Teoria e Prática
Se, por um lado, qualquer teoria positiva deve ser necessariamente fundamentada em observações, é igualmente sensível, por outro, que, para se entregar à observação, o nosso espírito necessita de uma teoria qualquer. Se, ao contemplar os fenómenos, não os ligarmos imediatamente a alguns princípios, não apenas nos será impossível combinar essas observações isoladas e, consequentemente, delas tirar algum fruto, mas seríamos inteiramente incapazes de retê-las; e, na maioria das vezes, os factos permaneceriam despercebidos aos nossos olhos.
Passagens sobre Espírito
1286 resultadosA Superficialidade dos Grandes Espíritos
Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua relação com as grandes coisas. Alguém deambula por uma floresta, sobe a um monte e vê o mundo estendido a seus pés, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele próprio certamente pensa que são muitas coisas, profundas e importantes; mas não tem presença de espírito suficiente para, por assim dizer, as tomar à letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espécie de gaiola magnética, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aí uma espécie de grande «O», redondo e vazio. Este estado é o sintoma clássico do contacto com tudo o que é eterno e grande,
Há espíritos que escurecem suas águas para fazê-las parecer profundas.
A nobreza do espírito, com respeito àquela tradicional, oferece-nos a vantagem de podermos atribui-la a nós mesmos.
O Mundo é a Minha Representação
O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstracto e reflectido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra; mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem.
Se existe uma verdade que se possa afirmar à priori é bem esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral mesmo que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio de razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objecto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma qualquer representação, abstracta ou intuitiva, racional ou empírica.
Quando o Homem Quer
Sim, o homem é o seu próprio fim. E é o seu único fim. Se quer ser qualquer coisa, tem de ser nesta vida. Agora sei, aliás, que embora conquistadores falem algumas vezes de vencer e de exceder, o que eles querem sempre dizer é «excederem-se». Suponho que sabem o que isto quer dizer. Em certos momentos, todos os homens se sentem iguais a um deus. É assim, pelo menos, que se diz. Mas isto vem do facto de eles terem sentido, num instante, a espantosa grandeza do espírito humano. Os conquistadores são somente aqueles homens que sentem a sua força, o bastante para terem a certeza de viver constantemente nessas alturas e na plena consciência dessa grandeza. É uma questão de aritmética, de mais ou de menos. Os conquistadores são os que podem mais. Mas não podem mais do que o próprio homem quando ele o quer. É por isso que eles nunca deixam o crisol humano, mergulhando no mais ardente da alma das revoluções.
A verdadeira moral não se preocupa com a moral: quer isto dizer que a moral do juízo não se importa nada com a moral do espírito – que não tem regras.
Se a língua fosse um produto do espírito lógico, e não do poético, teríamos apenas uma.
O Homem é um Animal Afectivo ou Sentimental, não Racional
Na maior parte das histórias da filosofia que conheço, os sistemas são-nos apresentados, como tendo origem uns nos outros, e os seus autores, os filósofos, aparecem apenas como meros pretextos. A biografia íntima dos filósofos, e dos homens que filosofaram, ocupa um lugar secundário. E, sem dúvida, é ela, essa biografia íntima a que mais coisas nos explica.
Cumpre-nos dizer, antes de mais, que a filosofia se inclina mais para a poesia do que para a ciência. Quantos sistemas filosóficos se forjaram, como suprema harmonização dos resultados finais das ciências particulares, num período qualquer, tendo tido muito menos consistência e menos vida do que aqueles outros que representavam o anseio integral do espírito do seu autor.
(…) A filosofia corresponde à necessidade de formarmos uma concepção unitária e total do mundo e da vida e, como consequência desse conceito, um sentimento que gere uma atitude íntima, e até uma acção. Mas resulta que esse sentimento, em vez de ser consequência daquele conceito, é a sua causa. A nossa filosofia, isto é, a nossa maneira de compreender ou de não compreender o mundo e a vida, brota do nosso sentimento respeitante à própria vida. E esta, como tudo o que é afectivo,
Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo.
