Humildade Secreta
Fico parado, em ĂŞxtase suspenso,
Ă€s vezes, quando vou considerando
Na humildade simpática, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂ´meno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.De onde não sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂmpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.
Passagens sobre Céu
1151 resultadosIrmĂŁo
Eu não fiz uma revolução.
Mas me fiz irmão de todas as revoluções.
Eu fiquei irmĂŁo de muitas coisas no mundo.
IrmĂŁo de uma certa camisa.
Uma certa camisa que era de um gesto de céu
e com certo carinho me vestia, como se me
vestisse de árvore e de nuvens.
Eu fiquei irmĂŁo de uma vaca, como se ela
também sonhasse. Fiquei irmão de um vira-lata
com o brio com que ele também me abraçava.
Fiquei irmĂŁo de um riacho, que Ă© nome
de rio pequeno, um pequeno que cabe
todo dentro de mim, me falando,
me beijando, me lambendo, me lembrando.
Brincava e me envolvia, certos dias eu
girava em torno do redemoinho do cachorro
e do riacho e da vaca, sem Ă s vezes saber
se estava beijando o riacho, o cachorro
ou a vaca, com um grande céu
me entornando, com um grande céu
com a vaca no lombo e com o cĂŁo,
com o riacho rindo de nĂłs todos.
Eu fiquei irmĂŁo de livros, de gentes.
Eu fiquei irmĂŁo de uma certa montanha.
A Paisagem Faz a Raça
A paisagem faz a raça. A Holanda Ă© uma terra pacĂfica e serena, porque a sua paisagem Ă© larga, plana e abundante. A paisagem que fez o grego, era o mar, reluzente e infinito, o cĂ©u, sereno, transparente, doce, e destacando-se sob aquela imobilidade azul, um templo branco, puro, augusto, rĂtmico, entre a sombra que faz um grupo de oliveiras. A paisagem do romano Ă© toda jurĂdica: as terras ásperas, a perder de vista, separadas por marcos de tijolo; uma grande charrua puxada por bĂşfalos, vai passando entre os trigos; uma larga estrada lajeada, eterna, sobre a qual rolam as duas altas rodas maciças dum carro sabino; uma casa coberta de vinha branqueja ao longe, na planĂcie. NĂŁo importa a cor do cĂ©u: o romano nĂŁo olha para o cĂ©u. A raça anglo-saxĂłnica tira a sua tenebrosa mitologia, o seu espĂrito inquieto, da sua paisagem escura, acidentada, desolada e romântica. É o estreito e árido aspecto do vale de JerusalĂ©m que fez o judeu.
Mesmo quando tudo parece perdido, as esperanças fenecidas, ainda há uma chance final: Deus. Porém, de nada adianta erguer as mãos para o céu e pedir um milagre se não tiver fé nAquele que lá habita!
Esqueço-me das Horas Transviadas
PASSOS DA CRUZ
Esqueço-me das horas transviadas
o Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros…
HĂłstia de assombro a alma, e toda estradas…Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgĂaco… Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…No claustro seqĂĽestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convésNo meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono Ă© um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância…
Que Feliz Destino o Meu
MOTE
«Que feliz destino o meu
Desde a hora em que te vi;
Julgo até que estou no céu
Quando estou ao pé de ti.»GLOSAS
Se Deus te deu, com certeza,
Tanta luz, tanta pureza,
P’rò meu destino ser teu,
Deu-me tudo quanto eu queria
E nem tanto eu merecia…
Que feliz destino o meu!Às vezes até suponho
Que vejo através dum sonho
Um mundo onde nĂŁo vivi.
Porque nĂŁo vivi outrora
A vida que vivo agora
Desde a hora em que te vi.Sofro enquanto nĂŁo te veja
Ao meu lado na igreja,
Envolta num lindo véu.
Ver então que te pertenço,
Oh! Meu Deus, quando assim penso,
Julgo atĂ© que ‘stou no cĂ©u.É no teu olhar tĂŁo puro
Que vou lendo o meu futuro,
Pois o passado esqueci;
E fico recompensado
Da perda desse passado
Quando estou ao pé de ti.
Versos para a PatrĂcia
1. Ilha
Tenho a sede das ilhas
e esquece-me ser terraMeu amor, aconchega-me
meu amor, mareja-meDepois, nĂŁo
me ensines a estrada.A intenção da água é o mar
a intenção de mim és tu.2. Véspera
Há um perfume
que trabalha em mim
e me acende,
antigo,
sobre a poeiraHá um rosto
que regressa Ă fonte
água readormecendoE só hoje reparo
o labor das nuvens
corais solares
arquitectando o céuPássaros brancos
vĂŁo pousando
na varanda dos teus olhosSĂł hoje enfrento o sol
fogo imĂłvel,
labareda de águaAndemos, meu amor,
de coração descalço sobre o sol
Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar
O Reino dos CĂ©us, de facto, Ă© para todos aqueles que nĂŁo põem a sua segurança nas coisas, mas sim no amor de Deus; para todos quantos tĂŞm um coração simples, humilde, nĂŁo se gabam de ser justos e nĂŁo julgam os outros, para todos quantos sabem sofrer com quem sofre e alegrar-se com quem se alegra, nĂŁo sĂŁo violentos, mas misericordiosos, e procuram ser artĂfices de reconciliação e de paz.
