Os afectos generosos estendem a sua generosidade aos sentimentos dos outros corações, ainda quando lhes são opostos.
Passagens sobre Afeto
154 resultadosO Segredo das Mulheres
Como os homens andam sempre atrasados em relação às mulheres (porque só pensam numa coisa de cada vez e acham que falar acerca das coisas é pior do que fazê-las), quem sabe se não é estudando o comportamento feminino de hoje que poderemos vislumbrar o nosso macaquismo masculino de amanhã?
As mulheres de hoje sabem quem lhes pode fazer mal: são as outras mulheres. Os homens, por muito amados e queridos, nem sequer são considerados competidores. São como são, têm a inteligência e o material que têm – e que Deus os abençoe por ser assim, como os pêssegos-rosa e os arcos-íris e todos os outros fenómenos naturais que são difíceis de prever e de controlar.O segredo das mulheres, que nenhum homem pode perceber, a não ser que seja amado por alguma que se sinta suficientemente amada por um para lhe contar mais do que o suficiente para ele continuar a existir tal como é (que mais não se lhe pede) é: os homens não entram na equação. É tudo uma questão entre elas.
Elas são espertas. É por isso que morrem de medo umas das outras. Conhecem o perigo e sabem quem pode emperigá-las.
Toda a Comunidade nos Torna Vulgares
Viver com uma imensa e orgulhosa calma; sempre para além. – Ter e não ter, arbitrariamente, os seus afectos, o seu pró e contra, condescender com eles por umas horas; montar sobre eles como em cavalos, frequentemente como em burros; – é que se deve saber aproveitar a sua estupidez tal como a sua fogosidade. Conservar os seus trezentos primeiros planos; também os óculos escuros; pois há casos em que ninguém nos deve olhar nos olhos e muito menos ainda nas nossas «razões». E escolher, para companhia, aquele vício matreiro e sereno, a cortesia. E ficar senhor das suas quatro virtudes, a coragem, a perspicácia, a simpatia, a solidão. Pois a solidão é entre nós uma virtude, como tendência e impulso sublimes do asseio que adivinha como, no contacto de homem para homem – «em sociedade» – tudo é, inevitavelmente, sujo, Toda a comunidade nos torna de qualquer modo, em qualquer parte, em qualquer altura – «vulgares».
Para a Psicologia do Artista
Para que haja arte, para que haja alguma acção e contemplação estéticas, torna-se indispensável uma condição fisiológica prévia: a embriaguez. A embriaguez tem de intensificar primeiro a excitabilidade da máquina inteira: antes disto não acontece arte alguma. Todos os tipos de embriaguez, por muito diferentes que sejam os seus condicionamentos, têm a força de conseguir isto: sobretudo a embriaguez da excitação sexual, que é a forma mais antiga e originária de embriaguez. Também a embriaguez que se segue a todos os grandes apetites, a todos os afectos fortes; a embriaguez da festa, da rivalidade, do feito temerário, da vitória, de todo o movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez da destruição; a embriaguez resultante de certos influxos meteorológicos, por exemplo a embriaguez primaveril; ou a devida ao influxo dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade sobrecarregada e dilatada. — O essencial na embriaguez é o sentimento de plenitude e de intensificação das forças. Deste sentimento fazemos partícipes as coisas, contragemo-las a que participem de nós, violentamo-las, — idealizar é o nome que se dá a esse processo. Libertemo-nos aqui de um preconceito: o idealizar não consiste, como se crê comummente, num subtrair ou diminuir o pequeno,
O Bem e o Mal
Em princípio, é justo que se mostre maior afecto por aqueles que mais contribuíram para o enobrecimento dos homens e da vida humana. Se porém indagarmos quais são esses homens vemo-nos perante dificuldades. Nos chefes políticos, e até mesmo nos chefes religiosos, é por vezes bastante duvidoso sabermos se o que fizeram serviu mais para o bem do que para o mal.
Creio pois, muito sériamente, que a melhor maneira de servir os homens é ocupá-los numa tarefa nobre, mediante a qual eles se enobrecem indirectamente. Isto aplica-se em primeiro lugar aos artistas notáveis, em segundo lugar aos investigadores. É certo que os resultados da investigação não enobrecem nem enriquecem o homem; o que o enobrece são os esforços que faz pela compreensão, o trabalho intelectual produtivo e receptivo.
Seria decerto descabido querer-se ajuizar do valor do Talmude pelos seus resultados intelectuais.
José Anaiço está ao lado de Joana Carda mas não lhe toca, compreende que não deve tocar-lhe, ela compreende-o também, há momentos em que mesmo o amor deve conformar-se com a sua insignificância, perdoai que assim reduzamos o extremo dos afetos a quase nada, ele que em outras ocasiões é quase tudo.
