O Medo do Fim
Alguns pensam que a felicidade é a ausência de sofrimento… mas, na verdade, está errada essa ideia. A felicidade e o sofrimento são ambos pilares fundamentais da existência. Sem sofrimento a nossa humanidade não seria provada e os nossos dias não teriam valor. Assim também a felicidade, sendo a alegria mais profunda, é o que dá sentido a todas as noites… não são realidades que se possam medir, mas não deixam de ser algo tão concreto como as nossas duas mãos, que sempre trabalham em conjunto, sabendo cada uma o seu papel e o seu valor.
Evitar a dor não nos torna mais fortes.
Tememos as perdas. Tememos a morte. Talvez porque o nada é um abismo que assusta todos quantos têm uma vida com valor. Porque somos impelidos a defender o significado do que erguemos aqui. Não se quer aceitar que tudo quanto se construiu, durante uma vida, seja suprimido sem deixar rasto. Quantas vezes não é o momento do fim que se teme, mas antes o que se pode fazer até lá?
Caminhar rumo ao desconhecido é uma prova de coragem e de fé diante das evidências deste mundo. Os olhos não querem ver nem as pernas caminhar,
Passagens sobre Mãos
1597 resultadosQuem o seu inimigo poupa, às mãos lhe morre.
Para sentir levezas, louco intento! tomei nas mãos um raio de luar. Levinho, era tal qual o pensamento de um anjo, se o pudesse sustentar. […]
Perdi vinte em vinte e nove amizades, por conta de uma pedra em minhas mãos e aos vinte e nove com retorno de saturno, decidi começar a viver.
Olhos
Olhos:
brilhantes da chuva que caiu
quando Deus me mandou beber.Olhos:
ouro, que a noite me contou nas mãos,
quando colhi urtigas
e fiz arrepender as sombras dos Provérbios.Olhos:
noite, que sobre mim resplandeceu, quando escancarei o portão
e atravessado pelo gelo invernoso das minhas fontes
saltei pelos lugares da eternidade.Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno
Liderar não é tanto uma questão de mão pesada mas mais de assento firme.
A Podridão da Honra
Uma cadela de mau cheiro, que pariu numerosos filhotes, em parte já a apodrecer, mas que na minha infância era tudo para mim, que me segue fielmente o tempo todo, em quem não consigo bater, mas da qual, mesmo evitando o seu hálito, eu me desvio indo para trás e que, se não me decido por alguma outra coisa, irá empurrar-me até ao canto já visível da parede, para se decompor totalmente em cima de mim e comigo – é uma honra que me dá? -, a carne purulenta e cheia de vermes da sua língua na minha mão.
A Exacta Glória é a Póstuma
A exacta glória é a póstuma, a que nenhum dente rói, e que só desce sobre um nome depois da ressurreição intemporal do seu possuidor. Todos sabemos que a imortalidade do poeta lhe nasce das cinzas. Mas o artista enquanto vive é homem. Rege-o tanto uma lei de cima como uma lei de baixo. E por isso, pela transitória fama entre meia dúzia de condicionados contemporâneos, é capaz de matar um irmão. Velhos e novos aprestam nesta triste luta as mesmas armas e as mesmas unhas. Os velhos querem guardar os loiros; os novos querem tirar-lhos das mãos. E sem haver a mais pequena esperança de paz entre as duas forças. É da própria natureza dos contendores que nenhum ceda. A sofreguidão é tanto da fisiologia senil, como da infantil…
Namorados
Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos…Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…Nada tolda os seus olhos… Nem um véu…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vêem é o azul do céu…Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!
Cada esperança abre horizontes infinitos e possibilidades imprevistas. O futuro é absolutamente aberto. Sempre. Construído pelas mãos dos que o sabem esperar.
A ameaça fundamental à liberdade é o poder de coagir, esteja ele nas mãos de um monarca, de um ditador, de uma oligarquia ou de uma maioria momentânea.
Amo-te como um Planeta em Rotação Difusa
Amo-te como um planeta em rotação difusa
E quero parar como o servo colado ao chão.
Frágil cerâmica de poros soprados no teu hálito
Vasilha que ergues em tua mão de oleiro
Cálice que não pudeste afastar de ti.
