Seus Olhos
Seus olhos – que eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda a alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Passagens sobre Fogo
465 resultadosAmo a guerra, adoro o fogo, elemento natural do jogo, senhores: Jamais me revelarei.
Spleen De Deuses
Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao Demônio soturno, e o rebelado,
Capricórnio Satã, ao Deus bradava.Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tédio senil do céu fechado…
O Remorso
Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. CumpridaNão foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Quimeras
Há na minha vida quimeras distantes,
Quais nuvens errantes, em dias atrozes.
Eu corro atrás delas, mas elas, por fim,
Perdem-se de mim, no horizonte, velozes.Há no meu diário silenciosas dores,
Quais flores que o vento desfaz de manhã.
Com elas me embalo nos dias soturnos,
Dir-se-iam «Nocturnos», como os de Chopin.Há no meu caminho nem sei bem o quê.
Alguém que me vê e que eu não visiono.
São meus dias passados, meus dias de infância,
Sabendo à fragrância das tardes de Outono.Saudades, saudades, sentido da vida,
Um dia vivida e que não volta mais.
Meus dias passados, sobre eles me debruço,
No eterno soluço das coisas mortais.Há na minha vida um viver fictício,
Fogo de artifício, esplendente e altivo.
Eu vejo-o enlevado, um instante fugaz,
Depois se desfaz na noite em que eu vivo.Há na minha vida ignotas tristezas,
Pequenas certezas a que me apeguei.
Com elas eu vivo, com elas eu morro,
Para meu socorro é que eu as criei.Quimeras, quimeras,
Amor é um Arder
Amor é um arder que se não sente;
É ferida que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.[Imitando Camões]
Um tímido pudor activos fogos
Contrariava em vão, em vão retinha
Ignotos medos, sôfregos desejos.
Suspensa e curiosa, eu esperava
Gostosa cena, em que prolixas noites
Pensando o que seria, despendera.
A velha fábula de Prometeu que roubou o fogo do céu para comer os cadáveres dos animais cozinhados, eis a base em que assenta toda a errónea conduta da humanidade.
A Dança Da Psiquê
A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!É então que a vaga dos instintos presos
– Mãe de esterilidades e cansaços –
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.Subitamente a cerebral coréa
Pára. O cosmos sintético da Idéa
Surge. Emoções extraordinárias sinto…Arranco do meu crânio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!
Inominado Nome
Persigo-o no ininteligível arbítrio
dos astros, na clandestina linfa
que percorre os túrgidos corredores
do indecifrável, nos falsos indícios
que, de fogos fátuos, escurecema persistente incógnita do nome.
Em persegui-lo persisto onde, bem
sei, não lograrei achá-lo, que nunca
achado será em tempo ou espaço
que excedam meu limite e dimensão.Um nome, ainda obscuro, pressinto
no sal da boca amarga, Conheço-lhe
o rosto familiar, desfocado embora,
no halo do tempo e da distância.
É, creio, a face indefectível de tudoquanto tenho de calar. Este nome
(este rosto) habita-me silente, contra
a recusa, a mentira, ou a calúnia.
Na epiderme, nos nervos e na carne,
sobre a língua e o palato, adivinho-lheforma, sabor e propósito. Ouço-o
dentro de mim, mau grado
o queira ou não, que em mim
só está sofrê-lo porque em mim
vive e dura, enquanto eu dure e viva.E não por meu mal, que meu
mal seria, mais que perdê-lo,
sem ele viver.
Um rosto persigo,
um nome guardo no sal da bocaamarga,
Não se pode arrancar uma página da vida, somente jogar o livro inteiro no fogo.
Cabra-Cega
À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
… E foi a vida o seu jogo!Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!
Mulher, fogo e mares, são três males.
Soneto 278 A Salvador Dali
Pra mim, Picasso perto dele é pinto.
Qual cubo nem Guernica! O catalão
pôs fogo na girafa, e dá lição
de como você pinta como eu pinto.Relógios derreteu, deu ao recinto
bagunça formidável de ilusão.
