Depois, só tinha pensamentos de prisioneiro. Aguardava o passeio diário no pátio ou a visita do advogado. O restante do meu tempo eu coordenava muito bem. Nessa época pensei muitas vezes que se me obrigassem a viver dentro de um tronco seco de árvore, sem outra ocupação além de olhar a flor do céu acima da minha cabeça, eu teria me habituado aos poucos. Teria esperado a passagem dos pássaros ou os encontros entre as nuvens tal como esperava aqui as estranhas gravatas do advogado, e, como num outro mundo, esperava até sábado para estreitar nos meus braços o corpo de Marie. Ora, a verdade, afinal é que eu não estava numa árvore seca. Havia pessoas mais infelizes do que eu. Era, aliás, uma idéia de mamãe, e ela repetia com frequência que acabávamos acostumando-nos a tudo.
Passagens sobre Ocupação
120 resultadosO Mal da Cidade
O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –
A Ocupação Militar
Não há ocupação tão agradável como a militar; ocupação tanto nobre na execução (pois a mais forte, generosa e magnífica de todas as virtudes é a valentia) quanto nobre na sua causa: não há utilidade mais legítima nem mais geral do que a protecção da tranquilidade e da grandeza do seu país. Agrada-vos a companhia de tantos homens, nobres, jovens, activos, a visão frequente de tantos espectáculos trágicos, a liberdade desse convívio sem artifícios e uma forma de vida viril e sem cerimónia, a variedade de mil actividades diversas, essa fogosa harmonia da música guerreira que vos alimenta e aquece os ouvidos e a alma, a honra desse exercício, mesmo a sua rudeza e dificuldade, que Platão considera tão pouca que na sua república a reparte com as mulheres e as crianças.
Oferecei-vos para os papéis e os riscos pessoais de acordo com o que julgais sobre o seu brilho e a sua importância, soldado voluntário, e vedes quando mesmo a vida é justificadamente empregue neles, penso que é belo morrer combatendo (Virgílio). Temer os perigos gerais que envolvem uma multidão em que tantas pessoas incorrem, não ousar o que tantas espécies de indivíduos ousam é próprio de um ânimo desmedidamente frouxo e inferior.
Verdade: um engenhoso composto de desejo e aparência. A descoberta da verdade é o único objectivo da filosofia, que é a mais antiga ocupação da mente humana, com excelentes perspectivas de continuar a aumentar a sua actividade até ao fim dos tempos.
A Aspiração de Todo o Bom Português
Enquanto a aspiração de todo o bom português for, na frase de um escritor, um casamento rico e um emprego público; enquanto o diploma for o caminho mais seguro e cómodo para uma colocação certa embora pouco rendosa, e nos não disserem como um inglês ilustre a um professor da França que lhe mostrava os numerosos certificados das suas habilitações: «Nós não precisamos de diplomas, Senhor, precisamos de homens»; enquanto for uma inferioridade a vida de trabalho e um sinal de distinção a ociosidade, uma população numerosa e fútil há-de cursar as escolas secundárias e superiores, e tudo o que exige trabalho e rasgada iniciativa será abandonado; a agricultura, o comércio, a indústria, todas as fontes de riqueza nacional ficarão desaproveitadas, desprezadas, a meterem dó, quando podiam ser a honrosa ocupação de tantos e a salvação e a prosperidade de todos nós.
Agora me Sinto Alegre e Inspirado
Agora me sinto alegre e inspirado em chão clássico;
Mundo de outrora e de hoje mais alto e atraente me
fala.
Aqui sigo eu o conselho, folheio as obras dos velhos
Com mão diligente, cada dia com novo prazer.
Mas, noites fora, Amor me mantém noutra ocupação;
Se apenas meio me instruo, dobrada é minha ventura.
E acaso não é instruir-me, quando as formas dos seios
Adoráveis espio e a mão pelas ancas passeio?
Compreendo então bem o mármore; penso e comparo,
Vejo com olhar tacteante, tacteio com mão que vê.
E se a Amada me rouba algumas horas do dia,
Em recompensa me dá as horas todas da noite.
Nem sempre beijos trocamos; falamos sensatos;
Se o sono a assalta, fico eu deitado a pensar muitas
coisas.
