O verdadeiro inimigo do homem é a generalização.
Passagens sobre Homens
7018 resultadosA Subjectividade do Amor-Próprio
Um mendigo dos arredores de Madrid esmolava nobremente. Disse-lhe um transeunte:
– O senhor não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame, quando podia trabalhar?
– Senhor, – respondeu o pedinte – estou-lhe a pedir dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas.
Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava reprimendas.
Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios hindus, que lhe davam algumas moedas do país.
– Que renúncia de si próprio! – dizia um dos espectadores.
– Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir. – Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro.
Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas acções – na Índia, na Espanha como em toda a terra habitável. Supérfluo é provar aos homens que têm rosto.
Ninguém Permanece Satisfeito Com o Que Tem
Ninguém permanece satisfeito com o que tem, olhando para o que é dos outros; é por isso que nos iramos até contra os deuses quando alguém nos ultrapassa, esquecidos dos homens que ficam para trás; e, quando há poucos homens para invejar, aqueles que seguem atrás de nós são invejosos terríveis. Mas o homem é tão mesquinho que, mesmo tendo recebido muito, considera-se injuriado se pudesse ter recebido mais. (…) Sobretudo, agradece aquilo que recebeste; aguarda pelo restante e alegra-te por não estares ainda satisfeito: é um prazer haver algo por que esperar. Venceste todos os homens: alegra-te por seres o primeiro no coração do teu amigo; foste vencido por muitos: considera quantos homens estão atrás de ti, mais do que quantos estão à tua frente. Queres saber qual é o teu maior vício? Fazes mal as contas: valorizas demasiado o que te oferecem, mas desvalorizas o que tens.
Quando o interesse é o avaliador dos homens, das coisas e dos eventos, a avaliação é quase sempre imperfeita e pouco exacta.
Saber Resolver Problemas
Há pessoas que têm dificuldade em identificar os seus problemas. Usando de uma grande capacidade de adaptação, vão-se habituando a que as coisas lhes estejam a correr menos bem, sem conseguirem perceber exactamente qual o ou os problemas que os apoquentam.
Mas também existe quem tenha tendência para pensar que o problema não é seu. Percebem que ele existe, identificam-no, mas comportam-se com alguma indiferença, como se o problema fosse dos outros, não assumindo a sua responsabilidade.
Há ainda quem fique à espera que os problemas se resolvam por si, ou que alguém lhos resolva. Embora consigam identificá-los e reconhecê-los como seus, parecem considerar que compete a outros — familiares, amigos, colegas — ou à sociedade em geral resolvê-los.
Assim como existe quem, em vez de se dedicar a procurar solução para os seus problemas, concentrando neles a sua atenção e canalizando para a sua resolução a energia possível, prefira desenvolver práticas místicas, pretendendo que uma ou várias entidades mais ou menos divinas façam o que afinal lhes compete a eles próprios fazer.Um problema é uma coisa difícil de compreender, explicar ou resolver. É tudo aquilo que resiste à penetração da inteligência, constituindo uma incógnita ou dificuldade a resolver.
Se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pintariam os deuses sob forma de bois.
A Necessidade da Compaixão
Arrebatavam-me os espectáculos teatrais, cheios de imagens das minhas misérias e de alimento próprio para o fogo das minhas paixões. Mas porque quer o homem condoer-se, quando presenceia cenas dolorosas e trágicas, se de modo algum deseja suportá-las? Todavia, o espectador anseia por sentir esse sofrimento que, afinal, para ele constitui um prazer. Que é isto senão rematada loucura? Com efeito, tanto mais cada um se comove com tais cenas quanto menos curado se acha de tais afectos (deletérios). Mas ao sofrimento próprio chamamos ordinariamente desgraça, e à comparticipação das dores alheias, compaixão. Que compaixão é essa em assuntos fictícios e cénicos, se não induz o espectador a prestar auxílio, mas somente o convida à angústia e a comprazer o dramaturgo na proporção da dor que experimenta? E se aquelas tragédias humanas, antigas ou fingidas, se representam de modo a não excitarem a compaixão, e espectador retira-se enfastiado e criticando. Pelo contrário, se se comove, permanece atento e chora de satisfação.
Amamos, portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo o homem deseja o gozo. Ora, ainda que a ninguém apraz ser desgraçado, apraz-nos contudo a ser compadecidos. Não gostaremos nós dessas emoções dolorosas pelo único motivo de que a compaixão é companheira inseparável da dor?
Muitas vezes perco a esperança de conseguir neste mundo algo de simples e honesto com ajuda dos homens. (…) Não esqueçamos, no entanto, que grãos de trigo egípcio chegaram até nós por intermédio de uma múmia.
Há homens incapazes para as ciências, mas não há os incapazes de virtude.