A Memória é Como o Ventre da Alma
Encerro também na memória os afectos da minha alma, não da maneira como os sente a própria alma, quando os experimenta, mas de outra muito diferente, segundo o exige a força da memória.
Não é isto para admirar, tratando-se do corpo: porque o espírito é uma coisa e o corpo é outra. Por isso, se recordo, cheio de gozo, as dores passadas do corpo, não é de admirar. Aqui, porém, o espírito é a memória. Efectivamente, quando confiamos a alguém qualquer negócio, para que se lhe grave na memóra, dizemos-lhe: «vê lá, grava-o bem no teu espírito». E quando nos esquecemos, exclamamos: «não o conservei no espírito», ou então: «escapou-se-me do espírito»; portanto, chamamos espírito à própria memória.
Sendo assim, porque será que, ao evocar com alegria as minhas tristezas passadas, a alma contém a alegria e a memória a tristeza, de modo que a minha alma se regozija com a alegria que em si tem e a memória se não entristece com a tristeza que em si possui? Será porque não faz parte da alma? Quem se atreverá a afirmá-lo?
Não há dúvida que a memória é como o ventre da alma. A alegria, porém, e a tristeza são o seu alimento,
A Minha Estrela
A meu irmão Aprígio A.
E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
– A sombra deste afeto estiolado.Disse, e a estrela foi p’ra o Céu subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindoSurgia a Aurora – a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!
A vontade se superar um afecto não é, em última análise, senão vontade de um outro ou de vários outros afectos.
Andava à deriva, sem afetos, sem ambições, como uma estrela errante no sistema planetário de Úrsula. ( Cem Anos de Solidão)
Como Eu não Possuo
Olho em volta de mim. Todos possuem –
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh’alma pára e não os sente!Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?…* * * * *
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d’harmonia e côr!…Desejo errado… Se a tivera um dia,
Marília de Dirceu
(excerto)
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela, graças à minha estrela!Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
E bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
As Rosas
Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio úmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não… Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.
O Tumulto
O tumulto concentrado da minha imaginação intelectual…
Fazer filhos à razão prática, como os crentes enérgicos…
Minha juventude perpétua
De viver as coisas pelo lado das sensações e não das responsabilidades.
(Álvaro de Campos, nascido no Algarve, educado por um tio-avô, padre,
que lhe instilou um certo amor às coisas clássicas.) (Veio para Lisboa muito novo …)
A capacidade de pensar o que sinto, que me distingue do homem vulgar
Mais do que ele se distingue do macaco.
(Sim, amanhã o homem vulgar talvez me leia e compreenda a substância do meu ser,
Sim, admito-o,
Mas o macaco já hoje sabe ler o homem vulgar e lhe compreende a substância do ser.)Se alguma coisa foi por que é que não é
Ser não é ser?As flores do campo da minha infância, não as terei eternamente,
Em outra maneira de ser?
Perderei para sempre os afetos que tive, e até os afetos que pensei ter?
Há algum que tenha a chave da porta do ser, que não tem porta,
E me possa abrir com razões a inteligência do mundo?
Um gesto de afeto, por mais simples que seja, será eterno se for expressão de amor verdadeiro. Isto porque o amor, sendo manifestação da Vida de Deus, é eterno.
Obrei quanto o Discurso me Guiava
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.
Podem até existir caminhos onde a solidão seja uma via viável, mas não há veredas como aquelas em que as mãos são dadas, os afetos sentidos e o calor humano multiplicado.
Da Ideia do Belo em Geral
I – Chamamos ao belo ideia do belo. Este deve ser concebido como ideia e, ao mesmo tempo, como a ideia sob forma particular; quer dizer, como ideal. O belo, já o dissemos, é a ideia; não a ideia abstracta, anterior à sua manifestação, não realizada, mas a ideia concreta ou realizada, inseparável da forma, como esta o é do principio que nela aparece. Ainda menos devemos ver na ideia uma pura generalidade ou uma colecção de qualidades abstraídas dos objectos reais. A ideia é o fundo, a própria essência de toda a existência, o tipo, unidade real e viva da qual os objectos visíveis não são mais que a realização exterior. Assim, a verdadeira ideia, a ideia concreta, é a que resume a totalidade dos elementos desenvolvidos e manifestados pelo conjunto dos seres. Numa palavra, a ideia é um todo, a harmoniosa unidade deste conjunto universal que se processa eternamente na natureza e no mundo moral ou do espírito.
Só deste modo a ideia é verdade, e verdade total.
Tudo quanto existe, portanto, só é verdadeiro na medida em que é a ideia em estado de existência; pois a ideia é a verdadeira e absoluta realidade. Nada do que aparece como real aos sentidos e à consciência é verdadeiro por ser real,
O Sucesso para um Grande Amor
Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!… E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrelado», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia,
Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Só por que nunca falte onde sobeja.Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.