Supressão Radical das Guerras

A minha participação na produção da bomba atómica consistiu numa única acção: assinei uma carta dirigida ao presidente Roosevelt, na qual se sublinhava a necessidade de levar a cabo experiências em grande escala, para investigação das possibilidades de produção duma bomba atómica.
Tive bem consciência do grande perigo que significava para a Humanidade o êxito desse empreendimento. Mas a probabilidade de que os Alemães trabalhassem no mesmo problema e fossem bem sucedidos, obrigou-me a dar este passo. Não tinha outra solução, embora tivesse sido sempre um pacifista convicto. Foi, portanto, uma reacção de legítima defesa.
Enquanto, porém, as nações não estiverem resolvidas a trabalhar em comum para suprimir a guerra, a resolverem os seus conflitos por decisão pacífica e a protegerem os seus interesses de maneira legal, vêem-se obrigadas a preparar-se para a guerra. Vêem-se, mais, obrigadas a preparar todos os meios, mesmo os mais detestáveis, para não se deixarem ficar para trás, na corrida geral aos armamentos. Este caminho conduz fatalmente à guerra que, nas condições actuais, significa destruição geral.
Nestas condições, a luta contra os meios não tem probabilidades de êxito. Só ainda pode valer a supressão radical das guerras e do perigo de guerra.

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Sonhos Prometedores

Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca da nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece.

O Amor não Tem nada que Ver com a Idade

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.

Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como factor de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.

O Homem não Deseja a Paz

Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego colectivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em acção. Da paz se diz que é «podre», porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inactividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.

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As Perguntas Verdadeiramente Importantes

As perguntas verdadeiramente importantes são as que uma criança pode formular – e apenas essas. Só as perguntas mais ingénuas são realmente perguntas importantes. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma pergunta para a qual não há resposta é um obstáculo para lá do qual não se pode passar. Ou, por outras palavras: são precisamente as perguntas para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência.

O Nascimento do Prazer

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.

Toda a Acção é Egoísta

Não pode haver acções que não sejam egoístas. Palavras como «instinto altruísta» soam aos meus ouvidos como machadadas. Bem gostaria eu que alguém tentasse demonstrar a possibilidade de actos desses! O povo e quem se lhe assemelha é que acredita que eles existem. Também há quem creia que o amor maternal e o amor carnal são sentimentos altruístas!
É um erro histórico supor que os povos sempre equipararam o sentido de egoísmo e de altruísmo ao de bem e de mal. Bem mais antiga é a concepção de lícito e ilícito, respectivamente como bem e mal, em conformidade com o cumprimento ou falta de cumprimento dos costumes.

As Nossas Possibilidades de Felicidade

É simplesmente o princípio do prazer que traça o programa do objectivo da vida. Este princípio domina a operação do aparelho mental desde o princípio; não pode haver dúvida quanto à sua eficiência, e no entanto o seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo como com o microcosmo. Não pode simplesmente ser executado porque toda a constituição das coisas está contra ele; poderíamos dizer que a intenção de que o homem fosse feliz não estava incluída no esquema da Criação. Aquilo a que se chama felicidade no seu sentido mais restrito vem da satisfação — frequentemente instantânea — de necessidades reprimidas que atingiram uma grande intensidade, e que pela sua natureza só podem ser uma experiência transitória. Quando uma condição desejada pelo princípio do prazer é protelada, tem como resultado uma sensação de consolo moderado; somos constituídos de tal forma que conseguirmos ter prazer intenso em contrastes, e muito menos nos próprios estados intensos. As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz.
O sofrimento tem três procedências: o nosso corpo, que está destinado à decadência e dissolução e nem sequer pode passar sem a ansiedade e a dor como sinais de perigo;

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A Necessidade do Desarmamento

