Paixão
— Quanto dura uma paixão?
Uma paixão não dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraíso.Uma paixão é sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhã
de sol, se perde o anzol na linha larga.Nem adianta, aí, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixão é sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.Ela não dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, é sempre um feixe
de luz
— alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.
Passagens sobre Paraíso
171 resultadosA mente é um lugar em si mesma e pode fazer do inferno um paraíso ou do paraíso um inferno.
Ser mãe é padecer no paraíso.
O Amor não Existe sem Ciúme
Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.
Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente. Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe – bem sabendo que não é verdade – não nos pode tornar tão vico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros. O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.
Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme,
O Medo do Sucesso
Há muitas pessoas com um enorme potencial e só não o materializam porque têm medo de deixar de ser quem são se atingirem determinado patamar. Ora isto é o maior sinal de que, e desculpa se estou a falar de ti, por muito que penses saber quem és, a verdade é que não fazes ideia do que pensas ser. Ninguém que saiba ser vive com medo de deixar de sê-lo à medida que vai conquistando novos mundos. Ninguém que saiba ser deixa de ser o que verdadeiramente é, ainda que a terra desabe ou o paraíso se torne parte dos seus dias. Quem é, é, ponto final, e não desenvolveres os teus dons com medo de abandonares quem pensas ser, é como condenares-te à morte pela asfixia da frustração, é como se metade de ti soubesse o caminho e a outra metade te puxasse para trás, é como estares tão perto do que és e tão longe de vires a sê-lo. O desgaste será um saco de plástico à volta do teu pescoço, cada vez mais apertado e tu mais ofegante até ao dia em que deixas de acreditar e pereces. É isso que queres? Outro dos motivos para o medo do sucesso é a possibilidade de perder pessoas,
O Mundo que eu Venci Deu-me um Amor
O mundo que eu venci deu-me um amor,
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo.
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória…
Mesmo no aparente inferno existe o paraíso. É feliz aquele que compreende que o homem é ‘totalmente livre, mesmo estando amarrado’.
O Homem Deformado pela Sociedade
Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices. O homem — não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando em seus moldes de ferro aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade — o homem assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra.
Rei nascido de todo o criado, perdeu a realeza: príncipe deserdado e proscrito, hoje vaga foragido no meio de seus antigos estados, altivo ainda e soberbo com as recordações do passado, baixo, vil e miserável pela desgraça do presente.
Destas duas tão apostas actuações constantes, que já per si sós o tornariam ridículo, formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema quimérico, desarrazoado e impossível, complicado de regras a qual mais desvairada, encontrado de repugnâncias a qual mais aposta. E vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro dele o homem, desfigurou-o, contorceu-o, fê-lo o tal ente absurdo e disparatado, doente, fraco, raquítico; colocou-o no meio do Éden fantástico de sua criação — verdadeiro inferno de tolices — e disse-lhe,
O futuro é um paraíso do qual, exactamente como do outro, ninguém jamais voltou.
Por um Orfeu que foi ao inferno procurar a esposa, quantos viúvos nem sequer iriam ao paraíso para encontrar a sua.
Para mim, o maior dos suplícios seria estar sozinho no Paraíso.
Sempre imaginei que o paraíso será uma espécie de biblioteca.
A mulher será sempre o perigo de todos os paraísos.
O que seria do mundo sem a mulher. Dai às paixões todo o ardor que puderes, aos prazeres mil vezes intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertereis o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas prelúdio do tédio.
O Papel do Sonho na Vida
Por vezes, o homem é mais sincero e rico na desordem dos sonhos que na consciência unitária do raciocinador acordado, mas nós vivemos enquanto negamos o sonho e o tornamos inútil. O génio é a extradição do sonho, porque enriquece a consciência com as reservas e as pessoas do inconsciente. Expulsa o selvagem e o delinquente, destila a sagacidade do louco, adopta a criança e escuta o poeta. Não é autocrata surdo, como o homem vulgar, mas pai de iguais. A concórdia de se terem almas subterrâneas faz a grandeza do génio, e a sua obra é a sublimação do sonho, desenrolado na vida verdadeira, liberdade concedida aos pensamentos inocentes dos reclusos.
Escolher é próprio do homem, mas escolhe-se com a rejeição e mais com o acolhimento. Vencer não significa apenas destruir, mas incorporar. A razão será tanto mais razoável quanto maior a loucura que assumir em si; o herói será mais forte se transferir para si a energia do pecador, e a fantasia do poeta tornará mais profundos os cálculos do político.
Quando o chefe da alma é o poeta, verdadeiramente poeta, não encarcera a razão, mas condu-la consigo para cima, ao céu em que até o silogismo se torna fogo.
A Prisão Dourada
Tenta fazer esta experiência, construindo um palácio. Equipa-o com mármore, quadros, ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas… e entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair daí. Talvez, de facto, nunca mais saisses de lá. Está lá tudo! “Estou muito bem aqui sozinho!”. Mas, de repente – uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros, e é-te dito: ‘Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!”. Então, acredita-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu paraíso e pular por cima do muro. Mais! Tudo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento. Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo… Sim, apenas uma coisa te falta… um pouco de liberdade.
Estes Sítios!
Olha bem estes sítios queridos,
Vê-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois não sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocência e vigor!
Oh! aqui, aqui só se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui só vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o níveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocência infantil do pudor.
E oh! deixar tais delícias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razão à impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono à vaidade,
Ter de rir nas angústias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! não, não… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize à sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
Há muito que já perdemos o paraíso. E o novo que queremos e que temos que construir, não se encontra no equador ou nos mares quentes do Oriente. Ele se encontra dentro de nós mesmos.
Não há paraíso sem serpente, nem céu sem demônio.
Todos os jardins da nossa infância são o jardim do paraíso. A pele suave desses tempos em que se corria com as pernas arqueadas soltando uma espécie de luz pela respiração. Ríamos a correr para os braços dos adultos numa entrega absoluta. Eles, os adultos, atiravam-nos ao ar e apanhavam-nos com mãos ásperas, e, talvez por isso, quando crescemos nunca mais deixamos de, esporadicamente, sonhar que voamos. E de sonhar com gigantes e anões, pois eram essas as nossas proporções.