Liberdade com Limites
Há muitas espécies de liberdade. Umas tem o mundo de menos, outras tem o mundo de mais. Mas ao dizer que pode haver «de mais» de uma certa espécie de liberdade devo apressar-me a acrescentar que a única espécie de liberdade que considero indesejável é aquela que permite diminuir a liberdade de outrem, por exemplo, a liberdade de fazer escravos.
O mundo não pode garantir-se a maior quantidade possível de liberdade instituindo, pura e simplesmente, a anarquia, pois nesse caso os mais fortes seriam capazes de privar da liberdade os mais fracos. Duvido de que qualquer instituição social seja justificável se contribui para diminuir o quantitativo total de liberdade existente no mundo, mas certas instituições sociais são justificáveis apesar do facto de coarctarem a liberdade de um certo indivíduo ou grupo de indivíduos.
No seu sentido mais elementar, liberdade significa a ausência de controles externos sobre os actos de indivíduos ou grupos. Trata-se, portanto, de um conceito negativo, e a liberdade, por si só, não confere a uma comunidade qualquer alta valia.
Os Esquimós, por exemplo, podem dispensar o Governo, a educação obrigatória, o código das estradas, e até as complicações incríveis do código comercial. A sua vida,
Passagens sobre Altos
526 resultadosSoneto 263 A Mama Cass
Se magra é minha Sandra carioca,
gordona foi Cassandra, outro tesão
das minhas fantasias, que hoje são
lembranças se a vitrola, ao fundo, toca.Mulher o meu desejo só provoca
se for ou varapau ou balofão:
oitenta ou oito; o meio termo não.
Por isso a Mama Cass, morta, me choca.Um simples sanduíche nos privava,
fatídico, entalado na garganta,
daquela voz famosa, que não gravamais coisas como aquilo que me encanta:
“Palavras de amor”. Cass, você foi brava!
Nenhum peso mais alto se alevanta!
A Ordem das Coisas
Natura deficit, fortuna mutatur, deus omnia cernit. A natureza trai-nos, a sorte muda, um deus vê do alto todas estas coisas. Apertava ao dedo a mesa de um anel onde, num dia de amargura, mandava gravar estas palavras tristes; ia mais longe no desengano, talvez na blasfémia; acabava por achar natural, senão justo, que devíamos perecer. As nossas letras esgotam-se; as nossas artes adormecem; Pâncrates não é Homero; Arriano não é Xenofonte; quando tentei imortalizar na pedra a forma de Antínoo não encontrei Praxíteles. Depois de Aristóteles e de Arquimedes, as nossas ciências não progridem; os nossos progressos técnicos não resistiriam ao desgaste de uma longa guerra; mesmo os nossos voluptuosos desgostam-se da felicidade. O abrandamento dos costumes, o avanço das ideias no decorrer do último século é obra de uma infima minoria de bons espíritos; a massa continua ignara, feroz, quando pode, de qualquer forma egoísta e limitada, e há razões para apostar que ficará sempre assim. Procuradores a mais, publicanos ávidos, demasiados senadores desconfiados, demasiados centuriões brutais comprometeram adiantadamente a nossa obra; e os impérios, como os homens, já não têm tempo para se instruírem à custa das suas faltas. Onde quer que um tecelão remendar o seu pano,
Próxima Estação
Querida amiga,
Já terás partido para longe quando estiveres a ler estas linhas… permite-me que partilhe contigo o que sinto a respeito desta tua grande mudança…
Nunca é bom colocarmos qualquer tipo de âncora na saudade ou nos sonhos. A nossa casa, o nosso país, é o lugar onde nós estamos. É aí que temos de ser quem somos. É aí que temos de descobrir a felicidade de cada dia. Tudo o resto é estrangeiro.
Cada homem pertence tanto ao sítio de onde vem como àquele para onde vai. A ideia de que as nossas raízes nos prendem e condenam segue na linha errada da outra, também comum, de que os sonhos nos fazem perder… não, a vida é esta forma de ir sendo sempre mais, o que se foi, tanto quanto o que ainda não se é… uma viagem, não uma estação.
Sei que partes com dor porque temes perder quem aqui fica e não ter ninguém por lá, onde chegarás… sabes, em pouco tempo, terás de aceitar que muitos dos que agora lamentam muito a tua partida, se preocuparão tão pouco em saber como estás…Já fizeste muita gente feliz aqui…
Quem me dirá se, lá no alto, o céu também é para o mau, para o perjuro? Para onde vai a alma que morreu? Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!
Dedicatória
Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta cousa afinal na nossa história…
E este verso – é a feliz dedicatória…
onde a minha alma inteira se declara…Abre este livro… E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração…E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!