Não há problemas; apenas há soluções. O espírito de homem, depois, inventa o problema.
Soneto De Abril
Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d’água, mas de canto.Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.
Quem não tem o espírito da sua idade,
da sua idade tem todo o infortúnio.
O médium é comparável a um telefone de brinquedo, constituído de um fio e duas latinhas, uma em cada extremidade. Se pegarmos a latinha de uma extremidade e dissermos ‘Alô, alô, quem fala?’, uma das crianças travessas que estarão agrupadas junto à outra extremidade pegará o fone e responderá: ‘Eu sou Fulano de Tal’, fazendo-se passar por algum personagem conhecido. Neste exemplo, ‘crianças travessas’ correspondem a espíritos errantes. Mesmo que se veja a figura de tal Fulano através da vidência, não se deve dar-lhe crédito, pois é uma imagem ‘televisionada’ por espíritos errantes.
Em qualquer espírito, que não seja disforme, existe a crença em Deus. Em qualquer espírito, que não seja disforme, não existe a crença em um Deus definido.
Tem o povo – mar violento
Por armas – o pensamento,
A verdade por farol
E o homem, vaga que nasce
No oceano popular,
Tem que impelir os espíritos,
Tem uma plaga a buscar.
É um gládio perigoso o espírito, mesmo para o seu possuidor, se não sabe armar-se com ele de uma maneira ordenada e discreta.
O Comportamento Simbólico e o Comportamento Inequívoco
Na verdade, encontramos desde as origens da história humana estas duas formas de comportamento, a simbólica e a inequívoca. O ponto de vista do inequívoco é a lei do pensamento e da acção despertos, que domina quer uma conclusão irrefutável da lógica quer o cérebro de um chantagista que pressiona passo a passo a sua vítima, uma lei que resulta das necessidades da vida, às quais sucumbiríamos se não fosse possível dar uma forma inequívoca às coisas. O símbolo, por seu lado, é a articulação de ideias próprias do sonho, é a lógica deslizante da alma, a que corresponde o parentesco das coisas nas intuições da arte e da religião; mas também tudo o que na vida existe de vulgares inclinações e aversões, de concordância e repulsa, de admiração, submissão, liderança, imitação e seus contrários, todas estas relações do homem consigo e com a natureza, que ainda não são puramente objectivas e talvez nunca venham a sê-lo, só podem ser entendidas em termos simbólicos.
Aquilo a que se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa ser verdadeiro do que é apenas espuma,
O Mar
Semelhante a Algum Monstro, Quando Dorme
— O Mar… Era sombrio, Vasto, Enorme…
— Arfando Demorado,
— Imenso sob os Céus!— Tal Imenso e Sombrio, O Mar Seria
— E assim, Em Vagas Tristes Arfaria
No Tempo EM que o Espírito de Deus
— Sobre Ele era Levado!
Quantas Loucuras há num Homem!
Há tantos amores na vida de um homem! Aos quatro anos, ama-se os cavalos, o sol, as flores, as armas que brilham, os uniformes de soldado; aos dez, ama-se a menina que brinca connosco.; aos treze, ama-se uma mulher de colo túrgido, porque me lembro de que o que os adolescentes amam loucamente é um colo de mulher, branco e mate, e como diz Marot:
Tetin refaict plus blanc qu’un oeuf
Tetin de satin blanc tout neuf.Quase me senti mal quando vi pela primeira vez os seis desnudados de uma mulher. Por fim, aos catorze ou quinze anos, ama-se uma jovem que vem a nossa casa, e que é um pouco mais que uma irmã, menos que uma amante; depois, aos dezasseis anos, ama-se uma outra mulher, até aos vinte e cinco; depois, talvez se ame a mulher com quem casamos. Cinco anos mais tarde, ama-se a dançarina que faz saltar o seu vestido sobre as suas coxas carnudas; por fim, aos trinta e seis, ama-se a deputação, a especulação, as honrarias; aos cinquenta, ama-se o jantar do ministro ou do presidente da câmara; aos sessenta, ama-se a prostituta que nos chama através dos vidros e a quem se lança um olhar de impotência,