Gosto mais do engano que nos eleva
do que das verdades obscuras e baixas.
Passagens sobre Engano
204 resultadosEm Amor não há Senão Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tĂŁo cedo;
Eu morro e nĂŁo vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarĂŁo todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.
É pecado pensar mal dos outros, mas raramente é engano.
Os que governam preferem o engano que os deleita Ă verdade que os incomoda.
Por Sua Ninfa, Céfalo Deixava
Por sua Ninfa, Céfalo deixava
Aurora, que por ele se perdia,
posto que dá princĂpio ao claro dia,
posto que as roxas flores imitava.Ele, que a bela PrĂłcris tanto amava
que sĂł por ela tudo enjeitaria,
deseja de atentar se lhe acharia
tão firme fé como nele achava.Mudado o trajo, tece o duro engano:
outro se finge, preço põe diante,
quebra se a fé mudável, e consente.Ó engenho sutil para seu dano!
Vede que manhas busca um cego amante
para que sempre seja descontente!
A morte Ă© uma guerra de enganos. As vitĂłrias sĂŁo sĂł derrotas adiadas. A vida enquanto tem vontade vai construindo a pessoa.
Os homens cometem enganos nĂŁo porque eles pensam que sabem, quando nĂŁo sabem, mas porque eles pensam que os outros nĂŁo sabem.
Doce Contentamento Já Passado
Doce contentamento já passado,
em que todo meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vĂłs tĂŁo apartado?Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado?Fortuna minha foi, cruel e dura,
aquela que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela.Nem se engane nenhüa criatura,
que nĂŁo pode nenhum impedimento
fugir do que [lhe] ordena sua estrela.
Tudo Ă© Engano
Tudo Ă© engano: buscar o mĂnimo de ilusĂŁo, permanecer no nĂvel usual, ou buscar o máximo. No primeiro caso, engana-se o bem, na medida em que se deseja tornar fácil demais a sua conquista; e o mal, na medida em que Ă© colocado em condições de luta excessivamente desfavoráveis. No segundo caso, o bem Ă© enganado na medida em que nĂŁo se luta para alcançá-lo, nem mesmo naquilo que Ă© terreno. No terceiro caso, engana-se o bem na medida em que a esperança Ă© torná-lo impotente na sua máxima intensidade. Seria preferĂvel, nisto tudo, o segundo caso, pois ainda assim engana-se o bem e nĂŁo o mal; neste caso, pelo menos em aparĂŞncia.
VestĂgios Divinos
(Na Serra de Marumbi)
Houve deuses aqui, se nĂŁo me engano;
Novo Olimpo talvez aqui fulgia;
Zeus agastava-se, Afrodite ria,
Juno toda era orgulho e ciĂşme insano.Nos arredores, na montanha ou plano,
Diana caçava, Actéon a perseguia.
Espalhados na bruta serrania,
Inda há uns restos da forja de Vulcano.Por toda esta extensĂssima campina
Andaram Faunos, Náiades e as Graças,
E em banquete se uniu a grei divina.Os convivas pagĂŁos ainda hoje os topas
Mudados em pinheiros, como taças,
No hurra festivo erguendo no ar as copas.
Floriram por Engano as Rosas Bravas
Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las…
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?Castelos doidos! TĂŁo cedo caĂstes!…
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mĂŁos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vĂŁo tristes!E sobre nĂłs cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chĂŁo, na acrĂłpole de gelos…Em redor do teu vulto Ă© como um vĂ©u!
Quem as esparze _quanta flor! _do céu,
Sobre nĂłs dois, sobre os nossos cabelos?
Se me vem tanta glĂłria sĂł de olhar-te
Se me vem tanta glĂłria sĂł de olhar-te,
É pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
Grão paga de um engano é desejar-te.Se aspiro por quem és a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei-de ofender-te;
Se mal me quero a mim por bem querer-te,
Que prémio querer posso mais que amar-te?Porque um tão raro amor não me socorre?
Ă“ humano tesouro! Ă“ doce glĂłria!
Ditoso quem à morte por ti corre!Sempre escrita estarás nesta memória;
E esta alma viverá, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha Ă© a vitĂłria.
Legado
Que lembrança darei ao paĂs que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu nĂŁo me enganas, mundo, e nĂŁo te engano a ti.
Esses monstros atuais, nĂŁo os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.NĂŁo deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
V
Se sou pobre pastor, se nĂŁo governo
Reinos, nações, provĂncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verĂŁo, outono, estio, inverno;Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mĂŞs, e o ano;Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruĂdo.
A felicidade é um engano providencial que nos alimenta na alternativa do desejo e do desengano. É uma amiga cruel que nos foge com a esperança, apenas os lábios sentem o travo do absinto que a taça do prazer esconde.
Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.Tudo passei; mas tenho tĂŁo presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
A necessidade leva as pessoas ao engano e a fome os lobos a sair do arvoredo.
Os Amantes
Amor, Ă© falso o que dizes;
Teu bom rosto Ă© contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;O teu meu Ă© mel azedo,
NĂŁo creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vĂŁo rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.Teus prĂ©mios sĂŁo pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.Fartei-te assaz a vontade;
Em vĂŁos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui nĂŁo tiras nada.Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;
Saudade é fraco remédio e doce engano.
Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse
Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂzo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.Ă“ vĂłs que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!