A Independência da Solidão
O que me importa unicamente é o que tenho de fazer, não o que pensam os outros. Esta regra, igualmente árdua na vida imediata como na intelectual, pode servir para a distinção total entre a grandeza e a baixeza. E é tanto mais dura quanto sempre se encontrarão pessoas que acreditam saber melhor do que tu qual é o teu dever. É fácil viver no mundo de conformidade com a opinião das gentes; é fácil viver de acordo consigo próprio na solidão; mas o grande homem é aquele que, no meio da turba, mantém, com perfeita serenidade, a independência da solidão.
A arrogância da espécie humana coexiste com um sentimento contraditório de desprotecção total. Nos dias de hoje, todas as nações, mesmo as mais poderosas, estremecem nas mãos de algo que nos escapa, um destino cego, um horizonte enevoado. De súbito, o Homem redescobre a sua fragilidade, a sua infinita solidão.
As nações, como os homens, morrem de imperceptíveis descortesias.
Todo o Confronto é Fruto de um Mal-Entendido
Todo o confronto é fruto de um mal-entendido; se as partes em disputa se conhecessem uma à outra, o confronto cessaria. Nenhum homem, no fundo, tenciona cometer injustiças; é sempre por uma imagem distorcida e obscura de algo moralmente correcto que ele batalha: uma imagem obscura, difractada, exagerada da forma mais assombrosa pela natural obtusão e egoísmo, uma imagem que se distorce dez vezes mais pelo acirramento da contenda, até tornar-se virtualmente irreconhecível, mas ainda assim a imagem de algo moralmente correcto. Se um homem pudesse admitir perante si próprio que aquilo pelo que luta é errado e contrário à equidade e à lei da razão, admitiria também, por conta disso, que a sua causa ficou condenada e desprovida de esperança; ele não conseguiria continuar a lutar por ela.
Alarga os Teus Horizontes
Por que é que combateis? Dir-se-á, ao ver-vos,
Que o Universo acaba aonde chegam
Os muros da cidade, e nem há vida
Além da órbita onde as vossas giram,
E além do Fórum já não há mais mundo!Tal é o vosso ardor! tão cegos tendes
Os olhos de mirar a própria sombra,
Que dir-se-á, vendo a força, as energias
Da vossa vida toda, acumuladasSobre um só ponto, e a ânsia, o ardente vórtice,
Com que girais em torno de vós mesmos,
Que limitais a terra à vossa sombra…
Ou que a sombra vos torna a terra toda!
Dir-se-á que o oceano imenso e fundo e eterno,
Que Deus há dado aos homens, por que banhem
O corpo todo, e nadem à vontade,
E vaguem a sabor, com todo o rumo,
Com todo o norte e vento, vão e percam-se
De vista, no horizonte sem limites…
Dir-se-á que o mar da vida é gota d’água
Escassa, que nas mãos vos há caído,
De avara nuvem que fugiu, largando-a…
Tamanho é o ódio com que a uns e a outros
A disputais,
Para chegar a perdoar à razão o mal que faz à maioria dos homens, é preciso considerar o que seria o homem sem a sua razão. É um mal necessário.
Não penso que o homem tenha grandes capacidades de desenvolvimento. Foi tão longe quanto podia, o que não é tão longe como isso.
Nunca nos Assemelhamos a nós Próprios
O homem não é conhecível a si próprio, porque a sua vida consiste em esforços alternados para ser o que não é, e essa transposição e substituição contínuas de almas irreais e estranhas fazem com que aquilo que na verdade e, ao contrário de Deus, pareça o que nunca é. Mesmo no mais pobre de nós existem pelo menos sete homens.
Há aquele que parece aos outros e o julgado, justamente, sabe quase sempre que não é.
Há aquele que diz ser e ele próprio sabe não ser, porque a vaidade ou medo tornam sempre mentiroso.
Há aquele que julga ser e é o mais distante da verdade, que cada um se inclina para se julgar aquilo que não é, por uma retorsão do orgulho que afasta tudo o pior, que é a maioria.
Há aquele que quereria ser, o mito pessoal de todo o homem, o sonho reservado ao futuro, aquele que depois deforma todas as autobiografias.
Aquele que finge ser para comodidade e necessidade da vida comum, onde o insensível deve mostrar-se caloroso, o avarento liberal e o vil corajoso.
Há aquele que se poderia chamar o nosso duplo desconhecido: a personalidade subconsciente,
Aquilo que o homem uniu a natureza não consegue separar.
O homem que é conduzido pela razão é mais livre na cidade onde vive segundo a lei comum do que na solidão, onde só obedece a si mesmo.
O homem mais tenebroso tem seus momentos iluminados: tal assassino toca flauta; tal feitor é talvez um bom filho. Existem poucos a quem não se possa ensinar alguma coisa. O erro é tentar encontrar neles virtudes que não têm, neglicenciando as que possui.