Os Ministros da Pena
Eu não sei como não treme a mão a todos os ministros de pena, e muito mais àqueles que sobre um joelho aos pés do rei recebem os seus oráculos, e os interpretam, e estendem. Eles são os que com um advérbio podem limitar ou ampliar as fortunas; eles os que com uma cifra podem adiantar direitos, e atrasar preferências; eles os que com uma palavra podem dar ou tirar peso à balança da justiça; eles os que com uma cláusula equívoca ou menos clara, podem deixar duvidoso, e em questão, o que havia de ser certo e efectivo; eles os que com meter ou não meter um papel, podem chegar a introduzir a quem quiserem, e desviar e excluir a quem não quiserem; eles, finalmente, os que dão a última forma às resoluções soberanas, de que depende o ser ou não ser de tudo. Todas as penas, como as ervas, têm a sua virtude; mas as que estão mais chegadas à fonte do poder são as que prevalecem sempre a todas as outras. São por ofício, ou artifício, como as penas da águia, das quais dizem os naturais, que postas entre as penas das outras aves, a todas comem e desfazem.
À Discórdia
Pouco importa amarrar com mão valente
A Discórdia infernal, com cem cadeias,
Que ela tem subtilezas, tem ideias
De saber desligar-se facilmente.De que serve lançar limpa semente
Em chão infecto, de zizânias feias,
De ervilhacas, lericas, joio, aveias,
Sem os campos limpar primeiramente?Ninguém, té gora, à ligadura górdia
O nó soube desdar, que o vil Egoísmo
Empata as vazas à geral Concórdia.Não se pode extinguir o Despotismo,
Nem acabar c’o império da Discórdia,
Sem cortar a raiz do Fanatismo.
A Funda
(SALVADOR RUEDA)
O verso é a funda de uma idéia. À teia
Dos fios trá-la, sem calhaus, pendida;
Mas, se a tomares, que lhe emprestes vida,
E a tornes digna da atenção alheia.Funda é o verso. Faiscando, balanceia
No ígneo cérebro a pedra encandescida;
E ao futuro, de súbito impelida,
Caminhando veloz, relampagueia.O verso é a funda que uma idéia lança.
A pedra passa pela nossa frente
E no giro dos séculos não cansa.E tu, que és perta e sonhador austero,
Lembra as pedras em funda resistente
Alto lançadas pela mão de Homero!
A Minha Poesia
A minha poesia e a minha vida fluíram como um rio americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na intimidade profunda das montanhas austrais e dirigindo sem cessar para uma saída marítima o movimento do caudal. A minha poesia não rejeitou nada do que pôde transportar nas suas águas. Aceitou a paixão, desenvolveu o mistério, abriu passagem nos corações do povo.
Coube-me sofrer e lutar, amar e cantar. Tocaram-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e do sangue. Que mais quer um poeta? Todas as alternativas, do pranto até aos beijos, da solidão até ao povo, estão vivas na minha poesia, reagem nela, porque vivi para a minha poesia e porque a poesia sustentou as minhas lutas. E se muitos prémios alcancei, prémios fugazes como borboletas de pólen evasivo, alcancei um prémio maior, um prémio que muitos desdenham, mas que, na realidade, é para muitos inatingível.
Consegui chegar, através de uma dura lição de estética e rebusca, através dos labirintos da palavra escrita, à altura de poeta do meu povo. O meu prémio maior é esse — não os livros e os poemas traduzidos, não os livros escritos para descreverem ou dissecarem as palavras dos meus livros.
Prazo de Vida
No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio.Mandei armar o meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!No meio das águas faz frio.
Faz frio no meio das águas,
muito frio.Marinheiro serei sombrio,
por minha provisão de mágoas.
Tão sombrio!No meio da vida faz frio,
faz frio no meio da vida.
Muito frio.O universo ficou vazio,
porque a mão do amor foi partida
no vazio.
Contigo
Acordo na manhã de oiro
entre o teu rosto e o mar.As mão afagam a luz,
prolongam o dia breve.Entre o teu rosto e o mar
ninguém deseja ser neve.Ninguém deseja o veneno
da noite despovoada.Acorda-me a tua voz,
nupcial, branca, delgada.
Purinha
O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…
Grita
Amor, quando chegares à minha fonte distante,
cuida para que não me morda tua voz de ilusão:
que minha dor obscura não morra nas tuas asas,
nem se me afogue a voz em tua garganta de ouro.Quando chegares, Amor
à minha fonte distante,
sê chuva que estiola,
sê baixio que rompe.Desfaz, Amor, o ritmo
destas águas tranquilas:
sabe ser a dor que estremece e que sofre,
sabe ser a angústia que se grita e retorce.Não me dês o olvido.
Não me dês a ilusão.
Porque todas as folhas que na terra caíram
me deixaram de ouro aceso o coração.Quando chegares, Amor
à minha fonte distante,
desvia-me as vertentes,
aperta-me as entranhas.E uma destas tardes – Amor de mãos cruéis -,
ajoelhado, eu te darei graças.Tradução de Rui Lage