Prudencio Aguilar vinha duas vezes por dia conversar com ele. Falavam de galos. Prometiam fazer uma criação de animais magníficos, não tanto para desfrutar umas vitórias que no momento já não lhes fariam falta, mas para ter alguma coisa com que se distrair nos tediosos domingos da morte
Passagens sobre Morte
1650 resultadosMudar de costume, parelha de morte.
Que horror é meter entranhas em entranhas, engordar um corpo com outro corpo, viver da morte de seres vivos.
Tal vida, tal morte.
A morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo ao chão.
A Busca da Glória
Com que pensamento nas suas mentes suporíamos que esta tropa de homens ilustres perdeu a vida pelo bem público? Seria para que o seu nome ficasse restrito aos limites estreitos de sua vida? Ninguém jamais se teria exposto à morte pelo seu país sem uma boa esperança de alcançar a imortalidade. Temístocles poderia ter levado uma vida tranquila (…) e eu poderia ter feito o mesmo. Mas acontece que, de algum modo, foi implantado na mente dos homens um pressentimento profundamente arraigado sobre as eras futuras, e tal sentimento torna-se mais forte e mais patente nos homens dotados de génio e espírito mais elevado. Retire-se tal sentimento, e quem seria louco de passar a vida em constante perigo e labuta? Até aqui falei de estadistas, mas e os poetas? Não possuem eles algum desejo de fama após a morte? (…) Mas porquê parar nos poetas? Os artistas anseiam tornar-se famosos após a morte.
Ninguém Morre Antes da Hora
Ninguém morre antes da hora. O que deixais de tempo não era mais vosso do que o tempo que se passou antes do vosso nascimento; e tampouco vos importa, Com efeito, considerai como a eternidade do tempo passado nada é para nós (Lucrécio). Termine a vossa vida quando terminar, ela aí está inteira. A utilidade do viver não está no espaço de tempo, está no uso. Uma pessoa viveu longo tempo e no entanto pouco viveu; atentai para isso enquanto estais aqui. Terdes vivido o bastante depende da vossa vontade, não do número de anos. Pensáveis nunca chegar aonde estáveis indo incessantemente? E no entanto não há caminho que não tenha o seu fim. E, se a companhia vos pode consolar, não vai o mundo no mesmo passo em que ides? Todas as coisas seguir-vos-ão na morte (Lucrécio). Tudo não dança a vossa dança? Há coisa que não envelheça convosco? Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem nesse mesmo instante em que morreis: Pois nunca a noite sucedeu ao dia, nem a aurora à noite, sem ouvir, mesclados aos vagidos da criança, os gritos de dor que acompanham a morte e os negros funerais (Lucrécio).
Morte
Num imenso salão, alto e rotundo,
De caveiras iguais, ossos sem dono,
Perpétua habitação de eterno sono
Que tem por tecto o Céu, por base o mundo:Bem no meio, em silêncio o mais profundo,
Se levanta da Morte o fatal trono:
Ceptros sem rei, arados sem colono,
São os degraus do sólio furibundo.Lanças, arneses pelo chão, quebrados,
Murchas grinaldas, báculos partidos,
Liras de vates, pastoris cajados,Algemas, ferros e brasões luzidos,
No terrível salão são misturados,
No palácio da Morte confundidos.
Vontade de Dormir
Fios d’ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira –
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte…. . . . . . . . . . . . . . .
– Ai que saudade da morte…
. . . . . . . . . . . . . . .
Quero dormir… ancorar…
. . . . . . . . . . . . . . .
Arranquem-me esta grandeza!
– Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?…
As Pernas Pesadas
Hoje, temos as pernas pesadas com o nosso peso. Andamos a ver onde pomos os pés, a acautelarmo-nos para não cair, porque se partíssemos uma perna era a nossa morte. Sentimos uma tremura invisível nas pernas, e hoje avançou essa tremura para o dobro, e já se nota ao olhar. Os ossos não se dobram da mesma maneira. Até o respirar é muito diferente do que já foi. Dantes, era corrido, era uma coisa em que não reparávamos. Hoje, é precisa mais força para sorver o ar e, quando o sopramos, soltamos um ruído de asma, como se tivéssemos o pescoço meio entupido ou tivéssemos engolido uma gaita enferrujada.
A Guerra que Aflige com seus Esquadrões
A guerra, que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito do erro da filosofia.A guerra, como tudo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.A química directa da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem,
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!
Não seja o teu pesar pelo que fizeste senão o propósito de tua futura melhora; todo outro arrependimento não é senão morte.
Tão Grande Dor
“Tão grande dor para tão pequeno povo” palavras de um timorense à RTP
Timor fragilíssimo e distante
Do povo e da guerrilha
Evanescente nas brumas da montanha“Sândalo flor búfalo montanha
Cantos danças ritos
E a pureza dos gestos ancestrais”Em frente ao pasmo atento das crianças
Assim contava o poeta Rui Cinatti
Sentado no chão
Naquela noite em que voltara da viagemTimor
Dever que não foi cumprido e que por isso dóiDepois vieram notícias desgarradas
Raras e confusas
Violências mortes crueldade
E anos após ano
Ia crescendo sempre a atrocidade
E dia a dia – espanto prodígio assombro –
Cresceu a valentia
Do povo e da guerrilha
Evanescente nas brumas da montanhaTimor cercado por um bruto silêncio
Mais pesado e mais espesso do que o muro
De Berlim que foi sempre falado
Porque não era um muro mas um cerco
Que por segundo cerco era cercadoO cerco da surdez dos consumistas
Tão cheios de jornais e de notíciasMas como se fosse o milagre pedido
Pelo rio da prece ao som das balas
As imagens do massacre foram salvas
As imagens romperam os cercos do silêncio
Irromperam nos écrans e os surdos viram
A evidência nua das imagens
Que Poderei Do Mundo Já Querer
Que poderei do mundo já querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão `desgosto e desamor,
e morte, enfim, que mais não pode ser!Pois vida me não farta de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
eu a verei; que tudo posso ver.A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou:
parece que para isto só nasci!
É o Que a Gente Leva Desta Vida…
A persistência instintiva da vida através da aparência da inteligência é para mim uma das contemplações mais íntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciência serve somente para me destacar aquela inconsciência que não disfarça.
Da nascença à morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que têm os animais. Toda a vida não vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que não sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, são todos inconscientes – não porque neles falte a consciência, mas porque neles não há duas consciências.
Vislumbres de ter a ilusão – tanto, e não mais, tem o maior dos homens.
Sigo, num pensamento de divagação, a história vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo são servos do temperamento subconsciente, das circunstâncias externas alheias, dos impulsos de convívio e desconvívio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.
Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»…
Como o amor, como a morte, a verdade precisa dos véus da mentira.
O Mesmo
O mesmo Teucro duce et auspice Teucro
É sempre cras — amanhã — que nos faremos ao mar.Sossega, coração inútil, sossega!
Sossega, porque nada há que esperar,
E por isso nada que desesperar também…
Sossega… Por cima do muro da quinta
Sobe longínquo o olival alheio.
Assim na infância vi outro que não era este:
Não sei se foram os mesmos olhos da mesma alma que o viram.
Adiamos tudo, até que a morte chegue.
Adiamos tudo e o entendimento de tudo,
Com um cansaço antecipado de tudo,
Com uma saudade prognóstica e vazia.
Para conservar a liberdade, a morte, que é o último dos males, não deve recear-se.
A arte de viver consiste em conseguir que até os agentes funerários lamentem a tua morte.
A vida é uma grande surpresa. Não vejo por que razão a morte seria uma maior.