Não Somos Capazes de Distinguir o que é Bom e o que é Mau
Quantas vezes um pretenso desastre não foi a causa inicial de uma grande felicidade! Quantas vezes, também, uma conjuntura saudada com entusiasmo não constituiu apenas um passo em direcção ao abismo — elevando um pouco mais ainda alguém em posição eminente, como se em tal posição pudesse estar certo de cair dela sem risco! A própria queda, aliás, não tem em si mesma nada de mal se tomares em consideração o limite para lá do qual a natureza não pode precipitar ninguém. Está bem perto de nós o termo de tudo quanto há, está bem perto, garanto-te, o limite desta existência donde o venturoso se julga expulso e o desgraçado liberto; nós é que, ou por esperanças ou por receios desmesurados, a fazemos mais extensa do que realmente é. Se agires com sabedoria, medirás tudo em função da condição humana, e assim limitarás o espaço tanto das alegrias como dos receios. Vale bem a pena privarmo-nos de duradouras alegrias a troco de não sentirmos duradouros receios!
Por que motivo procuro eu restringir este mal que é o medo? É que não há razão válida para temeres o que quer que seja; nós, isso sim, deixamo-nos abalar e atormentar apenas por vãs aparências.
Passagens sobre Natureza
1307 resultadosSe vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico.
À Instabilidade Das Cousas No Mundo.
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?Mas no Sol e na luz, falta a firmeza,
Na formosura não se crê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
LXXXIII
Polir na guerra o bárbaro gentio,
Que as leis quase ignorou da natureza,
Romper de altos penhascos a rudeza,
Desentranhar o monte, abrir o rio;Esta a virtude, a glória, o esforço, o brio
Do Russiano Herói, esta a grandeza,
Que igualou de Alexandre a fortaleza,
Que venceu as desgraças de Dario:Mas se a lei do heroísmo se procura,
Se da virtude o espírito se atende,
Outra idéia, outra máxima o segura:Lá vive, onde no ferro não se acende;
Vive na paz dos povos, na brandura:
Vós a ensinais, ó Rei; em vós se aprende.
O Sentido de Possibilidade
Poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é. Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito.
Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito. O possível, porém, não abarca apenas os sonhos dos neurasténicos, mas também os desígnios ainda adormecidos de Deus. Uma experiência possível ou uma verdade possível não são iguais a uma experiência real e uma verdade real menos o valor da sua realidade,
Quase um Poema de Amor
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
A vida humana é o maior desperdício económico da natureza: no momento em que poderíamos começar a tirar proveito da nossa experiência, morremos, e os que vêm a seguir voltam a começar do zero. Voltar a ensinar a criança a andar, levá-la à escola para que distinga uma circunferência de um quadrado, o amarelo do vermelho, o sólido do líquido, o duro do mole.
As grandes naturezas produzem grandes vícios, assim como grandes virtudes.
A natureza nunca quebra suas próprias leis.
O Conhecimento da Verdade
Nada é menos estranho que as contradições que se descobrem no homem. Ele é feito para conhecer a verdade. Procura-a. Quando trata de a agarrar, deslumbra-se e confunde-se de tal maneira que não dá motivo a que lhe disputem a posse dela. Uns querem arrebatar ao homem o conhecimento da verdade, outros querem garantir-lho. Cada um deles usa motivos tão dissemelhantes, que destroem o embaraço do homem. Não há outra luz além da que se encontra na natureza.
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta.Cismo, cheio de nada, e a noite é tudo.
Meu coração, que fala estando mudo,
Repete seu monótono torporNa sombra, no delírio da clareza,
E não há Deus, nem ser, nem Natureza
E a própria mágoa melhor fora dor.
O ser humano, por natureza, prefere o passado ao futuro ou vice-versa, sempre à custa do presente. Tanto a ideia que as coisas vão melhorar (não podem piorar mais) como a ideia que não vão piorar (é triste ficar na mesma).
Sempre a Amante Ultrapassa o Amado
O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A sua dificuldade reside no que é complicado. A própria vida, porém, tem a dificuldade da simplicidade. Só tem algumas coisas de uma dimensão que nos excede. O santo, declinando o destino, escolhe estas coisas por amor a Deus. Mas que a mulher, segundo a sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, isso evoca a fatalidade de todos os laços de amor: decidida e sem destino, como um ser eterno, fica ao lado dele, que se transformará. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior do que o destino. A sua entrega quer ser sem medida: esta é a sua felicidade. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: exigirem-lhe que limitasse essa entrega.
A Única Coisa que Desculpa o Casamento é o Amor
Na carta que lhe escrevi dava-lhe, como me tinha pedido, a minha opinião sobre o casamento. É a seguinte: acho o casamento uma coisa revoltante! E isto por uma única razão mas que para mim é tudo, para mim e para aquelas mulheres que não são apenas fêmeas, para todas as delicadas, para todas as que têm pudor, espírito e consciência. Essa razão é a posse, essa suprema e grande lei da Natureza que, no entanto, revolta tudo quanto eu tenho de delicado e bom no íntimo da minha alma. Ganha-se um amigo muitas vezes, é certo; um amigo que às vezes é o nosso supremo amparo, mas em compensação quantas revoltas, quantas mágoas, quantas desilusões! Quantas!… A minha querida faz bem, faz muito bem em não se querer sujeitar ao mercado, à venda. Eu casei e casei por amor. É a única coisa que desculpa, no meu entender, o casamento, porque do contrário, quando nele apenas entram o interesse e a ambição, revolta-me e indigna-me.
Sociedade do Desperdício
Uma tentação imediata do nosso tempo é o desperdício. Não é só resultado duma invenção constante da oferta que leva ao apetite do consumo, como é, sobretudo, uma forma de aristocracia técnica. O tecnocrata, novo aristocrata da inteligência artificial, dos números e dos computadores, propõe uma sociedade de dissipação. Propõe-na na medida em que favorece os métodos de maior rendimento e a rapina dos recursos naturais. As hormonas que fazem crescer uma vitela em três meses, as árvores que dão fruto três vezes por ano, tudo obriga a natureza a render mais. Para quê? Para que os alimentos se amontoem nas lixeiras e os desperdícios de cozinha ou de vestuário sirvam afinal para descrever o bluff da produtividade.
Todo artista molha seus pincéis em sua alma, e pinta sua própria natureza.
A Essência das Coisas
Nunca me conformei com um conceito puramente científico da Existência, ou aritmético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes.
A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz da minha aldeia!
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica. Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a casca de um fruto proibido.
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso,
A primeira lei que a natureza me impõe é gozar à custa seja de quem for.
O instinto de propriedade é fundamental na natureza do homem.
O Céu, de Opacas Sombras Abafado
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme e saudade, a que ando afeito.Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.