Vezes sem conto eu tenho também poetado em seus
braços
E baixo contado, com mão dedilhante, a medida
hexamétrica
No seu dorso. Em sono adorável respira,
E o seu hálito o peito me acende até à raiz.
O Amor atiça a candeia entretanto e pensa nos tempos
Em que aos Triúnviros seus o mesmo serviço prestava.
Enquanto para a boa sociedade, deixar-se levar pela contemplação é o erro mais grave que um cidadão pode cometer, segundo a opinião mais culta é a única ocupação correcta para o homem.
Um Único Estilo de Vida não é Viver, é Ser
Não nos devemos apegar assim tão fortemente às nossas tendências e temperamento. O nosso talento principal é sabermos aplicar-nos a práticas diversas. O estar vinculado, e necessariamente obrigado, a um único estilo de vida não é viver, é ser. As almas mais belas são as que têm mais variedade e flexibilidade.
Se me fosse possível constituir-me a meu modo, não haveria nenhuma forma, por melhor que fosse, na qual eu me quisesse fixar de sorte que não fosse capaz de dela me apartar. A vida é um movimento desigual, irregular e multiforme. Não é ser amigo, e muito menos senhor, de si mesmo, deixar-se incessantemente conduzir por si e estar preso às próprias inclinações que não possa desviar-se delas nem torcê-las – é ser escravo de si próprio.
Digo-o neste momento por não me poder facilmente desembaraçar da importunidade da minha alma que consiste em ela normalmente não saber ocupar-se senão do que a absorve, nem aplicar-se senão por inteiro e de forma tensa. Por mais trivial que seja o assunto que se lhe dê, ela logo o aumenta e estica a ponto de ter de se empenhar nele com todas as forças. A sua ociosidade é-me, por esta causa,
Uma grande paixão é privilégio de quem não tem nada que fazer. É a única ocupação das classes ociosas de um país.
O que é excesso para uns é fome para outros. Alguns desperdiçam alimentos finos porque não têm como digeri-los: Não nasceram para ocupações elevadas e não estão acostumados a elas.
Falta de ocupação não é repouso; uma mente absolutamente vazia vive angustiada.
O Poeta
Este grave ofício de poeta
que exerço enquanto o tempo vai
dando mais terra à minha sombra,
não o aprendi com meu pai.Este meu alibi de cantar
para ausentar-me do que sou,
de minha mãe não o herdou
o filho rebelde e sem lar.Este ritmo que celebrei
no contraponto com a viola,
jamais o aprendi na escola
e a mim mesmo o ensinei.Sou o inventor do que sou
e, embora neto de avós,
tenho de próprio a minha voz,
bússola do Norte aonde vou.Entre ícaro e Prometeu
viajo e tenho o céu e o chão.
Comando as pedras de Anfião.
Faço a segunda voz de Orfeu.E nem me pergunteis se gosto
de ocupação menos errática:
meu verso é a minha vida prática,
salário e suor do meu rosto.Deixai-me só com minhas lavras,
e com Hamlet, meu porta-voz,
e esta verdade entre nós:
palavras palavras palavras.
A maledicência é uma ocupação e lenitivo para os descontentes.
Vida Real e Actividade Intelectual
O que, em última instância, importa para o nosso bem-estar é aquilo que preenche e ocupa a consciência. No geral, toda a ocupação puramente intelectual proporcionará, ao espírito capaz de a executar, muito mais do que a vida real com as suas alternâncias constantes entre sucesso e fracasso, acompanhados de abalos e tormentos. Decerto, no entanto, para tal ocupação já são exigidas disposições intelectuais preponderantes. Além disso, deve-se observar que, assim como a vida activa voltada para o exterior nos distrai e desvia dos estudos, retirando do espírito a tranquilidade e a concentração necessárias, a ocupação espiritual incessante também nos torna mais ou menos inaptos para as agitações e tumultos da vida real. Dessa maneira, é aconselhável suspender inteiramente tal ocupação por algum tempo, quando surgirem circunstâncias que exijam de algum modo uma actividade prática e enérgica.
A Guerra é Deus
Pouco interessa o que os homens pensam da guerra, disse o juiz. A guerra perdura. É o mesmo que perguntar-lhes o que acham da pedra. A guerra sempre esteve presente. Antes de o homem existir, a guerra já estava à espera dele. O ofício supremo a aguardar o seu supremo artífice. Sempre foi assim e sempre assim será. Assim e não de outra forma.