O céu não ajuda a quem não quer se mexer.
VolĂşpia
Quisera te associar Ă pureza e Ă candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…NĂŁo poderei dizer apenas que Ă©s formosa
quando a prĂłpria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pĂ©talas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visĂŁo de teus seios…E em vĂŁo tento associar-te ao cĂ©u, Ă fonte, Ă flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu Ăşltimo estertor!
Imortal Falerno
Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lá do fundo de um céu sempre risonho.Sempre uma voz dos Ermos, das Distâncias!
Sempre as longĂnquas, mágicas fragrâncias
De uma voz imortal, divina,pura…E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!
Alarga os Teus Horizontes
Por que é que combateis? Dir-se-á, ao ver-vos,
Que o Universo acaba aonde chegam
Os muros da cidade, e nem há vida
Além da órbita onde as vossas giram,
E além do Fórum já não há mais mundo!Tal é o vosso ardor! tão cegos tendes
Os olhos de mirar a prĂłpria sombra,
Que dir-se-á, vendo a força, as energias
Da vossa vida toda, acumuladasSobre um só ponto, e a ânsia, o ardente vórtice,
Com que girais em torno de vĂłs mesmos,
Que limitais a terra Ă vossa sombra…
Ou que a sombra vos torna a terra toda!
Dir-se-á que o oceano imenso e fundo e eterno,
Que Deus há dado aos homens, por que banhem
O corpo todo, e nadem Ă vontade,
E vaguem a sabor, com todo o rumo,
Com todo o norte e vento, vĂŁo e percam-se
De vista, no horizonte sem limites…
Dir-se-á que o mar da vida Ă© gota d’água
Escassa, que nas mĂŁos vos há caĂdo,
De avara nuvem que fugiu, largando-a…
Tamanho Ă© o Ăłdio com que a uns e a outros
A disputais,
Ver Correr a Esperança
De bruços sobre o lavatório, abro a torneira, tapo o ralo, fico alguns momentos a ver correr a esperança, que vai enchendo aos poucos a bacia. Depois fecho a torneira e, retirando a tampa, vejo-a escoar-se em gorgolejos que cada vez são mais humanos e mais fundos. É a respiração do ralo, que só então dou conta de que está dentro de mim, por uma dessas distorções a que é costume eu ser atreito e que me impede ainda de me ver no próprio espelho, que, apesar de se encontrar à minha frente, não consigo deslocar do avesso dos meus olhos.
Os meus sentidos rangem, solidários com os canos, eles que eu gostaria de poder assimilar ao mar, a um cĂ©u azul, desanuviado, e que jamais me dĂŁo do espĂrito visões onde nĂŁo se encastoem nuvens e rebentem tempestades.
Repito a operação. Mergulho Ă s vezes as mĂŁos na minha esperança, mas retiro-as ao cabo de algum tempo, antes que se transformem em raĂzes. Destapo uma vez mais o ralo. Assim corre a amizade – penso, olhando o redemoinho -, assim correm os afectos, que, depois de encherem a bacia onde a custo nos lavamos sem os fazermos transbordar,
Você tem que esquecer o que as pessoas dizem, quando você possivelmente estiver para morrer ou quando você estiver amando. Você tem que esquecer todas essas coisas. Você tem que ir em frente e ser louco. A loucura é como o céu.
A Vida
Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ă“ fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ă“ Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,
Por estes Campos sem Fim
Por estes campos sem fim,
onde a vista assim se estende,
que verei, triste de mim,
pois ver-vos se me defende?Todos estes campos cheios
sĂŁo de saudade e pesar,
que vem para me matar,
debaixo de céus alheios.
Em terra estranha e em ar,
mal sem meio e mal sem fim,
dor que ninguém não entende,
até quão longe se estende
o vosso poder em mim!
A idĂ©ia de que Deus Ă© um gigante barbudo de pele branca sentado no cĂ©u Ă© ridĂcula. Mas se, com esse conceito, vocĂŞ se referir a um conjunto de leis fĂsicas que regem o Universo, entĂŁo claramente existe um Deus. SĂł que Ele Ă© emocionalmente frustrante: afinal, nĂŁo faz muito sentido rezar para a lei da gravidade!
Comparar-te a um Dia de VerĂŁo?
Comparar-te a um dia de verĂŁo?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor Ă s mĂŁos do furacĂŁo,
o foral do verão que chega ao fim.Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.Mas juro-te que o teu humano verĂŁo
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vĂŞ e que respira,
te verá respirar na minha lira.Tradução de Carlos de Oliveira
Uma vez tendo experimentado voar, caminharás para sempre sobre a Terra de olhos postos no Céu, pois é para lá que tencionas voltar.