Queixas de um Utente
Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.
Passagens sobre Impostos
63 resultadosOs impostos são aquilo que se paga para se ter uma sociedade civilizada.
Se as pessoas compram meus livros por vaidade, considero que é um imposto sobre a idiotice.
A educação é o maior e mais difícil problema imposto ao homem.
A coisa mais difícil de compreender no mundo é o imposto profissional.
A estupidez não paga muito imposto.
A Tirania Individual e a Tirania Colectiva
As divergências de opinião não resultam, como por vezes supomos, das desigualdades de instrução daqueles que as manifestam. Elas notam-se, com efeito, em indivíduos dotados de inteligência e de instrução equivalentes. Disso se convencerá quem percorrer as respostas aos grandes inquéritos colectivos destinados a elucidar certas questões bem definidas.
Entre os inúmeros exemplos fornecidos pela leitura das suas actas, mencionarei apenas um, muito típico, publicado nos Anais de Psicologia do sr. Binet. Querendo informar-se quanto aos efeitos da redução do programa de história da filosofia nos liceus, enviou um questionário a todos os professores incumbidos desse ensino. As respostas foram nitidamente contraditórias, pois uns declaravam desastroso o que os outros julgavam excelente. «Não se compreende», conclui o Sr. Binet com melancolia, «que uma reforma que consterna um professor, pareça excelente a um dos seus colegas. Que lição para eles sobre a relatividade das opiniões humanas, mesmo entre pessoas competentes!».
Contradições da mesma espécie invariavelmente se manifestaram em todos os assuntos e em todos os tempos. Para chegar à acção, o homem teve, entretanto, de escolher entre essas opiniões contrárias. Como operar tal escolha, sendo a razão muito fraca para a determinar?
Somente dois métodos foram descobertos até hoje: aceitar a opinião da maioria ou a de um único,
Quando o trabalho é um prazer, a vida é bela! Mas quando nos é imposto, a vida é uma escravatura.
Em Todas as Sociedades Existe um Impulso Para a Conformidade
A imposição de padrões pelas sociedades aos seus extremamente diversificados indivíduos tem variado muito em diferentes períodos históricos e diferentes níveis de cultura. Nas culturas mais primitivas, onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, a pressão para o conformismo era naturalmente muito intensa. Quem ler literatura de antropologia ficará espantado com a natureza fantástica de algumas das tradições às quais os homens tiveram de se adaptar. A vantagem de uma sociedade grande e complexa como a nossa é permitir à variedade de seres humanos expressar-se de muitas maneiras; não precisa de haver uma adaptação intensa, como a que encontramos em pequenas sociedades primitivas. Mesmo assim, em toda a sociedade há sempre um impulso para a conformidade, imposto de fora pela lei e pela tradição, e que os indivíduos impõem sobre si mesmos, tentando imitar o que a sociedade considera o tipo ideal.
A esse respeito, recomendo um livro muito importante do filósofo francês Jules de Gaultier, publicado há cerca de cinquenta anos, chamado “Bovarismo”. O nome vem da heroína do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, no qual essa jovem mulher infeliz sempre tentava ser o que não era. Gaultier generaliza isso e diz que todos temos tendência a tentar ser o que não somos,
A mudança das modas é o imposto que a indústria do pobre lança sobre a vaidade do rico.
Nós temos um sistema (político) que aumenta impostos sobre o trabalho e subsidia o não-trabalho.
Morrer rico é extrema incompetência. Significa que você não usufruiu, ou pelo menos não usufruiu todo o seu dinheiro. Além disso, um rico que gasta tudo o que tem antes de morrer, livra os seus herdeiros do odioso imposto de transmissão.
A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes – brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias – que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.
Soneto X
Vendo da peste o bárbaro flagelo
Mil vidas a ceifar a cada instante,
D’África deixa o solo distante
E veio no Brasil curar Otelo.O semblante imposto negro-amarelo
Cresta do orgulho a chama crepitante,
Traz cheia de vidrinhos o turbante,
E buído punhal por escalpelo.Homeopata é, e o albergue puro
Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
“Doutor, eu quero ter vosso futuro.”— Bravo! grita o Martins enternecido;
Pelas cinzas de Hahnemann te juro
Que não hás de morrer desconhecido.
O imposto tem este nome porque, de outro modo, ninguém o pagaria.
O cansaço físico, mesmo que suportado forçosamente, não prejudica o corpo, enquanto o conhecimento imposto à força não pode permanecer na alma por muito tempo.
Não são as Circunstâncias que Decidem a Nossa Vida
A nossa vida, como repertório de possibilidades, é magnífica, exuberante, superior a todas as históricamente conhecidas. Mas assim como o seu formato é maior, transbordou todos os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. É mais vida que todas as vidas, e por isso mesmo mais problemática. Não pode orientar-se no pretérito. Tem de inventar o seu próprio destino.
Mas agora é preciso completar o diagnóstico. A vida, que é, antes de tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser. Circunstâncias e decisão são os dois elementos radicais de que se compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que da nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A vida não elege o seu mundo, mas viver é encontrar-se, imediatamente, em um mundo determinado e insubstituível: neste de agora. O nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra a nossa vida.
Mas esta fatalidade vital não se parece à mecânica. Não somos arremessados para a existência como a bala de um fuzil, cuja trajectória está absolutamente pré-determinada. A fatalidade em que caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este,
O Jorge Amado dizia-me, há tempos, que conhecia muitos editores ricos, mas escritores não. Gastamos muito em impostos e pagamos tudo aquilo que o agente investe em nós.
A força dos governos é inversamente proporcional ao peso dos impostos.
Falta Pouco
Falta pouco para acabar
o uso desta mesa pela manhã
o hábito de chegar à janela da esquerda
aberta sobre enxugadores de roupa.
Falta pouco para acabar
a própria obrigação de roupa
a obrigação de fazer barba
a consulta a dicionários
a conversa com amigos pelo telefone.Falta pouco
para acabar o recebimento de cartas
as sempre adiadas respostas
o pagamento de impostos ao país, à cidade
as novidades sangrentas do mundo
a música dos intervalos.Falta pouco para o mundo acabar
sem explosão
sem outro ruído
além do que escapa da garganta com falta de ar.Agora que ele estava principiando
a confessar
na bruma seu semblante e melodia.