Poema de Amor
A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue…
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas…
Lágrimas… nuvens… e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera…
Passagens sobre Corpo
1477 resultadosO espírito vive de ficções, como o corpo se nutre de alimentos.
Plena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas…Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pés!
Hora de Ponta
Apanhar um lugar a esta hora é uma sorte, poder olhar
pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática,
que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor
a hortelã e um ar fresco interrompido pela velha senhora
a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece
de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro
a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente
do homem gordo na minha orelha, com a mão livre
apertada contra o peito, contra o visco da hora apinhada
na minha pele pública, na minha pele de todos.
No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso
doce e cansado, os olhos brilhantes, a candura intacta
toma-me toda como se eu fosse um anjo
descendo à terra com um corpo real para que a minha pele
receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de trabalho,
o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu rosto
cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para
os outros. No teu rosto ã hora de ponta aprendo a compaixão
até sair na próxima paragem com um suspiro de alívio.
A glória é, para o virtuoso, o que a sombra é para o corpo.
Não se deve adornar a alma com a beleza do corpo; mas, pelo contrário, o corpo com a beleza da alma.
Uma leitura alegre é tão útil à saúde como o exercício do corpo.
O Que Vale Poupar o Corpo?
Quando o corpo é bem constituído, talvez seja possível fazê-lo durar alguns anos a mais poupando-o. Pode ser que a moderação nas paixões, a temperança e a sobriedade nos prazeres contribuam para a duração da vida; mas até isso parece bem duvidoso: é necessário que o corpo empregue todas as suas forças, que consuma tudo o que pode consumir, que se exercite o quanto for capaz; o que se ganhará então pela dieta e pela privação?
A alma é a vaidade e o prazer do corpo são.
Certezas do Tempo
Foi de uma colina obscena que viemos,
no dia se esconde o dedo, nascemos.
Deste caminho, só o hálito
não serve aos mortos. E a recompensa,
a tua vida, quando entra
na casa e, rápido cheiro, apodrece.
Também eu propus o estrangulamento,
que o corpo ficasse fora das muralhas,
no ar
qual bule ardido.
O que Sempre Soube das Mulheres
Tratam-nos mal, mas querem que as tratemos bem. Apaixonam-se por serial-killers e depois queixam-se de que nem um postalinho. Escrevem que se desunham. Fingem acreditar nas nossas mentiras desde que tenhamos graça a pregá-las. Aceitam-nos e toleram-nos porque se acham superiores. São superiores. Não têm o gene da violência, embora seja melhor não as provocarmos. Perdoam facilmente, mas nunca esquecem. Bebem cicuta ao pequeno-almoço e destilam mel ao jantar. Têm uma capacidade de entrega que até dói. São óptimas mães até que os filhos fazem 10 anos, depois perdem o norte. Pelam-se por jogos eróticos, mas com o sexo já depende. Têm dias. Têm noites. Conseguem ser tão calculistas e maldosas como qualquer homem, só que com muito mais nível. Inventaram o telemóvel ao volante. São corajosas e quando se lhes mete uma coisa na cabeça levam tudo à frente. Fazem-se de parvas porque o seguro morreu de velho e estão muito escaldadas. Fazem-se de inocentes e (milagre!) por esse acto de vontade tornam-semesmo inocentes. Nunca perdem a capacidade de se deslumbrarem. Riem quando estão tristes, choram quando estão felizes. Não compreendem nada. Compreendem tudo. Sabem que o corpo é passageiro. Sabem que na viagem há que tratar bem o passageiro e que o amor é um bom fio condutor.
O corpo é o templo onde a natureza pede para ser reverenciada.
Assim como realmente a medicina em nada beneficia se não liberta dos males do corpo, assim também sucede com a filosofia se não liberta das paixões da alma.
O Meu Carácter
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. Não importa o meu nome, nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por de mais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) – por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos,
Ironia De Lágrimas
Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!
Terra
Ó Terra, amável mãe da Natureza!
Fecunda em produções de imensos entes,
Criadora das próvidas sementes
Que abastam toda a tua redondeza!Teu amor sem igual, sem par fineza,
Teus maternais efeitos providentes
Dão vida aos seres todos existentes,
Dão brio, dão vigor, dão fortaleza.Tu rasgas do teu corpo as grossas veias
E as cristalinas fontes de água pura
Tens, para a nossa sede, sempre cheias.Tu, na vida e na morte, com ternura
Amas os filhos teus, tu te recreias
Em lhes dar, no teu seio, a sepultura.
Corpo A Corpo, À Campanha Embravecida
Corpo a corpo, à campanha embravecida,
Braço a braço, à batalha rigorosa,
Sai Vieira com sanha belicosa,
De impaciente a Morte sai vestida.Investem-se cruéis; e na investida,
A Morte se admirou menos lustrosa;
Que Vieira, com força portentosa,
Sua cruel força prostrou vencida.Porém, vendo ele então, que se na empresa
Vencia à própria Morte, ninguém nega
Que seus foros perdia a Natureza:Porque ela se exercite, bruta e cega,
Em devorar as vidas com fereza,
Ao seu poder Vieira a sua entrega.
In Extremis
1
Só a criança conhece a Eternidade
Que é inocência do desconhecido.
E o que me dá saudade
É havê-la em mim perdido.Outra herança de tudo que não sou
Podeis levá-la! Faça-se a vontade:
Que a imortal, perene propriedade,
Perdeu-a o homem quando semeou.Ah! como a onda do mar que é mais bravia
É que abraça os escolhos,
Só terra de poesia
Foi na minh’alma dor, o luto dos meus olhos.Entre o homem e o mundo há um novelo
De linha preta:
Meu acto de Fé é ser criança, e crê-lo,
Que é ser poeta.2
O que levamos da terra
É o céu que possuímos:
Esperança das sepulturas.E à morte que damos vida
Todos os deuses se igualam
Ao mesmo Deus das Alturas.Sê, ó Morte, o meu dia de Juízo
Se é fantasia o que penso
Sonho a terra que piso.Mas quando o corpo, a natureza morta
Me for nas mãos dos homens
Com suas luvas pretas,
Limpeza de consciência nem sempre coincide com limpeza de corpo, que é mais exigente.
Pássaro Marinho
Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!