O Sucesso para um Grande Amor
Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!… E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrelado», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia,
Passagens sobre Mortalhas
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I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
Sede
Boca invisível
na flor da boca,
lábios rachados
de sol e sal,
de folha e palha.
Língua de brasa
queima a garganta;
voz abafada,
som que farfalha.
As cimitarras
voam ao vento,
cortam papéis
(brancas mortalhas).
Ossos ressecos
feitos de pó,
baixos-relevos
no chão gretado.
Rente à corrente
de águas que fervem
alço o meu corpo
círio fanado,
chama indecisa
que arde tão só.
Renúncia
A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz…Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela é como um rio de luz…Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ó minha mocidade toda em flor!
Paz!
E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão…
Quantos não scismam n’isso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora!
Chymeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha unica afflicção…Toda a dor pode suspportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva… essa que traz…Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar n’esse convento
Que ha além da Morte e que se chama A Paz!
Apostrofe À Carne
Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Pressinto o fim da orgânica batalha:
– Olhos que o húmus necrófago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…E o Homem – negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!