Quanto Mais Pode Amor num Peito Humano
Quanto mais pode amor num peito humano,
Tanto se mostra mais não ter firmeza,
Pois quando dá mor gosto e mor alteza,
Então é mais cruel e desumano;Põe debaixo do bem um falso engano,
Promete-vos prazer, dá-vos tristeza,
Seus afagos e gostos são crueza,
O mor gosto que tem é ser tirano.Alto me pôs a fé e o pensamento,
Por que mor queda assim fizesse dar-me
Amor, que em ser cruel é tão isento;Foi-me desenganar por segurar-me;
Assim, quanto me deu, foi tudo vento,
Desenganou-me enfim, para enganar-me!
Ser intransigente com os outros não tem grande sentido; eles são o que podem ser e creio bem que seriam melhores se o pudessem; a Natureza ou o meio lhes tiraram as condições que os levariam mais alto; não os devo olhar senão com uma íntima piedade.
Pecado Original
Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Proémio
Em nome daquele que a Si mesmo se criou!
De toda eternidade em ofício criador;
Em nome daquele que toda a fé formou,
Confiança, actividade, amor, vigor;
Em nome daquele que, tantas vezes nomeado,
Ficou sempre em essência imperscrutado:Até onde o ouvido e o olhar alcançam,
A Ele se assemelha tudo o que conheces,
E ao mais alto e ardente voo do teu ‘spírito
Já basta esta parábola, esta imagem;
Sentes-te atraído, arrastado alegremente,
E, onde quer que vás, tudo se enfeita em flor;
Já nada contas, nem calculas já o tempo,
E cada passo teu é já imensidade.*
Que Deus seria esse então que só de fora impelisse,
E o mundo preso ao dedo em volta conduzisse!
Que Ele, dentro do mundo, faça o mundo mover-se,
Manter Natureza em Si, e em Natureza manter-Se,
De modo que ao que nele viva e teça e exista
A Sua força e o Seu génio assista.*
Dentro de nós há também um Universo;
Daqui nasceu nos povos o louvável costume
De cada qual chamar Deus,
A Hipocrisia do Amor ao Povo
Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha.
Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afectada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve.
É necessário subir muito alto para bem descortinar as ilusões e angústias da ambição, poder e soberania.
Se eu pudesse ao menos te mostrar o que se enxerga lá do alto Com o céu tão perto, limpo e claro Ou com os olhos fechados.
O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.
O que você é te controla, e ecoa tão alto, que eu não consigo ouvir o que você diz ao contrário.
Os Versos, que Cantei Importunado
Os versos, que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia,
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando, por haver tão mal cantado.Se nestes não ficar tão desculpado
Quanto mais alto estilo merecia,
Não me podem negar a melhoria
Da mudança, que diz dum noutro estado.Que vai que sejam bem ou mal aceitos?
Pois não os escrevi para louvores
Humanos, pelo menos perigosos,Senão para plantar em tenros peitos
Desejos de colher divinas flores
À força de suspiros saudosos.
A inveja assalta os mais nobre;o vento ruge nos mais altos picos.
O que de mais alto recebemos de Deus e da Natureza é a vida, o movimento de rotação em torno de si mesmo, o qual não conhece descanso, nem repouso.
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mão macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinóis lembram o céu…Dizem as lendas que Satã vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmóreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vêm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…
A Felicidade é Modesta e não Ambiciosa
Aqui tens o que posso dizer-te constantemente, a matéria que poderei estar sempre a debater, pois ambos vemos à nossa roda inúmeros milhares de pessoas inquietas que, a fim de obterem algo de altamente nocivo, andam com perseverança a praticar o mal, sempre à procura de coisas que logo a seguir deixam de lhes interessar, ou mesmo as enchem de repulsa! Já viste alguém contentar-se com uma coisa que, antes de a obter, lhe parecia mais que suficiente? A felicidade, ao contrário da opinião corrente, não é ambiciosa, mas sim modesta, e por isso mesmo nunca sacia ninguém. Tu pensas que aquilo que satisfaz o vulgo é elevado porque ainda estás longe da perfeição estóica; para quem a alcançou, tudo isso é absolutamente rasteiro! Minto: para quem começou a subir até esse nível, pois o ponto que tu pensas ser já o mais alto não passa de um degrau. Toda a gente é infelizmente confundida pela ignorância da verdade. Enganada pela opinião vulgar, procura como se fossem bens certas coisas que, depois de muito penar para as conseguir, verifica serem nocivas, inúteis ou inferiores ao que esperava. A maior parte das pessoas sente admiração por coisas que só ao fim de algum tempo se revelam ilusórias;