A realização do plano de desarmamento tem sido prejudicada principalmente por ninguém se dar verdadeiramente conta da enorme dificuldade do problema em geral. A maior parte dos objectivos só são atingidos a passos lentos. Basta pensar na substituição da Monarquia absoluta pela Democracia! É um objectivo que convém atingir depressa.
Com efeito, enquanto não for excluída a possibilidade de guerra, as nações não prescindirão de se prepararem militarmente o melhor possível, para poderem enfrentar vitoriosamente a próxima guerra. Nem tão-pouco se prescindirá de educar a juventude nas tradições guerreiras, de alimentar a comezinha vaidade nacional aliada à glorificação do espírito guerreiro, enquanto for preciso contar com a possibilidade de vir a fazer uso desse espírito dos cidadãos na resolução dos conflitos pelas armas. Armar-se significa precisamente afirmar e preparar a guerra e não a paz! Portanto, não interessa proceder ao desarmamento gradual mas radicalmente, de uma só vez, ou nunca.
A realização de tão profunda modificação na vida dos povos tem como condição um enorme esforço moral e o abandono de tradições profundamente enraizadas. Quem não estiver preparado para, em caso de conflito, fazer depender o destino da sua pátria incondicionalmente das decisões dum tribunal internacional de arbitragem,

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A Luta do Antigo e do Novo

É sempre igual a luta do que é antigo, do que já existe e procura subsistir, contra o desenvolvimento, a formação e a transformação. Toda a ordem acaba por dar origem à pedanteria e para nos libertarmos dela destrói-se a ordem. Depois, demora sempre algum tempo até que se ganhe consciência de que é preciso voltar a estabelecer uma ordem. O clássico face ao romântico, a obrigação corporativa face à liberdade profissional, o latifúndio face à pulverização da propriedade fundiária: o conflito é sempre o mesmo e há-de sempre dar origem a um novo conflito. Deste modo, a maior prova de entendimento por parte do governante seria regular essa luta de tal maneira que, sem prejuízo de cada uma das partes, conseguisse manter-se equidistante.
É, no entanto, uma possibilidade que não foi dada aos homens, e Deus não parecer querer que assim aconteça.

Filosofia e Amor são completamente Antagónicos

Entre a filosofia e o amor não há possibilidade de convivência. A filosofia exila a mulher e a mulher exclui a filosofia. Os filósofos são todos cérebro sem coração nem testículos. Aqueles que tiveram mulheres e filhos são filósofos menores, em segunda mão. Os maiores são todos misóginos.
A filosofia tem relação com a castidade: quem se aproxima da mulher não pode alcançar o absoluto. Os filósofos foram eunucos, como Orígenes e Abelardo; ou virgens por eleição, como São Tomás e São Boaventura; ou eternos celibatários, como Platão, Espinosa, Kant, Schopenhauer, Nietzsche, como todos os maiores. Quem teve mulher, como Sócrates, considerou-a empecilho e tortura.
São antes sodomitas, como Séneca e Bacon, ou onanistas, como Rousseau, Kierkegaard e Leopardi – em todos os casos, antifemininos. A mulher é a vida e a filosofia uma espécie de morte; a dona é o primado do sentimento e a filosofia quer ser racionalismo puro; a mulher é capricho e novidade e a filosofia ordem e sistema.
No entanto, a filosofia não se pode vangloriar de vencer, com a sua força, a tentação de Eros – é verdade, ao invés, que a frigidez e a impotência predispõem para a filosofia. Se virem um filósofo marido e pai feliz,

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Controlar a Vida a 360 Graus

Vivemos numa sociedade dominada cada vez mais pelo mito do controlo. E o seu postulado dogmático é este: a receita para uma vida realizada é a capacidade de controlá-la a 360 graus. Não percebemos até que ponto uma mentalidade assim representa a negação do princípio de realidade. Isto para dizer como somos pouco ajudados a lidar com a irrupção do inesperado que hoje o sofrimento representa. Sentimos a dor como uma tempestade estranha que se abate sobre nós, tirânica e inexplicável. Quando ela chega, só conseguimos sentir-nos capturados por ela, e os nossos sentidos tornam-se como persianas que, mesmo inconscientemente, baixamos. A luz já não nos é tão grata, as cores deixam de levar-nos consigo na sua ligeireza, os odores atormentam-nos, ignoramos o prazer, evitamos a melodia das coisas. Damos por nós ausentes nessa combustão silenciosa e fechada onde parece que o interesse sensorial pela vida arde. «A dor é tão grande, a dor sufoca, já não tem ar. A dor precisa de espaço», escreve Marguerite Duras nas páginas autobiográficas do volume a que chamou «A Dor». E descobrimo-nos mais sós do que pensávamos no meio desse incêndio íntimo que cresce. Nas etapas de sofrimento a impotência parece aprisionar enigmaticamente todas as nossas possibilidades.

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