Bigodes retorceu, e a posição
do Cristo subverteu: estilo extinto.Talvez fez na pintura o que Gaudí
ergueu, fenomenal, na arquitetura:
delírio, porém nítido. Não vino século atual maior textura
que o fruto da estranheza de Dali,
o gênio do ocular na cor. Loucura!
Vida
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada… Que lumaréu!Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
_ E se arde tudo? _ Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder…
Eu era alguém cujos pés, sobre uma estrada lisa, cheia de sol e árvores, se cavasse de súbito um abismo de fogo.
A alma que não viveu o amor, e o corpo que não sentiu o fogo da paixão, nunca vai entender qual é a fundamental essência da vida!
O Sexo
Neste corpo, a densa neblina, quase um hábito,
lentamente descida, sedimento e sede,
subtilmente o acalma. Ancora que se desloca,
movediça e infirme. Só no olhar, alémda luz e da cal, se distinguem os desejos
e a mestria das palavras. E não há remos
nem astros. Convido a neblina a esta
mesa de chumbo, onde nada levanta o fogosolar ou os signos se alteiam. É a hora
em que o corpo treme e a sombra lavra as frouxas
manhãs. O que serão as tardes, sob a névoa,quando o vigor agoniza e o vão das águas abre
o caos e os ecos? Estaremos em paz,
usando a palavra, última herdeira das areias.
O Amor Infinito
Da mulher o que nos comove e enleva é a parte impoluta que ela tem do céu; é a magia que a fada exercita obedecendo a interno impulso, não sabido dela, não sabido de nós. Ali há mensagem de outras regiões; aqui, no peito arquejante, nos olhos amarados de gozozas lágrimas, há um espirar para o alto, um ir-se o coração avoando desde os olhos, desde o sorriso dela para soberanas e imorredouras alegrias. Nós é que não sabemos nem podemos ver senão o pouquinho desse infinito que nos entre-luz nas graças do primeiro amor, do segundo amor, de quantos estremecimentos de súbita embriaguez nos fazem crer que despimos o invólucro de barro e pairamos alados sobre a região das lágrimas.
É Deus que não quer ou somos nós que não podemos prorrogar a duração ao sonho? Se Deus, que mal faria à sua divina grandeza que o pequenino guzano o adorasse sempre? Porque vai tão rápida aquela estação em que o homem é bom porque ama, e é caritativo e dadivoso porque tudo sobeja à sua felicidade? Quando poderam aliar-se um amor puro com a impureza das intenções? Quais olhos de homem afectivo e como santificado por seu amor recusaram chorar sobre desgraças estranhas?
A Acção Vai Bem sem a Paixão
Fazemos coisas iguais com forças diversas e diferente esforço de vontade. A acção vai bem sem a paixão. Pois quantas pessoas se arriscam diariamente em guerras que não lhes importam, e se sujeitam aos perigos de batalhas cuja perda não lhes perturbará o próximo sono? Um homem na sua casa, longe desse perigo que não teria ousado encarar, está mais interessado no desfecho dessa guerra e tem a alma mais inquieta do que o soldado que põe nela o seu sangue e a sua vida. Essa impetuosidade e violência de desejo mais atrapalha do que auxilia a condução do que empreendemos, enche-nos de acrimónia e suspeição contra aqueles com quem tratamos. Nunca conduzimos bem a coisa pela qual somos possuídos e conduzidos.
Quem emprega nisso apenas o seu discernimento e a sua habilidade procede com mais vivacidade: amolda, dobra, difere tudo à vontade, de acordo com as exigências das circunstâncias; erra o alvo sem tormento e sem aflição, pronto e intacto para uma nova iniciativa; avança sempre com as rédeas na mão. Naquele que está embriagado por essa intensidade violenta e tirânica vemos necessariamente muita imprudência e injustiça; a impetuosidade do seu desejo arrebata-o: são movimentos temerários e, se a fortuna não ajudar muito,