Passagens sobre Fogo

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Julga-Me A Gente Toda Por Perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tão entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rústico, enganado,
quem não é com meu mal engrandecido.

Vão revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu só em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n’alma.

Soneto Amoroso Defendendo o Amor

SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR

É gelo abrasador, fogo gelado,
é ferida que dói e não se sente,
é um sonhado bem, um mal presente,
é um breve descanso fatigado;

é um sossego que nos dá cuidado,
um cobarde com nome de valente,
solitário andar por entre gente,
um amar nada mais que ser amado;

é uma liberdade encarcerada,
que dura até ao último momento;
doença que piora se é tratada.

Este o menino Amor, o seu tormento.
Vede a amizade que terá com nada
o que em tudo vai contra o seu intento!

Tradução de José Bento

Da Violência

A violência que trazemos no sangue
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —

Seus Olhos

Seus olhos – se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.

Se Me Esqueceres

Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.

Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.

Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,

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No Leito Fundo

No leito fundo em que descansas,
em meio às larvas e aos livores,
longe do mundo e dos terrores
que te infundia o aço das lanças;

longe dos reis e dos senhores
que te esqueceram nas andanças,
longe das taças e das danças,
e dos feéricos rumores;

longe das cálidas crianças
que ateavam fogo aos corredores
e se expandiam, quais vapores,
entre as alfaias e as faianças

de tua herdade, cujas flores
eram fatídicas e mansas,
mas que se abriam, fluidas tranças,
quando as tangiam teus pastores;

longe do fel, do horror, das dores,
é que recolho essas lembranças
e as deito agora, já sem cores,
no leito fundo em que descansas.

Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, ó Porcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
É que Amor fazer só quis experiência
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu próprio sangue te convida
A que faças à morte resistência?
É que costume faço da paciência,
Porque o temor morrer me não impida.

Pois porque estás comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada não se sente,
E não quero eu a morte sem a pena.

Da Tua Vida

Da tua vida o que não podem entender
Nem oiro nem poder nem segurança
Mas a paixão do Tempo e de seus riscos
Tu buscaste o instante e a intensidade
E foste do combate e da mudança
Por isso um rastro de ruptura e de viagem
Ou talvez este fogo inconquistado
Como breve eternidade
De passagem

Versos para a Patrícia

1. Ilha

Tenho a sede das ilhas
e esquece-me ser terra

Meu amor, aconchega-me
meu amor, mareja-me

Depois, não
me ensines a estrada.

A intenção da água é o mar
a intenção de mim és tu.

2. Véspera

Há um perfume
que trabalha em mim
e me acende,
antigo,
sobre a poeira

Há um rosto
que regressa à fonte
água readormecendo

E só hoje reparo
o labor das nuvens
corais solares
arquitectando o céu

Pássaros brancos
vão pousando
na varanda dos teus olhos

Só hoje enfrento o sol
fogo imóvel,
labareda de água

Andemos, meu amor,
de coração descalço sobre o sol

A Necessidade da Compaixão

Arrebatavam-me os espectáculos teatrais, cheios de imagens das minhas misérias e de alimento próprio para o fogo das minhas paixões. Mas porque quer o homem condoer-se, quando presenceia cenas dolorosas e trágicas, se de modo algum deseja suportá-las? Todavia, o espectador anseia por sentir esse sofrimento que, afinal, para ele constitui um prazer. Que é isto senão rematada loucura? Com efeito, tanto mais cada um se comove com tais cenas quanto menos curado se acha de tais afectos (deletérios). Mas ao sofrimento próprio chamamos ordinariamente desgraça, e à comparticipação das dores alheias, compaixão. Que compaixão é essa em assuntos fictícios e cénicos, se não induz o espectador a prestar auxílio, mas somente o convida à angústia e a comprazer o dramaturgo na proporção da dor que experimenta? E se aquelas tragédias humanas, antigas ou fingidas, se representam de modo a não excitarem a compaixão, e espectador retira-se enfastiado e criticando. Pelo contrário, se se comove, permanece atento e chora de satisfação.
Amamos, portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo o homem deseja o gozo. Ora, ainda que a ninguém apraz ser desgraçado, apraz-nos contudo a ser compadecidos. Não gostaremos nós dessas emoções dolorosas pelo único motivo de que a compaixão é companheira inseparável da dor?

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Troco-me por Ti

Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.

Corremos Dentro dos Corpos

Como o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das árvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo.
Como sangue, somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.