(…) Os homens nasceram para jogar. Nada mais. Todo o garoto sabe que a brincadeira é uma ocupação mais nobre do que o trabalho. Sabe também que a excelência ou mérito de um jogo não é inerente ao jogo em si, mas reside, isso sim, no valor daquilo que os jogadores arriscam. Os jogos de azar exigem que se façam apostas, sem o que não fazem sequer sentido. Os desportos implicam medir a destreza e a força dos adversários e a humilhação da derrota e o orgulho da vitória constituem em si mesmos aposta suficiente, pois traduzem o valor dos contendores e definem-nos. Porém, quer se trate de contendas cuja sorte se decide pelo azar quer pelo mérito, todos os jogos anseiam elevar-se à condição da guerra, pois nesta aquilo que se aposta devora tudo,
Haverá ocupação pior do que a ocisidade? Sim, a curiosidade inútil.
O Paradoxo do Tempo
Frequentemente observei o seguinte: quanto mais variados os acontecimentos que se sucedem, tanto mais rapidamente passam os nossos dias, mais longo, ao contrário nos parece o tempo passado, a soma desses dias. Por outro lado, quanto mais monótonas as nossas ocupações, tanto mais longos se tornam os nossos dias, tanto mais curto o tempo passado ou a soma deles. A explicação não é difícil.
A Vantagem do Saber
Não existe ocupação tão agradável como o saber; o saber é o meio de nos dar a conhecer, ainda neste mundo, o infinito da matéria, a imensa grandeza da Natureza, os céus, as terras e os mares. O saber ensinou-nos a piedade, a moderação, a grandeza do coração; tira-nos as nossas almas das trevas e mostra-nos todas as coisas, o alto e o baixo, o primeiro, o último e tudo aquilo que se encontra no meio; o saber dá-nos os meios de viver bem e felizmente; ensina-nos a passar as nossas vidas sem descontentamento e sem vexames.
Indivíduo e Colectividade
Uma antiquada concepção, cuja carreira não terminou de todo em Portugal, faz constituir a história na evocação dos homens e dos eventos singulares, faustosa galeria de retratos e painéis de batalhas, a que se acrescenta quando muito o quadro das instituições. Dir-se-ia desta sorte que os factos de ocupação do solo e agrupamento da população, as variações do regime económico, a elaboração de um espírito colectivo, os movimentos e transformações da massa, isto é, os factos própriamente sociais não têm importância na vida da sociedade. Longe de nós negar a parte da criação individual na história. Mas todas as nações, antes de atingirem a sua definição política suprema, atravessam um demorado período de formação, onde ocultam quase exclusivamente esses factos gerais.
A consciência de uma solidariedade e de um ideal colectivo, o sentimento e a ideia de uma pátria elaboram-se lentamente através desses movimentos de grupos e das lutas entre eles suscitadas. E por via de regra os grandes homens são tanto mais representativos quanto melhor encarnam e orientam as aspirações colectivas.
Disponibilidade Mental
Gostaria de exprimir uma ideia que me ocorreu recentemente. Quando estava a viver sozinho neste país, notei como a monotonia de uma vida pacata estimula uma mente criativa. Existem algumas ocupações, mesmo na sociedade moderna, que requerem uma vida isolada e não exigem grande esforço físico ou intelectual. Vêem-me à ideia ocupações como o serviço de faróis e de barcos-faróis. Seria possível colocar jovens que desejem reflectir sobre problemas científicos, especialmente de natureza matemática ou filosófica, nestas ocupações? Muito poucos jovens com semelhantes ambições têm, durante o período mais produtivo da sua vida, a oportunidade de se dedicarem, sem interrupções durante um certo período de tempo, a problemas de natureza científica. Mesmo um jovem que tenha a sorte de obter uma bolsa de estudo durante um período limitado de tempo é pressionado a chegar o mais depressa possível a conclusões definitivas. Tal pressão apenas pode ser prejudicial a um estudante de ciência pura. Com efeito, o jovem cientista que começa uma profissão prática que lhe permite ganhar o suficiente para viver está numa posição muito melhor, assumindo, é claro, que a sua profissão lhe deixa tempo e energia suficientes para se dedicar ao trabalho científico.